Theotonio dos Santos explica o papel do Brasil na América Latina e no mundo

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Theotonio dos Santos é pesquisador visitante sênior da UERJ e Presidente da Cátedra e Rede UNESCO sobre Economia Global e Desenvolvimento Sustentável – REGGEN. Ele será um dos professores do cursode extensão universitária AMÉRICA LATINA NO SISTEMA MUNDIAL – INTEGRAÇÃO REGIONAL E ESTRATÉGIAS DE DESENVOLVIMENTO, promovido pelo SENGE-RJ. As aulas serão realizadas entre 6 de maio e 22 de julho. As inscrições podem ser feitas até o dia 20 de abril.

Nessa entrevista ao SENGE-RJ, Theotonio avalia a situação do Brasil após o impeachment de Dilma Rousseff, o que muda com Donald Trump da presidência dos Estados Unidos e o papel da engenharia brasileira no cenário mundial.

SENGE-RJ: Como o senhor avalia a situação do Brasil frente à comunidade internacional, especialmente a América Latina? O que mudou após o impeachment?

Theotonio: A imagem do Brasil está extremamente negativa no plano internacional e particularmente na América Latina. Todas as informações sobre o processo contra a presidente Dilma geraram uma conclusão em que se tratava de um golpe parlamentar. As primeiras medidas do governo Temer mostraram uma postura ideológica reacionária que provocou reações negativas em todo o Mundo.

SENGE-RJ: O que pode ser feito para melhorar esse cenário?

Theotonio: Derrubar o governo Temer e não deixar que as forças reacionárias continuem controlando o país.

SENGE-RJ: Quais são as expectativas de futuro para o país?

Theotonio: As medidas, sobretudo as medidas econômicas, do atual governo se caracterizam pelos seguintes objetivos: 1- manter taxas de juros elevadas para transferir recursos do povo brasileiro para o setor financeiro que controla o país; 2- privatizar as empresas públicas, sobretudo as mais exitosas para atender às pressões internacionais do capital financeiro, particularmente os interesses estadunidenses; 3- restringir as políticas sociais do governo da coalização dirigida pelo Partido dos Trabalhadores (PT) para atender às queixas e ódios dos setores sociais que vivem as custas de mão-de-obra barata; 4- restringir a capacidade científica e tecnológica do país, educacional e de saúde e habitacional com o objetivo de deter a politização e capacidade de organização dos setores excluídos. Se gera assim um aumento de uma já profunda desigualdade social levando ao desespero setores socialmente excluídos e aprofundando as reações desesperadas na luta pela sobrevivência num clima de confrotação geral.

SENGE-RJ: Qual vem sendo o papel do Brasil nas discussões sobre desenvolvimento sustentável?

Theotonio: O governo brasileiro apoio as iniciativas da reunião de Paris com propostas de aceitação internacional. Durante os governos populares de Lula e Dilma conseguiu-se importantes reduções do desmatamento das importantes florestas brasileira, cuja destruição é uma das maiores ameaças ao meio ambiente mundial.

SENGE-RJ: Como o senhor avalia a mudança de posição do presidente Temer em relação ao BRICS, que disse que ia dar prioridade às relações com os Estados Unidos?

Theotonio: Durante a luta pela independência da Améria Latina, e do Brasil em particular, uma grande parte da classe dirigente brasileira buscou apoiar-se nos antigos colonizadores espanhóis e portugueses. Eles não eram capazes de ver que essas potências estavam em plena decadência e que a luta pela independência seria necessariamente vitoriosa, sobretudo quando contava com a liderança de um gênio militar e político como Simon Bolívar. A mesma ocorre com um amplo setor das classes dominantes brasileira e latino americana que não entendem e não concebem a possibilidade da decadência já bastante acentuada do domínio estadunidense. A criação do Banco dos BRICS juntamente com o Banco Asiático de Desenvolvimento está estabelecendo uma estrutura financeira já nesse momento mais poderosa que o sistema criado Bretan Wood que se encontra em plena decadência.

SENGE-RJ: Com a eleição do Trump, nos Estados Unidos, o que muda na governança global?

Theotonio: Os dois governos Obama desenvolveram uma oratória aparentemente mais progressista, contudo, a prática do governo dos EUA nesse período prolongou as violências e o terrorismo inerente à imposição sobre o Planeta de uma potência inescrupulosa.

SENGE-RJ: Qual o papel da engenharia brasileira neste cenário?

Theotonio: A engenharia brasileira realizou um grande avanço, sobretudo na Era Vargas, que permitiu criar uma cidade em zonas semi-desérticas como Brasília ou a criação da maior usina elétrica do Mundo e um sistema rodoviário de grande vulto. Ela também se destacou no exterior com grandes obras. Todas essas conquistas se mantiveram mesmo nos períodos recessivos e de restrições comandadas pelo pensamento econômico neoliberal e os interesses de um capital financeiro cada vez mais especulativo e inútil. É importante destacar que neste momento concentra seus esforços para a criação de um sistema educacional voltado para a engenharia, sobretudo a engenharia de sistemas que já no atual momento produz duas vezes engenheiros na China do que nos EUA. Por isso, a China vem obtendo um desenvolvimento em mais de 3 décadas. O Brasil se vê ameaçado pelas políticas neoliberais que desprezam o papel da engenharia no desenvolvimento econômico e social.

SENGE-RJ: Fale um pouco sobre o curso promovido pelo SENGE-RJ. Qual a importância dele para os profissionais e para a discussão do papel do Brasil na política internacional ?

Theotonio: Como vimos o Brasil está ameaçado de diminuir drasticamente o avanço que havia conquistado nos últimos 10 anos. Nossas exportações cresceram em cerca de 50 bilhões de dólares para pouco mais de 150 bilhões de dólares durante o governo Lula. Este êxito econômico tem a ver com uma política internacional voltada para a integração regional, cooperação e a unidade dos povos submetidos à dominação internacional das grandes potências econômicas, políticas e militares. O programa de estudos organizados pelo SENGE, pelo IFHT e pela Cátedra UNESCO em Economia Global e Desenvolvimento Sustentável permitirá criar formuladores de políticas públicas internacionais que coloquem o Brasil na vanguarda do estabelecimento de uma estrutura mundial baseada num profundo avanço econômico, social e cultural baseado numa política de paz, cooperação e respeito aos direitos humanos.