Ex-presidentes do IBGE criticam desmonte do Censo 2020 por governo

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Eles assinaram uma carta pública denunciando improvisação técnica na preparação do estudo e a destituição da inteligência da sociedade

FOTO: REPRODUÇÃO/TVT
 
Cidades menores serão as mais impactadas pelos cortes, já que o Censo é a única pesquisa que vai a cada um dos domicílios brasileiros
 

 As mudanças no Censo Demográfico 2020, anunciadas pelo governo Bolsonaro, foram alvos de críticas por parte de cinco ex-presidentes do IBGE – Eurico Borba, Eduardo Nunes, Wasmália Bivar, Paulo Rabello de Castro e Roberto Olinto. Eles assinaram carta pública denunciando “improvisação técnica” na preparação do estudo e realizaram evento na últma segunda-feira (15), no Rio de Janeiro, para debater o tema.

A iniciativa faz parte da campanha Todos Pelo Censo, organizada por funcionários do IBGE. O questionário básico, aplicado a 90% dos cerca de 71 milhões de domicílios brasileiros, ficou com 26 questões, oito a menos do que em 2010. Já o questionário completo, aplicado aos 10% restantes, foi reduzido de 112 para 76 perguntas.

“A direção do IBGE diz que serão visitadas cerca de 71 milhões de domicílios. Há 10 anos, já era 67 milhões de casas. Quem está fazendo essa conta não vai percorrer o território inteiro. Ao menos 10 milhões de domicílios não serão contados. A sociedade brasileira não pode abrir mão de se conhecer. Quem não conhece seu presente, desconhecerá seu futuro”, criticou Eduardo Nunes, ex-presidente da entidade.

Presidente do IBGE entre junho de 2017 e abril de 2018, durante o governo Michel Temer (MDB), Paulo Rabello atacou o atual governo pela iniciativa. Ele afirmou que o governo é totalitário e destitui a inteligência da sociedade brasileira. “Por que não fechar o IBGE? Sejamos homens e corajosos, já que dizem ser um governo de homens”, disse.

Para eles, as cidades menores serão as mais impactadas pelos cortes, já que o Censo é a única pesquisa que vai a cada um dos domicílios brasileiros. “Estamos com um governo ideologista e fundamentalista destituindo a inteligência brasileira. Depois, não queiram os prefeitos saber a população da sua cidade, nem urbanistas planejarem suas cidades, pois teremos apagado a luz”, acrescentou Rabello.

Leia a carta dos ex-presidentes

Aos brasileiros e brasileiras 

Esta carta é endereçada a cada pessoa entre nossos 209 milhões de habitantes. Ela versa, por assim dizer, sobre o “álbum de fotografias” da família brasileira. Que álbum é esse? O Censo da população brasileira, ou seja, a fotografia atualizada do Brasil e dos brasileiros, a ser realizada em agosto de 2020. Já estamos em cima da hora para o próximo censo demográfico e sua realização impecável é de fundamental importância para todos nós e para nosso futuro. A foto que ele revelará nos mostrará os brasileiros e a família brasileira de corpo inteiro, com inúmeros aspectos fundamentais para todo agente transformador e inovador da sociedade brasileira.

Quem assina esta mensagem são presidentes do IBGE em vários períodos distintos da história grandiosa desse instituto de estatística e geociências. Nossas experiências variadas e importantes à frente do IBGE nos credenciam para expressar extrema preocupação com os rumos que tomaram as recentes posições do Governo Federal e da direção atual do IBGE frente ao desafio de se preparar e realizar uma operação que mobiliza cerca de 200 mil recenseadores sobre o imenso território do País. A eles cabe o importante papel entrevistar cada família brasileira para, em seguida, organizar, processar e disponibilizar o gigantesco arquivo de informações do Censo. O desafio de coordenação e execução do Censo 2020 é enorme. Todos devem estar alinhados com este grande objetivo e remar juntos, na mesma direção.

Tudo na vida depende de atitude. Desde pequenas ações até grandes missões dependem, em última linha, da atitude de quem as promove. O sucesso decorre, sobretudo, de atitude positiva. Uma postura negativa enseja dúvida e dela sobrevém, em geral, o fracasso. E reconheçamos: a atitude do atual governo, secundada por seu ministro da Economia e não refreada pela atual presidente do IBGE, tem sido de dúvida e de negação à capacidade de concepção e realização do Censo 2020 por este que é um dos órgãos de mais irretocável reputação e confiabilidade do Estado brasileiro.

Como produto do Estado brasileiro, e instrumento indispensável para a sua ação em inúmeras áreas essenciais para a vida do povo brasileiro, é necessário que o governo assuma que a realização do censo, com relevância e qualidade, é prioridade e que reconheça, finalmente, que o IBGE detém capacidade técnica e tenha a atitude de garantir o suporte financeiro para sua execução no próximo ano. A atitude de todos os envolvidos deve ser positiva e motivadora. Assim se comanda uma equipe, um órgão de Estado, e assim se deve comandar um país. Com atitude.

Não há – nem pode haver – qualquer tipo de improvisação como, infelizmente, se tem presenciado na orientação para a execução do censo. Há poucos dias, por exemplo, foi passado um cheque especial do Congresso para o Ministério da Economia. O cheque é de “apenas” R$ 248 bilhões. Várias liberações de gastos relevantes foram acordadas com o Executivo. Por que não foi incluída aí, desde logo, a verba para a aceleração dos trabalhos preliminares ao censo? Um décimo de 1% dos R$ 248 bilhões – ou seja, R$ 248 milhões – já seriam mais do que suficientes para garantir o empurrão que o IBGE precisa neste momento para começar a selecionar, contratar e treinar seus recenseadores; adquirir os tablets com os quais as entrevistas nas residências do Brasil inteiro serão feitas; e definir os meios de deslocamento do pessoal. Isso seria atitude. Ainda há tempo de mudar e melhorar!

O próximo censo pode se realizar de modo econômico e eficiente. Mas eficiência não rima com improvisação técnica. Quem sabe o que entra e o que deve ficar nos questionários do censo é o pessoal do IBGE. Os servidores do órgão são pagos e treinados para isso. Por causa disso, esses ibegeanos são considerados entre os mais capacitados e bem preparados do mundo.

O conteúdo do censo deve expressar as necessidades da sociedade. Os funcionários do IBGE trabalham cotidianamente em contato com os diversos interessados nas mais diferentes áreas para atender essas demandas. Eles conhecem aquilo que é prioritário, pois além das consultas específicas do censo passam suas vidas profissionais em contato com os acadêmicos, formuladores de política, organizações da sociedade civil, órgãos governamentais etc. ligados às suas áreas de atuação.  Tudo isso é parte integrante de seu trabalho, assim como acompanhar e participar das reflexões, evoluções e inovações internacionais

Por isso, o IBGE é referência mundial em matéria de boa realização técnica de pesquisas de muito grande porte. O IBGE nunca brincou em serviço. Fere o zelo e a autoestima de todos os servidores ver seu trabalho posto em questão sem qualquer base científica para tal. Mais uma vez, deve prevalecer uma mudança de postura e atitude por parte das autoridades se não quiserem ver aprofundar mais ainda a evasão dos quadros mais experientes do IBGE que, por já terem adquirido direito a suas aposentadorias, vêm deixando suas posições no instituto. Não existe vitória em uma guerra sem generais experientes e soldados muito motivados. E o censo, por natureza, exige a mobilização do bom combate em busca das informações de que o Brasil tanto precisa.

Finalizamos esta mensagem com um pedido de mobilização, não só de pessoas que esperam os dados do censo brasileiro para atualizar suas pesquisas em todas as universidades do Brasil e do mundo. Começamos por lembrar dos prefeitos, vereadores e deputados. Todos esses políticos vêm ao IBGE pedir a atualização dos dados da população dos seus municípios. Com essas informações essenciais é que se realiza a repartição de impostos no Brasil. E o último dado está mais do que velho, data de 2010. Onde estão as associações e federações de municípios que ainda não exigiram do governo apoio irrestrito ao Censo 2020? E onde estão os senhores deputados e deputadas? E os senadores e senadoras? Com que dados sobre o Brasil os parlamentares legislam?

E as secretarias de educação, de segurança pública, de saúde e de transporte, de habitação, de Estados e municípios, com que dados planejarão suas ações sem o censo? E para não ir mais longe, como os planejadores de vendas de todas as empresas brasileiras farão seus negócios Brasil afora, sem dados da população e de suas condições econômicas e sociais? Tudo isso, e muito mais, depende do censo

Não realizar de modo correto e profissional o próximo censo é mais do que desafiar o bom senso: é provocar o castigo que vem com o triunfo da ignorância

O Brasil inteligente e organizado, o Brasil democrático e livre, pode e deve reagir.

Ainda há tempo para virar esse jogo.

Rio de janeiro, 15 de julho de 2019.

 

Fonte: RBA