O que fazer quando o emprego estável no setor público se transforma em um trabalho precário em função do assédio moral? Esta é uma dúvida que penaliza o servidor público, quando vítima de oscilações de comando, e que também desorienta juristas que poderiam defendê-lo, mas que não encontram caminhos por não ter referências na legislação vigente.
Fechar a lacuna jurídica existente com a regulação da questão pela Justiça Federal seria o primeiro passo para combater e coibir o assédio moral no setor público. Este foi o sinal dado por juristas, psicólogos, sociólogos e representantes de entidades sindicais reunidos no seminário “Estado, Poder e Assédio: relações de trabalho na administração pública”, promovido pelo Senge e mais de 20 entidades conselhos e universidades, na sexta-feira, 27, na Universidade Positivo, em Curitiba.
“O assédio moral é uma prática que deve ser combatida independentemente dos regimes de contrato dos trabalhadores, se celetista ou estatutário. No entanto, precisamos avançar nas discussões contra o assédio na administração pública tanto quanto foi avançado na iniciativa privada. É por isso que propomos esse debate”, afirmou o presidente do Senge-PR, engenheiro agrônomo Carlos Roberto Bittencourt, ao destacar a participação maciça de profissionais no encontro, que contou com mais de 600 inscritos.
Para o procurador Regional da República, Paulo Cogo Leivas, um dos palestrantes do evento, existe uma grande lacuna nas discussões jurídicas sobre o assédio moral quando ocorrido nas instituições da administração pública. “O assédio moral é um fenômeno frequente tanto nas instituições privadas quanto nas públicas, e os casos não são poucos. A literatura sobre o tema tem apontado índices elevados de casos deste tipo. No entanto, sobretudo no âmbito das instituições públicas, não há ainda regulação na legislação federal em nosso país que trata sobre a questão do assédio moral. Existe assim uma brecha jurídica muito grande e importante com a falta de regulação”.
Na opinião do doutor em psicologia José Roberto Montes Heloani, o assédio moral na administração pública se dá de forma mais perversa que na iniciativa privada, uma vez que se estende por anos, as vezes acompanhando quase toda a carreira do servidor. “Na iniciativa privada é resolvido rapidamente. Ou o trabalhador é demitido, ou pede a conta. Já no estado, não é tão fácil. O trabalhador não vai jogar fora, por exemplo, uma carreira de 20 anos no serviço público. E isso o fragiliza muito, a sua saúde física e mental e o seu rendimento no serviço público”. Além disso, o psicólogo também aponta a banalização da prática do assédio do meio público, acentuada pelo enxugamento e a precarização das relações trabalhistas. “Se o assédio é uma aberração do ponto de vista ético, pior é quando julgo que posso usar desses artifícios para que eu me mantenha no emprego, ou seja, que é natural eu usar esses artifícios”.
Apesar disso, Heloani se diz otimista quanto aos avanços próximos no debate do assédio moral na administração pública no âmbito jurídico. “Estamos começando ainda com os julgamentos do assédio moral no estado no Brasil, e acho que quem julga isso ainda não teve muitos casos na mão. De fato, o Judiciário ainda carece de conhecimento profundo sobre o tema. Só para se ter uma ideia, fiz uma ciclo de palestras recentemente em várias escolas de magistratura, só falando sobre ética e assédio moral. Muitas vezes falta embasamento, embora tenhamos muitos juristas, sobretudo novos procuradores, de alta qualidade, com uma formação e entendimento mais amplo nas questões do assédio, e que estamos nos conduzindo para um rumo certo nas discussões.”
O evento ainda contou com palestra do desembargador do Trabalho, Ricardo Tadeu e do professor da UFPR e ex-procurador do Paraná, José Antônio Peres Gediel. Na parte da tarde foram apresentados dois estudos de caso de assédio moral na administração pública. Os casos foram debatidos pela professora da UFPR e procuradora do Estado, Aldacy Rachid Coutinho, pelo sociólogo Giovanni Alves, pelo psicólogo Roberto Heloani e pelo ex-reitor da UFPR, José Henrique de Faria. Os relatores dos debates foram o especialista em educação, Roberto Leher e o procurador do trabalho Alberto Emiliano. No primeiro, foi discutido um caso de assédio moral de uma pedagoga da Marinha, no Rio Grande do Sul. O segundo caso tratou de uma ocorrência de assédio moral sofrido por professores na UFPR, em que a instituição foi acusada de omissão e institucionalização do assédio.
Dando continuidade ao debate do assédio moral na administração pública, no mês de abril as entidades promotoras do evento lançarão um livro colaborativo reunindo artigos de especialistas, dentre os quais palestrantes do evento e acadêmicos convidados, como o juiz federal Roger Raupp Rios, ampliando as discussões sobre a prática do assédio sob perspectiva do direito, da psicologia e da medicina do trabalho. O livro será disponibilizado pelas entidades em formato eletrônico.
Fonte: Senge-PR
Matéria completa poderá ser conferida na próxima revista da Fisenge