“Essa marcha denuncia o que estamos sofrendo, assim como os demais movimentos, e demonstra nossa indignação com a atitude do governo”, afirma Oriel Kaiowá.
As mais de 400 pessoas que marcharam por 50Km desde segunda-feira (3) em Mato Grosso do Sul, chegaram na manhã dessa quarta-feira (5) na capital do estado, em Campo Grande, e estão acampados na entrada da cidade.
Diante de um cenário em que a ofensiva do agronegócio avança sobre a fronteira agrícola do país, a população indígena, camponesa e quilombola marcha há três dias levando o lema Reforma Agrária, Demarcação das Terras Indígenas e Quilombolas, Contra o Capital e pela Soberania Alimentar.
A mobilização, que está sendo composta pela população indígena Guarani-kaiowá, movimento estudantil e movimentos camponeses, é um resultado do Encontro Unitário dos movimentos sociais do campo, que aconteceu em agosto de 2012 em Brasília, como observa Atiliana Brunetto, da coordenação nacional do MST.
“Mas essa articulação se fortaleceu e se sentiu mais necessária após o fato na Fazenda Buriti, com o despejo violento. O caso está grave com relação a luta indígena na região. Esse modelo acaba com índios e exclui os povos da terra. Precisamos dizer que é o grande capital que está excluindo o nosso povo”, disse Atiliana, ao apontar o grande latifúndio como o maior responsável pelos conflitos na região.
Na terça-feira (4), mais um indígena da etnia Terena foi alvo do conflito pela terra na região, ao ser baleado no município da Sidrolândia (MS). No último dia 30 de maio, o indígena terena Osiel Gabriel foi morto na Fazenda Buriti, onde mais três índios ficaram feridos durante uma ação de reintegração de posse, comandada pela Polícia Federal.
“A luta dos movimentos sociais não é diferente da nossa e por isso tomamos essa corrente para somarmos força e irmos pra luta”, conta o indígena Oriel Kaiowá, destacando a importância dos movimentos sociais e indígenas fortalecerem a luta unitária pela demarcação das terras indígenas e quilombolas, assim como a Reforma Agrária.
“Essa marcha histórica denuncia o que estamos sofrendo, assim como os demais movimentos, e demonstra nossa indignação e preocupação com a atitude do governo que vem desqualificando a luta dos povos indígenas”, completa.
Na tarde desta quarta, os movimentos se reúnem com o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra)para apresentarem suas pautas. Ainda pretendem entregar um documento denunciando a situação local para o Ministro da Justiça, Eduardo Cardoso.
Nesta quinta-feira (6), realizarão uma ação unificada em Campo Grande para, na manhã de sexta-feira (7), promoverem um ato com o objetivo de sensibilizar a população mato-grossense em relação a questão da terra e o conflito instalado no estado.
Uma pedra no caminho
Já não bastasse os órgãos federais responsáveis por essas questões, como o Incra e a Fundação Nacional do Índio (Funai), estarem desestruturados e sem condições de exercerem o que lhes competem, há ainda outro entrave na luta desses movimentos sociais: o Poder Judiciário.
“O Incra está totalmente paralisado há três anos, sem nenhuma conquista de terra . O conflito indígena está crescente, pois assim como o Incra, a Funai não tem condições de fazer a demarcação. O Poder Judiciário vem criando diversos empecilhos, com a criação de várias emendas e portarias que impedem a demarcação das terras”, critica Atiliana.
Na mesma linha segue Oriel Kaiowá, ao criticar a atitude dos poderes legislativo, executivo e judiciário. “As PECs (Proposta de Emenda Constitucional) e as portarias estão atingindo a Constituição Federal e os direitos que conquistamos com muita luta. Querem tirar o poder da Funai e passar para o Congresso Nacional, querem legalizar o arrendamento dos produtores rurais e a exploração dentro das aldeias”, acusa Oriel.
Dentre as ofensivas sobre os direitos indígenas, há, por exemplo, a PEC 215/2000, que visa passar ao Congresso Nacional a competência da aprovação da demarcação das terras indígenas.
A PEC 237/2013, por sua vez, cria a possibilidade de produtores rurais terem a posse indireta de terras indígenas na forma de concessão. Já a Portaria 419/2011 prevê a regulamentação da atuação de órgãos e entidades da administração pública para agilizar os licenciamentos ambientais para infraestruturas que atingem terras indígenas.
Até mesmo o julgamento do caso da Raposa Serra do Sol pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que deu ganho de causa aos indígenas da região, tem seus fundamentos invertidos. A Portaria 303/2012 pretende estender a aplicação dos elementos avaliados naquele caso a demais áreas indígenas, determinando que os procedimentos já “finalizados” sejam “revistos e adequados” aos seus termos.
“Isso mostra que está caminhando ao extermínio do povo indígena. Estamos sendo massacrados pela própria polícia federal. Os Guarani-kaiowá já perderam 215 lideranças, e os culpados estão impunes”, acusa Oriel.
Para ambos, a principal causa do conflito é a terra e o poder do grande latifúndio que impera no estado. “Os grandes produtores e empreendimentos vêm devastando nossas terras, deixando nossa terra sem oportunidade de plantar. Mas nós decidimos que vamos partir para a luta e vamos retomar o que é nosso”, disse Oriel.
Fonte: Luiz Felipe Albuquerque da Página do MST