Venda da Embraer coloca Brasil em posição de colônia

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Por Clovis Nascimento*

Foi anunciada, no jornal “The Wall Street Journal”, a possível venda da Embraer para a norte-americana Boeing. A Embraer é a terceira maior fabricante de aviões comerciais do mundo e única fabricante brasileira de aviões, perdendo para a própria Boeing. Isso significa que o interesse da Boeing nessa negociação é acabar com a concorrência da Embraer, colocando-se como líder no mercado, além de se apropriar de todo o acúmulo tecnológico e científico brasileiro. Embora seja uma empresa privatizada, existe um mecanismo chamado “golden share”, que possibilita poder de veto ao governo federal em decisões estratégicas, como em negociações de vendas e fusões da empresa, mesmo sem ter o controle acionário. No entanto, no dia 19 de julho de 2017, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles consultou o Tribunal de Contas da União (TCU) sobre a possibilidade de abrir mão da “golden share” da Embraer, da Vale e do IRB. Dos cerca de milhares de trabalhadores, existem engenheiros dedicados à formulação de ações e produção de tecnologia e inovação. A empresa estimula centros de formulação de engenharia, criando projetos de alto padrão tecnológico.

As justificativas para a venda da Embraer vão desde a criação de empregos até o estímulo à economia. Mas, vamos aos reais fatos. Sabemos que geração de empregos de qualidade acontecem com o estímulo à indústria e às empresas nacionais. Os EUA, por exemplo, estão fechando empresas em outros países, como o México, para instalá-las no próprio país. Donald Trump centra a sua política econômica para dentro do empresariado e do capital norte-americano, e que também aponta para uma política imperialista xenofóbica de extrema dominação dos EUA em relação aos outros países, sem qualquer relação de cooperação. Portanto, a venda da Embraer para a Boeing irá favorecer apenas os empresários norte-americanos, que utilizarão o capital simbólico, tecnológico e científico para dar maior robustez ao seu próprio parque de indústria aeronáutica e de defesa. É preciso lembrar que a Embraer, no Brasil, também é responsável por projetos de defesa nacional e, para os EUA, será utilizada como instrumento de fortalecimento bélico. Transferir o controle acionário para as mãos do capital norte-americano significará transferir as nossas estratégias de defesa e a nossa soberania nacional.

Sobre o estímulo à economia, podemos afirmar que trata-se de uma falácia. Os gatilhos de melhoria e de avanço econômico vieram, principalmente, de investimentos públicos e obras de infraestrutura. Em um momento de tensão econômica e profundo desemprego, a alternativa deveria perpassar por um modelo de Estado robusto, com a nacionalização da Embraer como saída da atual crise, para geração de emprego e renda, estímulo ao mercado interno e à produção de ciência e tecnologia e em defesa da soberania, fortalecendo uma política de defesa nacional.
Obviamente, os meios de comunicação aceleram notícias sobre a alta das ações da Embraer no mercado financeiro, criando um ambiente favorável. No entanto, é preciso enfatizar que o mercado age de acordo com os interesses dos bancos e do capital estrangeiro, que colocam países como Brasil numa posição de subserviência, de colônia. Em uma conjuntura de pressão pela aprovação da Reforma da Previdência, de eleição presidencial e de extrema rejeição da população ao atual programa em curso, o governo federal lança cartadas como estratégia de afirmação junto ao mercado financeiro, desde o anúncio da privatização da Eletrobrás, o balão de ensaio sobre a venda da Embraer, o desmonte da Embrapa, o sucateamento das universidades públicas e o enxugamento do orçamento para áreas fundamentais como ciência e tecnologia.

O desespero toma o atual governo de Michel Temer que, mesmo alvo de denúncias de corrupção, se sustenta com apoio de uma maioria de parlamentares no Congresso Nacional, com o braço dos meios de comunicação privada. Essa semana, por exemplo, o jornal “O Globo” publicou o editorial “Reforma previdenciária argentina deve inspirar Temer”. Alguns trechos merecem nossa atenção: “O presidente deve se inspirar no colega argentino, Mauricio Macri, que enfrentou protesto, com 160 feridos, e greves, mas foi adiante e aprovou anteontem sua reforma previdenciária no Congresso”, ampliando a repressão aos movimentos sociais e “Tendo garantido seu mandato, ao presidente resta se inspirar no colega argentino e liderar a luta pelas reformas. Será o seu legado”, pressionando por uma possível moeda de troca pelo seguimento do mandato. Na página seguinte, o jornal publica um artigo do então presidente golpista Michel Temer sobre a política de resultados do Mercosul, rejeitando a cooperação e a solidariedade latino-americana. No mesmo dia (21/12), a Folha de S. Paulo publicou a matéria: “Temer se encontrou com cúpula da Globo para discutir delação e reforma”. De acordo com o texto, uma das reclamações centrais de Temer foi o editorial de “O Globo”, em 19 de maio, intitulado “A renúncia do presidente”, que defendia a saída de Temer do cargo como melhor opção para o país. Portanto, vemos claramente as manobras dos meios de comunicação que estão, a todo tempo, em negociação com esse governo e o mercado financeiro.

Embora Temer tenha negado, no dia seguinte, a transferência do controle da Embraer, sabemos que na política anúncios confirmam negociações. Mais do que estarmos atentos, é preciso que toda a sociedade brasileira se mobilize em uma ampla resistência em defesa da democracia e da soberania nacional. Onde há opressão, há muita resistência. É preciso resistir! Em defesa da engenharia e da soberania nacional.

Clovis Nascimento é engenheiro civil e sanitarista, presidente da Federação Interestadual de Sindicatos de Engenheiros (Fisenge), vice-presidente do Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio de Janeiro (Senge-RJ), da coordenação do projeto SOS Brasil Soberano e engenheiro da Cedae há 45 anos. Foi Diretor Nacional de Água e Esgotos da Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental no Ministério das Cidades (MinCidades) durante o 1º mandato do governo Lula e subsecretário de saneamento e recursos hídricos do governo do estado do Rio de Janeiro, durante o mandato de Benedita da Silva. Também foi presidente da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (ABES), eleito por dois mandatos consecutivos, e foi vice-presidente da Associação Interamericana de Engenharia Sanitária e Ambiental.