ARTIGO: O que muda nos cursos de engenharia com as novas diretrizes curriculares

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Por Elaine Santana*

No dia 21/11, na sede do Clube de Engenharia do Rio de Janeiro, aconteceu uma audiência pública sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) para os cursos de Graduação em Engenharia. Promovida pelo Conselho Nacional de Educação (CNE), a audiência contou com o apoio de várias entidades, como a Abenge (Associação Brasileira de Educação em Engenharia) e o próprio Clube de Engenharia do Rio de Janeiro. A pauta foi sobre a proposta de mudança nas Diretrizes Curriculares dos cursos de engenharia, que foi alvo de consulta pública no meio deste ano e que levantou diversas controvérsias no meio acadêmico e profissional. Uma das reclamações mais recorrentes na audiência pública foi o pouco tempo dado para a análise e posicionamento das mais diversas esferas envolvidas no processo. O próprio Confea (Conselho Federal de Engenharia e Agronomia), em seu site, criticou que as sugestões encaminhadas por meio da Comissão de Educação e Atribuição Profissional (CEAP) e por um grupo de especialistas para a reformulação das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) da Engenharia tenham sido completamente ignoradas pelo CNE. O evento contou com a participação de profissionais da educação de diversos estados, bem como representantes de entidades de classe, que passaram um dia inteiro, expondo suas posições (a maior parte delas contrária) quanto ao texto proposto como base para a nova DCNs da engenharia. O texto foca na necessidade de oferta cursos mais modernos e alinhados às necessidades do mercado.

As DCNs da engenharia, hoje, estão definidas pela Resolução CNE/CES 11, de 11 de março de 2002, e determina currículos mínimos para os mais diversos cursos, com uma carga horária mínima e também definem os princípios, fundamentos, condições e procedimentos da formação de engenheiros.

A reformulação das DCNS baseia-se no fato da necessidade de perfis profissionais mais modernos pelo mercado de trabalho de profissionais e na tentativa de diminuir a evasão dos cursos de engenharia em todo país, que hoje é uma das mais altas.

 

Sendo a engenharia uma das principais forças motrizes que movem o desenvolvimento de qualquer país, é de se esperar que esta passe por constante avaliação e renovação de seus procedimentos e métodos, principalmente no que se refere ao ensino, visto que os profissionais precisam estar altamente alinhados à velocidade da inovação no mundo de trabalho. Uma das forças poderosas, a quem se atribui a necessidades dessas mudanças, é a famosa “indústria 4.0” – conceito que engloba a adoção de tecnologias cada vez mais digitais nos processos fabris. Esse conceito da Indústria 4.0 já está sendo tratado como a nova revolução industrial, que alterará, sem dúvidas, as relações de trabalho daqui para frente. Perante a estas mudanças iminentes, há de se entender que mudanças nas grades dos currículos de engenharia sejam necessárias e tratadas cada vez mais de forma “mercadológica” do que pedagógica, como o que está acontecendo na discussão da revisão das DCNs.

Não é segredo que as mudanças que aqui discutimos, são demandas da CNI (Confederação Nacional da Indústria) que juntamente com outras entidades se dizem capazes de apontar para a engenharia, quais as reais carências de formação dos profissionais no mercado.

Dentre as várias mudanças propostas, vemos a acabar com a dependência de matérias; que a teoria não seja a base da aula, visto que os alunos podem acessar esse tipo de conteúdo pela internet; foco em aulas práticas e baseada em projetos práticos; contratação de professores menos acadêmicos e com reconhecida experiência no mercado de trabalho; incentivo ao empreendedorismo, visando à formação por competência e habilidades, desenvolvimento da capacidade de liderança e comunicação e do uso de metodologias ativas de aprendizado.

Tudo isso seria perfeito, se não entrasse em choque com a realidade das escolas brasileiras e com a brecha legal, que daria total liberdade às Instituições de Ensino Superior (IES) a formatarem seus currículos sem nenhuma estrutura mínima, que formariam cada vez mais profissionais especialistas e sem um conhecimento genérico básico, capaz de torna-lo apto à resolução de problemas complexos. A retirada dos conteúdos mínimos é, sem dúvida, um dos aspectos mais perigosos, visto que a formação sólida do engenheiro em sua base é o que o capacita para o raciocínio lógico, pensamento capaz de resolver qualquer problema. É como se, para resolvermos o problema da evasão escolar causada pelas disciplinas básicas de cálculo, retirássemos essas matérias para aumentarmos o número de concludentes em engenharia. Mas que tipo de engenheiros estaremos formando? E a quem interessa essa formação específica e em massa? Uma das coisas mais lógicas que podemos atribuir a isso é a de mercado: quanto maior a oferta, mais barato fica o serviço (neste caso, o próprio engenheiro).

As novas diretrizes dão autonomia total às IES pra decidir o que é melhor e associam esta “liberdade” à formação de profissionais mais qualificados. Inclusive, a carga horária mínima de 3.600 horas que hoje temos como obrigatória, passaria a ser apenas um “referencial”, podendo também ser modificada. O que mais chama atenção no projeto apresentado é justamente o caráter subjetivo do mesmo, contrariando o que prima a própria engenharia: objetividade e simplicidade.

Outro aspecto importante dessa discussão é que os cursos de Engenharia deveriam ser autorizados, ou minimamente avaliados, pelo Conselho Federal de Engenharia, ou pelos seus Regionais, visto que o CNE não possui corpo técnico exclusivo de engenharia e com expertise em TODAS as modalidades desta. O Sistema CONFEA/CREA hoje abriga mais de 30 modalidades de engenharia, e deve ser consultado para que as grades curriculares possam ser avaliadas antes da oferta à população. Muitos cursos são abertos hoje, sem nenhuma notificação ao sistema CONFEA/CREA, que só toma conhecimento após a formação das primeiras turmas. Este fato ocasiona prejuízo para os profissionais formados, visto que não há garantia alguma que estão fazendo cursos devidamente cadastrados no seu órgão fiscalizador e que obterão registro nos Conselhos e com quais atribuições.
O projeto também não fala especificamente da educação na modalidade EAD, que deve ser regulamentada (com regras rígidas), visto que as atividades práticas são obrigatórias e indispensáveis em uma formação de qualidade. Este fato torna precária a qualidade dos egressos dessa modalidade e os incapacita para qualidades mínimas esperadas dos profissionais como: desenvolvimento interpessoal, capacidade de trabalho em grupo, liderança, dentre outras.

Se existe um consenso sobre esse assunto é que o modelo de ensino para a engenharia precisa de uma reformulação que aproxime os alunos da prática, que os mantenham motivados com aulas cada vez mais dinâmicas, que os professores precisam estar qualificados e alinhados com as novas tendências e tecnologias e que devem ser resolvidos os problemas de base (ensino da matemática e da física) advindos do ensino médio.

Indo por este caminho, a engenharia se aproximará cada vez mais do modelo adotado pela Medicina, em que o aluno já entra em contato com aspectos práticos da sua profissão, desde o primeiro período. A residência na engenharia também é uma das propostas que encontra adeptos em todas as vertentes que discutem o assunto.
As discussões para a reformulação da DCNs foram tímidas e apartadas da maioria das entidades profissionais. Sobre isso, a Fisenge (Federação Interestadual de Sindicatos de Engenheiros) subscreveu, juntamente com diversas outras entidades, um documento para o Conselho Nacional de Educação (CNE) sobre as mudanças das diretrizes curriculares nos cursos de engenharia. No texto, as entidades ratificam a importância de audiências públicas, destacando a necessidade de adiar a aprovação das diretrizes. “As contribuições decorrentes da reunião certamente irão exigir modificações no texto da proposta das DCNs, implicando novas Audiências Públicas e uma participação mais efetiva dos principais cursos de engenharia e do sistema CONFEA-CREAs, bem como das associações acadêmicas, científicas e profissionais, destacando-se o Clube de Engenharia, a Academia Nacional de Engenharia e Academia Brasileira de Educação”, alerta trecho do texto, que pede prorrogação da aprovação com o objetivo de realizar mais audiências públicas para subsidiar o debate e formular uma nova redação. Subscrevem o texto: Academia Nacional de Engenharia; Clube de Engenharia; Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Rio de Janeiro (Crea-RJ); Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (CONFEA); Federação Interestadual de Sindicatos de Engenheiros (FISENGE) e Secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro.

Cabe agora aos mais diversos entes envolvidos nesse processo de reformulação, aumentar a discussão e lutar para que essas mudanças não atendam apenas aos desejos do mercado. Lançar engenheiros sem formação fundamental é um risco para sociedade. Vamos acabar formando “paraengenheiros” assim como os paramédicos, um sem fim de “semi profissionais” que acabarão não atendendo às necessidades da profissão, da indústria, da sociedade e deles próprios.

*Elaine Santana Silva
Engenheira Civil
Vice Presidente do Senge-SE
Diretora da Fisenge