Por Clovis Nascimento
O aprofundamento da Indústria 4.0 impõe aos profissionais da engenharia e ao movimento sindical inúmeros desafios. Isso porque as novas tecnologias exigem a reorganização da produção, das funções dos profissionais e das atividades de planejamento. O Fórum Econômico Mundial já aponta um desemprego estrutural global diante das transformações do mundo do trabalho. De acordo com a Comissão Econômica da ONU para América Latina e Caribe (CEPAL), “o uso de plataformas digitais tem gerado postos de trabalho fora da cobertura da legislação trabalhista existente, redundando em uma nova modalidade de trabalho informal e precário; um dos desafios regionais, portanto, seria a garantia de direitos a esses trabalhadores sem limitar as oportunidades promovidas pela inovação tecnológica”.
No Brasil, passamos por um governo que aprofunda a precarização das condições de trabalho com base em uma Reforma Trabalhista, aprovada em 2017. Nesse sentido, caberá aos sindicatos ampliar e fortalecer laços de cooperação com entidades de outros países do mundo e estabelecer acordos coletivos globais nas multinacionais, como defende a Global Union (UNI), entidade à qual a Fisenge é filiada. O Relatório da Comissão Global Sobre o Futuro do Trabalho da OIT (Organização Internacional do Trabalho) afirma a “necessidade de efetivação do trabalho online decente com direito à liberdade sindical e negociação coletiva, salário mínimo em vigor na região, ser o trabalhador indenizado por trabalho perdido em caso de problemas técnicos ligados à tarefa e/ou plataforma”. Além disso, precisaremos defender políticas e cláusulas nos Acordos Coletivos de Trabalho de formação e capacitação dos profissionais para o uso de novas tecnologias.
Por outro lado, países da América Latina e Caribe correm o risco de dependência tecnológica, se não ousarem em uma política pública industrial com capacidade nacional de criação e desenvolvimento de atividades cientifico-tecnológicas. Isso porque o Brasil passa por um forte processo de desindustrialização, além de cortes de quase 40% de investimentos na educação pública, bolsas de pesquisa e estudos, o que colocará o país em níveis inferiores nos rankings internacionais. Nosso país é referência em determinadas pesquisas tecnológicas, como a exploração de petróleo em águas profundas, como foi na Petrobras. Diante deste cenário, a disputa de hegemonia pelo controle e fornecimento das novas tecnologias caberá aos formuladores de uma política tecnológica com capacidade de investimento. E nossos pesquisadores brasileiros e empresas nacionais nada devem em conhecimento. Essa falta de investimento aliada ao desemprego estrutural irá aprofundar, ainda mais, a desigualdade social nos países.
Especialistas e empresários de plataformas e redes sociais já defendem, mundialmente, o estabelecimento de uma renda básica universal, prevendo, inclusive, a falta de grupos de consumo. Nesse sentido, os dilemas éticos perpassarão questões como: o uso da tecnologia servirá para superar ou ampliar a pobreza?
Nessa discussão, não podemos nos furtar do fator ambiental que poderá ser beneficiado com novas tecnologias de modo a contribuir com a preservação dos recursos naturais, como também prejudicar com o aumento da poluição e da utilização irresponsável desses equipamentos. Teremos, portanto, um conjunto de dilemas éticos a enfrentar. A Indústria 4.0 marca uma crise mundial, mas são nas crises que podemos encontrar oportunidades. Será o momento de discutirmos e firmarmos outros pactos sociais que estejam comprometidos com os direitos dos trabalhadores, um patamar mínimo de proteção social, o meio ambiente, o investimento em educação pública, ciência e tecnologia e a soberania nacional. A engenharia tem um papel de protagonismo fundamental que poderá abrir caminhos e o Seminário Internacional de Inteligência Artificial, promovido pelo Senge-MG, discute como enfrentar e chegar nesse futuro.
*Clovis Nascimento é engenheiro civil e sanitarista, pós-graduado em Políticas Públicas e Governo. Foi subsecretário de Estado de Saneamento e Recursos Hídricos do Rio de Janeiro e diretor nacional de Água no Ministério das Cidades, além de presidente da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (ABES). Atualmente é presidente da Fisenge (Federação Interestadual de Sindicatos de Engenheiros), vice-presidente do Senge-RJ (Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio de Janeiro) e integrante da coordenação do movimento SOS Brasil Soberano.