Enormes olhos azuis, cabelos lisos e louros, pernas longas, seios grandes e uma cintura tão fina que só teria espaço para acomodar metade de um rim e alguns centímetros de intestino.Essa é a Barbie, a boneca mais vendida do mundo, que, mesmo cinquentona, ainda suscita polêmica. Alvo de críticas de quem crê que ela promove a imagem nada saudável da mulher e incentiva clichês sexistas, ela agora estrela a série de documentários “The Barbie Project” (o projeto Barbie), nos quais crianças são gravadas interagindo com exemplares do brinquedo, enquanto os pais são confrontados com a pergunta “o que você acha da Barbie?”
Grande parte das respostas é negativa, e o fato de os vídeos serem produzidos pela própria fabricante da boneca, a Mattel, poderia sugerir uma inequívoca abertura às críticas. Mas o que o “experimento” tenta mesmo provar é que, enquanto os pais estão preocupados se a boneca é uma boa influência, as crianças só estão interessadas em “se divertir e criar histórias”.
Criança brinca com a boneca acompanhada pela mãe – Divulgação / Divulgação
— As crianças sabem que a Barbie é só um brinquedo. É uma personagem representada em vários formatos: entretenimento, animação, boneca, publicação etc. Pessoas reais são a principal influência em muitos temas, incluindo uma imagem corporal saudável — defende, por e-mail, Michale Shore, vice-presidente mundial de pesquisa com consumidores na Mattel. — A Barbie é uma ferramenta para o jogo criativo, a criança tem a oportunidade de projetar várias personalidades sobre a boneca.
A visão da Mattel está longe de ser unânime. Mãe de três filhos e cofundadora do Movimento Infância Livre de Consumismo, Debora Diniz até deixa Ana Cecília, de 6 anos, João Felipe, de 9, e Pedro Gabriel, de 11, brincarem com a Barbie, mas está sempre atenta ao comportamento que ela estimula.
— Antes as meninas brincavam com imitações de bebês. Ou seja, eram treinadas para serem mães. A Barbie tem muitas profissões, o que parece uma ideia interessante. Porém, observando mais de perto, percebemos que ela colocou um padrão de beleza e consumo inatingíveis. Você pode ser o que quiser, desde que seja loura, alta, magra e rica. É muito cruel — afirma Debora, que, em sua militância, luta por uma regulamentação maior da publicidade direcionada às crianças.
Na casa da educadora Helena Altmann, professora do programa de pós-graduação em Educação da Unicamp, as Barbies de sua filha de 9 anos dividem espaço na caixa de brinquedos com carrinhos, animais em miniatura, corda de pular etc.
— A melhor opção é apresentar outras possibilidades — observa a professora. — Na época da posse da (presidente) Dilma (Rousseff), minha filha, que assistia à TV comigo no momento, pegou um carrinho conversível e reproduziu a cena com suas bonecas. As crianças de fato criam novas possibilidades de inserção social.
Um luxuoso resort na Sardenha (Itália) vem sendo criticado por oferecer a meninas de 2 a 13 anos pacotes de lazer inspirados na Barbie. Para as entidades que lutam contra a discriminação de gênero, as atividades reforçam estereótipos de beleza e comportamento. Os pacotes “Pink” e “Glamour”, por exemplo, incluem programas como a “Academia Fashion da Barbie”, onde as garotas aprendem técnicas de maquiagem, penteados e até como andar. Eles custam a partir de R$ 1.363 por semana. A revista americana “Sports Illustrated” também foi alvo de reclamações por exibir na capa de sua edição de fevereiro a foto de uma Barbie, em homenagem aos 55 anos da boneca. Ambos — revista e boneca — foram acusados de promover um ideal da “mulher perfeita” distante do real.
‘Estimula a criatividade’, diz mãe
Diferentemente dos militantes, Aparecida Vasconcelos, mãe de Rafaela, de 11 anos, não vê a boneca como má influência e incentiva que sua filha brinque com ela.
— Estimula a criatividade e o sonho de ter uma profissão e ser bem-sucedida — opina a administradora, que mora em São Paulo. — A boneca é apenas um brinquedo. O que influencia as crianças são os exemplos das pessoas reais, como as que aparecem na TV e nas revistas. A Gisele Bündchen é um modelo, não a Barbie.
Autora do livro “Barbie na educação de meninas: do rosa ao choque”, a pedagoga Fernanda Roveri, que pesquisou a influência da boneca na formação de garotas, acredita que a boneca funciona como um espelho, perante o qual as meninas aprendem que juventude, magreza e consumismo significam sucesso e prestígio:
— Muitas crianças deixam de vivenciar uma infância saudável em função da busca doentia pelo embelezamento, como se quisessem se parecer com suas bonecas. Basta observarmos a quantidade de bens de consumo que antigamente eram restritos ao mundo adulto, como o salto alto, o sutiã e a maquiagem, e que hoje são vendidos abundantemente ao público infantil.
Algumas ações, porém, têm surgido como alternativas ao modelo longilíneo da Barbie. Uma das mais bem-sucedidas é a linha de bonecas Lammily, que tem as medidas de uma garota comum americana de 19 anos. O artista digital Nickolay Lamm usou parâmetros do Centro Americano de Controle de Doenças e Prevenção para criar sua “Barbie normal”. E, via financiamento coletivo, ele já conseguiu a verba necessária para produzir as primeiras 5 mil Lammilies.