“É preciso atentar para a boa prática da engenharia”, Joel Krüger

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Foto de divulgação Confea

Por maioria dos votos, o engenheiro civil Joel Krüger foi eleito, em dezembro de 2017, como presidente do Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (Confea). Nascido em Curitiba, Joel é graduado em Engenharia Civil pela Universidade Federal do Paraná (1985). Alguns anos antes, havia concluído o curso de Técnico em Edificações pela Escola Técnica Federal do Paraná. É especialista em Gestão Técnica do Meio Urbano pelo convênio Université de Technologie de Compiègne (França) e Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), pela qual também é Especialista em Didática no Ensino Superior e Mestre em Educação, além de professor licenciado do Curso de Engenharia Civil. Confira abaixo uma entrevista com Joel Krüger, concedida à revista da Fisenge.

 A engenharia vive hoje um de seus mais dramáticos momentos. Quais as possibilidades de uma recuperação frente a esse cenário?

 Acredito que o país precisa mudar sua forma de encarar os desafios que foram se acumulando e que não foram criados pela engenharia. Muito pelo contrário, a engenharia e a agronomia são as grandes responsáveis pela sustentação dos índices econômicos nacionais. Temos possibilidades de recuperação. Já há um pequeno crescimento do PIB, mas os indicadores ainda são muito tímidos, principalmente considerando o potencial da área tecnológica do país. Não podemos abrir mão do nosso capital tecnológico de empresas como Itaipu Binacional, Eletrobras e Petrobras. Neste sentido, o plenário do Confea já se manifestou em prol da manutenção da soberania do setor elétrico brasileiro, manifestando-se contrário à privatização da Eletrobras. Por isso, para recuperarmos a engenharia nacional, é necessário que o governo invista com ousadia em programas de fomento e incentivo para que possamos retomar nosso desenvolvimento.

Quais deveriam ser os princípios de um modelo de governança comprometido com a engenharia e a soberania nacional?

Entre outros, acredito que a proteção ao emprego e ao capital tecnológico; defesa do conteúdo local; investimentos permanentes, planejados e programados na infraestrutura e em áreas emergenciais, como a manutenção predial pública, salvaguardado por legislações nacionais, que garantam uma política de Estado ao setor; defesa da engenharia pública; reconhecimento da engenharia como carreira de Estado; criação da Engenharia Geral da União; garantia do salário mínimo profissional; participação da Engenharia na elaboração de currículos e no processo de liberação de novos cursos e suas respectivas modalidades.

Uma de suas propostas em seu programa é uma “campanha nacional em prol da modernização da Lei de Licitações”. Como seria?

Já temos atuado ativamente nesse sentido, participando ativamente da discussão na Câmara dos Deputados sobre a revisão da Lei nº 8.666/1993. Não concordamos, por exemplo, com o Regime Diferenciado de Contratações – RDC, modelo de contratações integradas, implementado pela Lei 12.462/2011. A princípio, seria usado apenas para agilizar, compensar os atrasos e atender aos prazos de entrega das obras para a Copa do Mundo, em 2014, e para as Olimpíadas, em 2016. Porém, a excepcionalidade se generalizou. Então é preciso atentar para a boa prática da engenharia, fundamentada nas etapas de planejamento, projeto, execução e manutenção das obras. O modelo é preocupante pois compromete o padrão de qualidade das obras. Muitas obras iniciadas neste modelo estão inacabadas ou já apresentando problemas gerados por uma construção apressada. Outros pontos fundamentais para a renovação da lei: o licenciamento ambiental prévio ao edital; o disciplinamento regular, passível de reajustes; a contratação por técnica e preço; e ainda a identificação clara do responsável técnico pelo orçamento. Interromper o uso da modalidade pregão nas contratações das obras e serviços de Engenharia é outro passo essencial. Afinal, o artigo 5º da Constituição diz que é livre o exercício de qualquer trabalho, salvo as profissões regulamentadas por lei, que seriam os serviços especializados para garantir a saúde, a vida, a segurança. Ou é serviço de engenharia ou é serviço comum.

Acompanhamos dois desabamentos de obras, um em Brasília e outro no Rio de Janeiro. Como é possível evitar tais fatos?

 O que se constata é que as práticas mais elementares do uso da obra pública são postas em segundo plano. Não seria admissível que um Plano Diretor fosse aprovado sem que ele abrangesse um plano de manutenção predial que previsse as futuras obras e também as já construídas. Projetos básicos e projetos executivos também são elementos esquecidos da maioria das obras públicas. Falta uma regulamentação nacional que de forma contundente defina esses aspectos. Da nossa parte, procuraremos ampliar a fiscalização, promover a importância da prevenção e também lutar para o estabelecimento de novos marcos legais que cobrem a manutenção preventiva dos administradores.

Qual a importância da engenharia como carreira de Estado?

A formalização da carreira oferece uma maior segurança para toda a sociedade de que o país ganhará uma política de Estado em favor do seu crescimento, considerando que estes profissionais seguirão um processo contínuo de valorização e de planejamento, que não dependerá, em tese, das políticas de governo. É um primeiro passo em direção a essa política de fortalecimento do Estado nas áreas das Engenharia e Agronomia. Isso poderá garantir que os projetos básico e executivo das obras de engenharia se tornem rotineiros e que sejam conduzidos com a acuidade necessária às obras públicas, garantindo também sua manutenção preventiva de forma permanente. Para isso também seria fundamental que as obras e os serviços fossem licitados em modalidades mais compatíveis com as reais necessidades da nossa atividade.

Como será o diálogo e as pautas prioritárias do Confea no Congresso Nacional?

Já reestruturamos a nossa linha de ação no Congresso Nacional. É importante que todos conheçam os nossos pontos de vista e saibam a importância da engenharia brasileira. Por meio de uma assessoria parlamentar ativa, estamos nos posicionando frente a alguns aspectos que garantem a sustentabilidade da economia e o mercado de trabalho dos nossos profissionais, como o conteúdo local. Também trataremos de outras questões importantes para o Sistema, como a federalização do nosso plenário e todas as questões relacionada à  defesa de nossas profissões. Estamos participando ativamente da Frente Parlamentar Mista da Engenharia, Infraestrutura e Desenvolvimento Nacional e realizando ações de integração com os parlamentares, além de envolver a participação de outros Creas, Associações e Sindicatos ligados à área de engenharia e agronomia. Com a participação ativa do Confea no Congresso Nacional poderemos ampliar a valorização de nossas profissões.

Qual a sua opinião sobre o Ensino à Distância?

Vamos dialogar com o Conselho Nacional de Educação para ampliar nossa participação. Pretendemos ser mais ouvidos sobre a elaboração de currículos e a liberação dos cursos da área tecnológica. Quanto à modalidade à distância, sou contra a possibilidade de que qualquer curso da área tecnológica seja desenvolvido integralmente desta maneira. Outras considerações também podem ser importantes, de modo a garantir a qualidade da formação em relação não apenas à EAD.

Quais as suas propostas para ampliar a participação de mulheres no Sistema Confea/Creas?

Essa participação tem se mantido mais regular, tanto na presidência dos Creas como nas câmaras e em outras atividades importantes no dia a dia do Sistema. Em relação ao mercado de trabalho, a participação feminina ainda é restrita, hoje temos em torno de 15% de profissionais do sexo feminino registradas em nosso Sistema. Dos 27 presidentes de Creas, temos apenas quatro mulheres. Dos 36 conselheiros federais, apenas duas mulheres, ambas suplentes. Vamos trabalhar intensamente para ampliar essa participação.  

Quais os compromissos para o fortalecimento das entidades de classe?

As entidades de classe, estaduais, regionais e nacionais, estarão fortalecidas no Sistema Confea/Crea e Mútua, como uma de suas principais bases. Promovemos no Crea-PR uma ação pioneira de valorização das entidades regionais, que repercutiu na criação de outros Colégios de Entidades Regionais, que também participaram do Encontro de Líderes Representantes do Sistema, agora em fevereiro, junto às entidades precursoras, que também precisam ser fortalecidas. Vamos trabalhar na promoção de objetivos finalísticos comuns e que também possam potencializar a sustentabilidade financeira, mediante a adoção de ações com maior envolvimento destas lideranças.

Quais as propostas para ampliar o diálogo com jovens estudantes de engenharia?

Os estudantes precisam conhecer o Sistema Profissional e é nossa obrigação nos aproximarmos desse público. O país precisa de mais profissionais da área tecnológica e esse tipo de ação pode ajudar a reduzir os índices de evasão atuais. Assim, promover maior aproximação dos sistemas educacional e profissional é prestigiar os nossos estudantes enquanto futuros profissionais e, adequadamente, atender às necessidades da nossa sociedade, onde afinal todos nos inserimos.

Quais serão as políticas para profissionais estrangeiros?

Devemos ficar atentos para a entrada indiscriminada e sem reciprocidade de empresas e profissionais estrangeiros em nossas áreas de atuação. O mercado de trabalho precisa ser acessado em condições de igualdade pelos profissionais do país, em relação aos profissionais estrangeiros que desejem vir trabalhar no Brasil. Então, a palavra-chave é reciprocidade. Já dialogamos com o Ministério do Trabalho neste sentido. Só poderemos manter esse tipo de abertura, se recebermos também essa abertura por parte de outros países. Há uma exigência dos profissionais do país para que esse processo se dê de forma transparente e controlado, em áreas que não comprometam a nossa empregabilidade. Isso deve ocorrer de modo que não haja uma abertura indiscriminada e que também seja interessante para os nossos profissionais, seja para trocar experiências com profissionais aqui ou em outros países. Aproveito para agradecer a oportunidade de interlocução com os nossos profissionais e me solidarizo com a Fisenge na atuação em defesa da engenharia nacional, nas campanhas de valorização profissional, nas políticas públicas para o desenvolvimento social e na defesa da soberania nacional, sempre comprometidos com a construção de uma sociedade mais justa e igualitária.

Por: Camila Marins