ARTIGO: Coronavirus evidencia violência doméstica e desigualdade estrutural de gênero

Share on facebook
Share on twitter
Share on whatsapp
Share on email

Em artigo publicado na revista virtual do Crea-RJ, a engenheira química, Simone Baía, que foi diretora da mulher da Fisenge, discute as consequências das desigualdades de gênero provocadas pela pandemia.

 

A pandemia da Covid-19 evidenciou o tamanho da desigualdade de gênero e de violência doméstica no Brasil e no mundo. Para muitas mulheres, principalmente as pobres que vivem em territórios periféricos e favelados, a crise sanitária alterou a renda dos núcleos familiares. Por outro lado, a violência doméstica aumentou. No Rio de Janeiro, os casos dobraram, em São Paulo houve aumento de 30% e na China triplicou.

Alguns Acordos Coletivos de Trabalho (ACTs) já possuem cláusulas específicas sobre violência doméstica. Este é o caso do Sindicato dos Engenheiros no Estado do Paraná (Senge-PR), que assinou com a Companhia de Saneamento do Paraná (Sanepar), ano passado, um ACT cuja cláusula 32ª dispõe sobre “licença para empregadas vítimas de violência doméstica”.

As mulheres enfrentam complexidades em suas vidas durante a pandemia tanto no mundo do trabalho como no lar. Estruturalmente, as mulheres acumulam as tarefas de cuidado e responsabilidades familiares, acumulando os trabalhos produtivo e reprodutivo. Segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), antes da pandemia, as mulheres já gastavam, em média, o dobro de horas semanais que os homens em atividades com cuidados com pessoas e com a casa – 21,3 horas semanais, as mulheres; 10,9 horas semanais, os homens.

Em nossa categoria da engenharia, temos muitas mulheres trabalhando em atividades presenciais essenciais, como garantia de serviços essenciais como tratamento de água, geração e distribuição de energia, produção de respiradores mais acessíveis, de alimentos seguros e produtos de higiene, por exemplo.

Nesses casos, os empregadores têm a obrigação de disponibilizar condições de trabalho que respeitem a saúde e a segurança das trabalhadoras, como a disponibilização de EPI (Equipamento de Proteção Individual), álcool em gel, entre outras medidas apontadas nesta publicação.

As mulheres em trabalho presencial obrigatório se veem desamparadas, especialmente as mães, devido à necessidade de muitas creches estarem fechadas e à falta de redes de apoio. Já no home office, muitas mulheres sofrem com a sobrecarga de trabalho e ficam esgotadas fisicamente e mentalmente. Isso porque a vida profissional invade o ambiente privado e a política da maioria das empresas é pouco flexível e sem empatia com as profissionais que são mães.

Muitas de nós temos que dividir o único computador da casa com as aulas virtuais dos filhos ou somos interrompidas do trabalho pelas tarefas domésticas e responsabilidades familiares com o agravante de termos de nos manter conectadas além da jornada de trabalho, por exigência do empregador, colegas de trabalho ou clientes. Exigências estas que estão, muitas vezes, implícitas ou explícitas por meio do envio de mensagens e convites para reuniões de trabalho fora do horário de expediente ou para videoconferências sem aviso prévio. Por isso, os sindicatos mundialmente têm debatido e defendido o direito à desconexão como cláusula em negociações coletivas. Hoje, os sindicatos precisam, com mais veemência, enfrentar o debate de gênero para que esteja refletido nas negociações coletivas, de modo a garantir os direitos das mulheres. Nesse sentido, a Federação Interestadual de Sindicatos de Engenheiros (Fisenge) lançou uma cartilha com recomendações para negociações coletivas, além de explicitar os principais direitos das mulheres.

Mais do que isso, é preciso acolher as trabalhadoras informais, as contratadas via MEI ou PJ que sequer têm direitos garantidos. O mundo passa por transformações estruturais profundas e a retomada do crescimento é necessária, mas só pode ocorrer por meio do diálogo social, pois não nos podem impor a escolha perversa entre emprego e saúde.

Vivemos em um momento em que somos chamados à responsabilidade social de assegurar o futuro da civilização, e é imprescindível garantir os direitos humanos e os padrões de seguridade social, além de construir frentes de resistência diante do desmonte dos direitos trabalhistas e dos direitos das mulheres.

 

Simone Baía é engenheira química e foi diretora da Mulher da Fisenge