Por Jose Sergio Gabrielli de Azevedo*
A Petrobras obteve o direito de continuar produzindo em Búzios e Itapu, além dos barris adquiridos no contrato de cessão onerosa, muito além dos cinco bilhões incialmente contratados e sem os limites quantitativos da primeira contratação.
Sua curva de produção – agora como os barris remanescentes da primeira contratação – será definida sem necessidade de complexas negociações para a unitização com eventuais outros participantes, com exceção dos 10% que os chineses adquiriram nos barris adicionais em Búzios.
Não são recursos potencialmente transformados em reservas. São reservas que se adicionam àquelas já identificadas, neste momento, se constituindo como principal fonte da nova produção da petroleira brasileira.
Por que as empresas internacionais – especialmente as americanas e europeias – fugiram do leilão? Inicialmente, porque foi mantida a exigência da operação por parte da Petrobras, que anunciou a disposição de exercer este direito. Uma primeira lição: ser operador é importante. É por isso que as empresas privadas internacionais querem tirar este poder da Petrobras.
Segundo, a questão de segurança energética é uma matéria de segurança nacional, definindo a politica externa das grandes potências, mas os EUA e a Europa atuam, em tempos “considerados normais”, principalmente com sua força militar e diplomática, uma vez que suas empresas, predominantemente privadas, tomam suas decisões com razões microeconômicas. A China, no entanto, atua geopoliticamente, utilizando tanto seus instrumentos militares e diplomáticos, como também suas empresas estatais, incluindo seu sistema financeiro, de acordo com seus interesses estratégicos. Segunda lição: a geopolítica continua fundamental no mundo do petróleo, que não é uma mercadoria igual às outras.
A terceira questão refere-se ao modelo adotado pelo governo para realizar o atual leilão, com bônus de entrada elevado, principalmente motivado por uma visão fiscalista de curto prazo, buscando arrecadar o máximo de recursos já, ainda que perdendo o controle e a participação nos ganhos futuros, roubando das próximas gerações a utilização desta imensa riqueza do pré-sal brasileiro que, segundo a Petrobras, no seu último relatório trimestral, tem um custo de extração próximo a cinco dólares o barril, dos mais baixos do mundo.
Mesmo que os ganhos futuros sejam elevados – e tudo indica que o são – o mercado financeiro tem pressionado as grandes empresas petrolíferas privadas a uma politica de aumento de dividendos, recompra de ações e redução dos seus investimentos, trocando os potenciais ganhos de aumento de longo prazo do valor das companhias por movimentos de caixa de curto prazo. As pressões microeconômicas de curto prazo do sistema financeiro levaram as empresas privadas internacionais a se retirarem, dado o tamanho do desembolso de curto prazo, em claro conflito com os interesses dos acionistas com visão míope, pressionando pelo desembolso de caixa de volta para eles e não para o aumento do capital da empresa produtora. Por outro lado, algumas delas já realizaram ajustes recentes de seu portfólio exploratório, reduzindo a atratividade do Brasil. A Exxon está entusiasmada com suas descobertas na Guiana e a Equinor já está com grandes áreas no Brasil. Os chineses, no entanto, precisam consolidar seu papel estratégico de longo prazo na sua relação com a Petrobras. O volume exigido pelo governo para o bônus inibia os investimentos, com um desembolso de entrada muito elevado, sem a garantia do controle futuro, uma vez que a operadora continuaria a ser a petroleira brasileira.
E para os acionistas da Petrobras, que poderia acontecer?
Os ditos “analistas” do mercado financeiro vão chamar a atenção para a interrupção da trajetória descendente das taxas de alavancagem, que vinha caracterizando a gestão financeira curtoprazista das últimas direções da Petrobras. A ilusão de que uma empresa estatal, particularmente no setor de petróleo, pode se comportar de forma igual às empresas inteiramente privadas cai por terra. Esta é a terceira lição do leilão.
Como as privadas internacionais não vieram, o peso das necessidades fiscais do Governo recai fortemente sobre o caixa da Petrobras, que suportará praticamente sozinha o custo do ajuste fiscal de curto prazo, incluindo o financiamento das transferências para estados e municípios. A quarta lição é: existem inúmeras formas de relacionamento de uma estatal com o governo, seu acionista majoritário. Outra alternativa seria a contratação direta da Petrobras em áreas estratégicas, de acordo com a legislação aprovada em 2010, com o objetivo de desenvolver um ritmo de produção que interessasse principalmente ao Brasil, e não às empresas internacionais; além de garantir esta riqueza – com a maximização da participação governamental no lucro-óleo e não a busca desesperada de fechar o caixa do governo no final deste ano – com uma riqueza que vai gerar receitas por dezenas de anos.
Haverá um ajuste de contas, pouco transparente, entre o governo e a Petrobras, para diminuir o desembolso de caixa no pagamento do bônus de entrada, mas consumindo os enormes ganhos que poderiam advir para a companha das negociações estabelecidas no contrato de cessão onerosa de 2010. Em vez de financiar novos investimentos para desenvolver as reservas do pré-sal, o ajuste contábil entre o governo e a Petrobras extinguirá esta possibilidade em nome de ajustes imediatos. Quinta lição: como ficam os investidores privados da Petrobras se tirarem o véu ideológico do apoio ao atual governo?
Como vão se comportar os preços das ações da Petrobras nas Bolsas de Valores? De um lado, é indubitável que, com esta aquisição, a base de reservas de petróleo e gás nos registros da Petrobras crescem significativamente, ampliando de forma absoluta o seu potencial de valorização. Por outro lado, o stress financeiro de curto prazo sobre o caixa, em decorrência dos elevados bônus que precisam ser pagos, poderá provocar uma pressão baixista sobre o valor destas ações. O que prevalecerá é uma incógnita. Vencerão aqueles que querem dividendos e valorização imediata das ações ou aqueles que alocam seus recursos em uma empresa com enorme potencial de crescimento futuro?
Voltando ao governo. Se as empresas internacionais aceitassem a oferta do governo, nas condições oferecidas, este dilema dos acionistas da Petrobras não existiria. No entanto, a sociedade brasileira perderia a oportunidade de gerir a sua principal riqueza de subsolo neste momento, trocando os ganhos de curto prazo dos seus problemas fiscais, e abrindo mão do gigantesco fluxo de rendimentos futuros que ficaria sob o controle das empresas internacionais.
Sexta lição: o petróleo é um produto que produz enormes rendas petroleiras para as gerações futuras e não se pode brincar com esta realidade. O mercado privado torra esta riqueza, que só se manterá no longo prazo por decisão deliberada do Estado.
*Jose Sergio Gabrielli de Azevedo foi presidente da Petrobras
Foto: Waldemir Barreto/Agência Senado