Em plena pandemia do Coronavirus, o Senado Federal pretende votar, hoje (24/6), o PL 4.162/2019 que altera o marco legal do saneamento. Aprovado no ano passado pela Câmara dos Deputados, o parecer apresentado pelo senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), relator do projeto na Casa, não fez alterações na proposta apreciada pelos deputados. A Constituição de 1988, no seu artigo 30, inciso 5, estabelece que serviços de interesse local são de competência e titularidade municipal, o que inclui água, esgoto, resíduos sólidos e drenagem urbana. O PL 4162/2019 afeta a titularidade dos municípios, privilegiando as empresas privadas, e ainda cria um fundo público para fomentar a privatização. Um dos pontos mais graves é o fim dos Contratos de Programa, que desestrutura as companhias estaduais de água e esgoto ao acabar com os subsídios cruzados. Caso seja aprovado pelo Senado, o PL irá colocar em risco a saúde e a qualidade de vida da população ao prejudicar a prestação dos serviços, além do aumento das contas de água, ao criar um monopólio privado na prestação dos serviços públicos de água e esgoto. De acordo com o engenheiro e presidente da Fisenge (Federação Interestadual de Sindicatos de Engenheiros), Clovis Nascimento o PL é uma temeridade à universalização dos serviços de água e esgoto. “No Brasil de hoje, temos cerca de 33 milhões de brasileiros e brasileiras que não têm acesso à rede de água potável. Essas pessoas vivem nos bolsões de pobreza, nas favelas, nas áreas periurbanas e na zona rural. Essas áreas são deficitárias do ponto de vista econômico-financeiro e, sendo assim, a iniciativa privada não vai colocar recursos para atender a essa população. Porque a iniciativa privada só visa o lucro. Se essas áreas não são rentáveis, eles não vão viabilizar recursos. Agora, imaginem esse cenário em uma crise sanitária global do Coronavirus em que a água é um dos fatores de contenção de transmissão. Os mais pobres, mais uma vez, serão os mais prejudicados”, alertou Clovis.
O subsídio cruzado permite ao ente público gerar recursos nos municípios rentáveis e reaplicar esse superávit nos municípios deficitários. “Como saneamento e água são serviços essenciais para a vida humana, é importante que eles estejam nas mãos de empresas públicas, porque isso permite que esse subsídio cruzado seja efetuado em toda a sua amplitude. Esse projeto precisa ser derrubado porque não atende às necessidades do povo brasileiro. Na realidade, nós temos uma lei aprovada e sancionada que é a Lei Nº 11.445, de 2007, que estabelece diretrizes para o saneamento básico e que do ponto de vista histórico é uma lei novíssima. Temos o Plano Nacional do Saneamento Básico (Plansab), que é de 2013. O que realmente precisamos é dar celeridade à implementação do Plansab, que define as diretrizes para atingir a universalização dos serviços de água e de esgotamento sanitário no Brasil”, explicou o engenheiro.
Diante deste cenário de votação do PL 4.162, as entidades sindicais, organizações e movimentos sociais enviaram aos senadores um documento pedindo a rejeição do Projeto de Lei. Assim a nota mais de 40 entidades.
Confira a íntegra:
Senhor Senador,
Vivemos hoje um grave momento no Brasil e no mundo, em face da pandemia da COVID 19, que já infectou mais de hum milhão de brasileiros e enlutou mais de cinquenta mil famílias, com as quais nos solidarizamos.
Nesse cenário desolador vimos solicitar o sobrestamento da votação do PL 4162. Não podemos pautar a privatização de um bem essencial à vida como a água, que tem atuação direta no combate a esse vírus na higienização das mãos, sem ampla discussão no Senado Federal com a participação da sociedade civil organizada, por meio de audiências públicas, onde esse tema possa ser debatido e aprofundado, em ambiente de normalidade da vida cotidiana brasileira.
Encarecemos, assim, a conveniência da retirada de pauta do PL 4162, remetendo a discussão da privatização da água ao pós-pandemia.
Assinam a nota:
ABES – Associação Brasileira de Engenharia Sanitária Ambiental
ANE – Academia Nacional de Engenharia
ASSEMAE – Associação Nacional dos Serviços Municipais de Saneamento
Clube de Engenharia
Clube de Engenharia de Alagoas
Clube de Engenharia da Paraíba
Clube de Engenharia de Pernambuco
CREA-RJ
FNA – Federação Nacional dos Arquitetos
FISENGE – Federação Interestadual de Sindicatos de Engenheiros
FNE – Federação Nacional de Engenheiros
FNU – Federação Nacional dos Urbanitários
ONDAS – Observatório Nacional de Direitos à Água e ao Saneamento
SEAERJ – Sociedade dos Engenheiros e Arquitetos do Estado do Rio de Janeiro
Sindicato dos Engenheiros do Acre
Sindicato dos Engenheiros de Alagoas
Sindicato dos Engenheiros do Amapá
Sindicato dos Engenheiros do Amazonas
Sindicato dos Engenheiros da Bahia
Sindicato dos Engenheiros do Ceará
Sindicato dos Engenheiros do Distrito Federal
Sindicato dos Engenheiros no Estado do Espírito Santo
Sindicato dos Engenheiros de Goiás
Sindicato dos Engenheiros do Maranhão
Sindicato dos Engenheiros de Mato Grosso
Sindicato dos Engenheiros de Mato Grosso do Sul
Sindicato dos Engenheiros no Estado de Minas Gerais
Sindicato dos Engenheirosno Estado da Paraíba
Sindicato dos Engenheiros no Estado do Paraná
Sindicato dos Engenheiros no Estado de Pernambuco
Sindicato dos Engenheiros do Rio Grande do Norte
Sindicato dos Engenheiros Agrônomos do Estado do Rio Grande do Norte
Sindicato dos Engenheiros do Rio Grande do Sul
Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio de Janeiro
Sindicato dos Engenheiros no Estado de Rondônia
Sindicato dos Engenheiros de Roraima
Sindicato dos Engenheiros de Santa Catarina
Sindicato dos Engenheiros Agrônomos de Santa Catarina
Sindicato dos Engenheiros de Sergipe
Sindicato dos Engenheiros de Tocantins
Sindicato dos Engenheiros de Volta Redonda
SINTSAMA-RJ – Sindicato dos Trabalhadores nas Empresas de Saneamento e Meio Ambiente do Rio de Janeiro e Região
SINDAGUA-RJ – Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Purificação e Distribuição de Água e em Serviços de Esgotos de Niterói
STAECNON-RJ – Sindicato dos Trabalhadores em Saneamento do Norte e Noroeste do Estado do Rio de Janeiro
Foto: Agência Brasil