Enquanto a Europa se esforça para diminuir o uso do diesel, o mais poluente dos combustíveis, um projeto que libera a fabricação e a venda de veículos leves com motores a diesel no Brasil tramita na Câmara dos Deputados e pode ser aprovado nesta semana. Os defensores da medida louvam os custos mais baixos do produto, mas especialistas em poluição e até entidades automotivas consideram o texto “um atentado aos interesses da sociedade”. A definição foi usada em um manifesto contra o projeto de lei 1013/2011, elaborado pelo Observatório do Clima e assinado por 56 especialistas reconhecidos, inclusive cinco ex-ministros do Meio Ambiente, cientistas, médicos e empresários. Um dos signatários é José Eli da Veiga, professor de Economia da USP e pesquisador de Núcleo de Economia Socioambiental (NESA) da universidade. Ele lembra que o diesel usado no Brasil é importado e de péssima qualidade. “O diesel do Brasil é horroroso. O usado na Europa já é muito poluente, mas o do Brasil é muito pior. O teor de enxofre dele é um absurdo, e o tipo mais usado chega a ser proibido nas regiões metropolitanas, por ser 50 vezes mais poluente”, afirma.
O diesel é mais econômico e, por consumir menor, emite menos CO2 do que a gasolina. No entanto, a sua combustão despeja bem mais partículas finas e óxidos de azoto na atmosfera, dois poluentes altamente nocivos.
“Esses dois poluentes são muito críticos para a saúde humana e para o meio ambiente. As micropartículas são um dos principais poluentes cancerígenos”, explica o pesquisador da Universidade Nova de Lisboa Francisco Ferreira, presidente da organização Zero, de combate à poluição. “Já o dióxido do azoto interfere no nosso sistema imunitário, é uma das causas das chamadas chuvas acidas e é precursor de um outro poluente complicado, o ozônio.”
Escândalo da Volkswagen diminuiu a tolerância ao diesel na Europa
Na Europa, o desafio é se livrar do diesel, sobretudo depois do escândalo das fraudes nos filtros de poluição dos carros da Volkswagen, que inibiam os valores reais de emissões de poluentes gerados pelo motor. A denúncia mostrou que, por mais que a tecnologia dos filtros avance, não há garantias de que eles serão usados pelas montadoras da maneira mais adequada. Além disso, até o momento, nenhuma solução eficiente foi encontrada para filtrar os óxidos de azoto. Hoje em dia, países como França e Portugal ainda têm uma forte dependência deste combustível: mais de dois terços dos veículos rodam a diesel, resultado de uma política que data dos anos 1960 e agora pena para ser revertida, apesar dos alertas de cientistas. O governo francês deu passo importante no ano passado: definiu o ano de 2020 como o prazo limite para o país acabar com os incentivos fiscais para o diesel, e, assim, equilibrar os preços com os da gasolina.
Ferreira considera “muito difícil” a Europa abolir totalmente o diesel para veículos pesados, mas tem esperanças quanto aos carros de passeio. “Nós devemos desestimular, e não incentivar um combustível que é tão poluidor e que causa tantos problemas. Vai ser muito complicado acabar com o diesel – e o ideal seria acabarmos com o diesel e a gasolina, pelo menos para veículos leves. Isso seria possível com a mobilidade elétrica”, indica. “Os carros elétricos estão ficando cada vez mais baratos e oferecem cada vez mais autonomia”, observa o pesquisador português.
Noruega é o melhor exemplo na UE
O país mais avançado na questão é a Noruega, que realiza investimentos pesados na expansão dos carros elétricos, à base de redução de impostos e gratuidade de pedágios e estacionamentos, além da expansão dos postos de abastecimento. O governo analisa proibir a circulação dos motores a gasolina ou a diesel até 2025. O objetivo é ambicioso: transformar toda a frota de transportes em 100% elétrica. No ano passado, um terço dos carros vendidos no país eram alimentados pela eletricidade.
A Holanda segue por um caminho semelhante e determinou que, a partir de 2025, apenas veículos elétricos poderão ser vendidos no país. Na França, a rede de veículos de aluguel Autolib, semelhante à de aluguel de bicicletas, é toda elétrica. O governo oferece um bônus de até 10 mil euros para quem trocar o seu carro a diesel com menos de 10 anos por um modelo elétrico.
Brasil se afastou até do etanol
O Brasil, por sua vez, está muito longe de objetivos como esses. A frota de elétricos é mínima no país, que ainda regrediu no uso de outro combustível mais limpo, o etanol. “O Brasil tem muito mais vantagens do que outros países, para ir na direção de energias limpas, mas não aproveita. O governo da Dilma desmontou o setor do etanol, em grande parte porque teve aquela miragem do pré-sal, que deu início a uma reviravolta pró-energias fósseis”, lamenta Veiga. “Foi um horror, porque o setor do etanol estava mais ou menos se virando e se expandindo, e entrou numa derrocada total.” O professor da USP afirma que uma medida simples, o aumento da alíquota da Cide – taxa que incide sobre os combustíveis não-renováveis – reanimaria o setor do etanol. No entanto, as chances de isso ocorrer são pequenas, em meio ao contexto politico conturbado e pouco favorável à elevação dos impostos.
Por Lúcia Müzell
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil