A Reforma Trabalhista, aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo presidente Michel Temer, entrou em vigor em novembro e traz muitas mudanças na relação entre patrões e empregados. Para os engenheiros, uma das principais modificações diz respeito ao Salário Mínimo Profissional (SMP), que pode ter o seu valor reduzido em processo de negociação entre o sindicato em empresas com mais de 200 engenheiros ou negociação direta entre o empregador e empregado nas empresas com menos de 200 funcionários. Acompanhe a seguir a entrevista concedida pelo vice-presidente da Fisenge e presidente do Sindicato dos Engenheiros da Bahia (Senge-BA), Ubiratan Félix, na qual ele aborda esse e outros assuntos relativos à reforma.
CREA-BA – De que forma a Reforma Trabalhista vai afetar o Salário Mínimo Profissional dos engenheiros?
UBIRATAN – O texto da reforma diz que o negociado prevalece sobre o legislado. No caso da Engenharia, isso é muito grave, pois o trabalhador pode ser prejudicado. Para melhor entendimento, é preciso explicar que existe o Sindicato dos Engenheiros da Bahia (Senge) e os sindicatos majoritários. Na Construção Civil, por exemplo, o sindicato dos trabalhadores (majoritário) pode fechar um acordo com o Sinduscon (Sindicato da Indústria da Construção do Estado da Bahia) para flexibilizar o Salário Mínimo Profissional para os engenheiros à revelia do Senge (sindicato da categoria). Caso isto ocorra, haverá uma judicialização para estabelecer quem representa legalmente o engenheiro trabalhador da Construção Civil. É importante lembrar que um dos argumentos utilizados pelos defensores desta Reforma Trabalhista é a diminuição das demandas judiciais.
CREA – O acordo fechado com um sindicato majoritário vai valer para todos os profissionais?
UBIRATAN – Hoje a Justiça entende que um acordo vale para toda a categoria, independentemente de o profissional ser ou não filiado à entidade sindical signatária do acordo coletivo. A partir da Reforma Trabalhista os ganhos com acordos coletivos e com as ações judiciais beneficiarão apenas os filiados em situação regular com a entidade sindical. Logo, se o engenheiro não é filiado ao Senge-BA, não terá acesso aos ganhos do acordo coletivo e das ações judiciais.
CREA – Então será vantagem se filiar ao sindicato? O valor pago é diferente?
UBIRATAN – Sim, caso você não seja filiado, estará excluído dos aumentos e benefícios conquistados pelo Senge-BA. Atualmente, a contribuição social é de R$ 250 por ano, sendo que o associado que paga a contribuição integral até 31 de março tem 25% de desconto, o que equivale ao pagamento final de R$ 200.
CREA – Como você acredita que será a negociação de agora em diante?
UBIRATAN – O acordo entre patrão e empregados tem validade de um ano. Atualmente temos o SMP e a possibilidade de negociar melhorias a partir disso. Agora não temos mais esse parâmetro, tudo poderá ser negociado, o que vai beneficiar as categorias mais fortes e organizadas. As mais fracas poderão receber abaixo do que é pago hoje. Os trabalhadores da Construção Civil, por exemplo, devem conseguir mais avanços do que os engenheiros, que geralmente não são muito mobilizados, pois têm cargo de chefia. O acordo terá que ser negociado todo ano. Para o empresário também será um problema, porque hoje existe uma regra perene que só precisa de alguns ajustes pontuais. Agora não: todo ano terá que haver uma negociação geral. Entendo que a negociação individual é legítima, para questões acessórias e complementares como participação nos lucros, auxílio para combustível, entre outros benefícios. Mas a legislação prevê um mínimo necessário para que o engenheiro ganhe de forma decente. Isso não estará mais garantido. O negociado vai se sobrepor ao legislado.
CREA – Então categorias mais organizadas, como os bancários, serão beneficiadas?
UBIRATAN – Sim. Vou dar o exemplo da Caixa Econômica Federal (CEF), que tem cerca de 2 mil engenheiros no Brasil. São eles que fazem a avaliação das obras do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) e do Programa Minha Casa Minha Vida. O acordo fechado pelos bancários hoje beneficia os engenheiros, que recebem o mínimo garantido pela categoria e um adicional em itens específicos negociados pelo Senge. Com a nova legislação, o perigo é que em uma negociação o engenheiro saia prejudicado, pois no acordo com os bancários pode haver a flexibilização do SMP, por exemplo, de modo que o banco dê outras vantagens para toda a categoria. Como o engenheiro é minoria na CEF, ele pode ter perdas salariais.
CREA – Essa lei será ruim apenas para o engenheiro?
UBIRATAN – Vai ser ruim para o setor de uma maneira geral, afetando tanto o engenheiro de carteira assinada quanto o empresário. Quem constrói imóveis, por exemplo, deve sofrer os efeitos dessa nova lei. A classe média não terá segurança nem estabilidade salarial e vai pensar duas vezes antes de comprar uma casa ou apartamento, o que é diferente de adquirir um bem de consumo como uma roupa. A princípio o empresário da Construção Civil vai ganhar por reduzir o custo da mão de obra, mas vai perder com a redução da renda do trabalhador e com a queda nas vendas por conta da incerteza dos compradores. A nova lei terá impacto também no engenheiro da Construção Civil, que depende da demanda para garantir o seu emprego.
CREA – Existe alguma situação em que seja obrigatória a participação do sindicato?
UBIRATAN – A empresa só é obrigada a chamar o sindicato se tiver mais de 200 empregados. Como geralmente nós engenheiros somos minoria em relação ao conjunto de trabalhadores, a negociação será individual. Hoje, o funcionário que ganha abaixo do SMP ao sair da empresa entra na Justiça e consegue êxito. A nova lei prevê que ele possa assinar uma quitação anual concordando em receber abaixo do mínimo profissional e terá validade na Justiça. Isso deve gerar polêmica. A empresa não precisa comprovar que pagou, mas vai ter um documento assinado pelo empregado de que ele recebeu tudo. Nada impede, portanto, que ele diga que foi coagido a assinar o documento e acione a empresa judicialmente.
CREA – O sindicato passa então a ser descartável?
UBIRATAN – Acho que não, como quase tudo pode ser negociado, o trabalhador vai precisar se organizar por meio de seu sindicato. As categorias diferenciadas como os engenheiros, que são pulverizados em diversas empresas, serão induzidas a realizar negociações individuais que, com nível de desemprego existente no Brasil, poderá ter como consequência que este profissional seja o mais prejudicado na perda de direitos e benefícios. Recentemente ganhamos na Justiça duas ações coletivas, uma da Cerb (Companhia de Engenharia Ambiental e Recursos Hídricos da Bahia) e outra da Embasa. Quem entrou com a ação foi o sindicato, ninguém precisou se identificar. Mesmo na área pública, os engenheiros não querem se expor, temendo sofrer perseguição. Nesse sentido, a entidade serve como escudo para proteger os trabalhadores.
CREA – Como ficarão as ações trabalhistas?
UBIRATAN – O engenheiro vai ter que se filiar ao sindicato para ter direito aos acordos coletivos, mas pode ocorrer de o empregador induzir o profissional a não se filiar à entidade sindical, realizando negociações individuais. Hoje o sindicato entra com ações na Justiça do Trabalho sem custas processuais e caso o trabalhador não consiga comprovar a sua tese, ele apenas não tem a sua demanda acolhida. A partir da nova lei, caso ele não consiga comprovar a sua tese, o empregador pode entrar com uma ação de litigância de má fé, além de cobrar as custas processuais para aqueles trabalhadores que recebem acima de 2 mil e quinhentos reais, que é o caso dos engenheiros e da maioria dos profissionais vinculados do sistema Confea/Crea.
CREA – Qual o cenário que você enxerga para o futuro?
UBIRATAN – A judicialização vai continuar existindo, assim como a luta de classes, que não foi extinta. Vou dar um exemplo para melhor entendimento. Eu estagiava na Construção Civil há 27 anos e um dia alguém disse que o feijão estava ruim. Os trabalhadores então, em protesto, pararam a obra e destruíram todos os equipamentos, agrediram engenheiros e o pessoal do setor administrativo e saíram em passeata pela cidade, conclamando os outros trabalhadores do setor a aderirem ao protesto. Ou seja, não foi o feijão, mas a situação de penúria que eles enfrentavam. A comida era realmente ruim, as instalações precárias e não havia nem bebedouro, bebia-se água no capacete. Hoje a realidade é bem diferente nos canteiros, muito por conta dos sindicatos e da fiscalização do Ministério Público do Trabalho. Nesse sentido, a entidade sindical canaliza as insatisfações dos trabalhadores para a mesa de negociação. É bom lembrar que no século 19 os operários quebraram as máquinas em protesto contra o Capital. Acho que fragilizar o sindicato não quer dizer que não vai haver luta, talvez mais desorganizada e até mais acirrada. Nos bairros pobres, por exemplo, quando não existe uma interlocução com o poder público, os moradores insatisfeitos queimam pneus, fecham a rua e protestam. Ou seja, é uma reação intempestiva de quem não tem um canal de negociação. No caso das empresas é a mesma coisa. Hoje, com o sindicato, existe uma pactuação, uma relação civilizada, que atenua a luta de classes e garante um acordo civilizado.
Fonte: Crea-BA
Foto: Ana Paula Bispo