“É como se você acordasse um dia, verificasse sua conta, e o dinheiro que você tinha programado para despesas até o fim do ano tivesse sido retirado”, explica o Professor Doutor Ricardo Marcelo Fonseca, reitor da Universidade Federal do Paraná (UFPR), sobre o corte de 30% do orçamento para custeio imposto pelo governo Bolsonaro (PSL). Ele diz que o corte aconteceu sem aviso prévio nem diálogo com as universidades. O bloqueio de R$ 48 milhões, segundo nota enviada à imprensa pela UFPR, impactará no funcionamento da federal. Despesas como contas de água, luz e contratos de prestação de serviços serão atingidos diretamente.
Mais antiga universidade em funcionamento no país, a UFPR atende a uma comunidade com mais de 33 mil alunos, em 164 cursos de graduação e 89 programas de pós-graduação, com 89 mestrados e 61 doutorados, além de 45 cursos de especialização e profunda inserção na comunidade, em 392 projetos e programas de extensão.
Em entrevista para o Brasil de Fato Paraná, o reitor da UFPR, Ricardo Marcelo Fonseca, fala sobre as dificuldades que virão e de a forma que, acredita, as universidades públicas deverão fazer a resistência diante de ações como essa.
Brasil de Fato-PR: Como a reitoria da Universidade Federal do Paraná ficou sabendo desse bloqueio de 48 milhões em suas contas?
Ricardo Marcelo Fonseca: No início desta semana já acontecia uma movimentação quando o ministro da Educação anunciou corte de verbas para a Universidade da Bahia, a Universidade Federal Fluminense e a Universidade de Brasília, com a justificativa de supostas balbúrdias e supostos maus desempenhos. Portanto, todos nós que estamos envolvidos com gestão universitária ficamos atentos. Num segundo momento, na terça-feira à noite, foi anunciado que o corte seria de maneira linear. E, hoje, quinta-feira, 2 de maio, amanhecemos com 30% menos nessa parcela que vem para manutenção e custeio das universidades públicas.
Houve algum comunicado do Ministério da Educação para que as universidades se preparassem?
Não. Trata-se de uma uma operação orçamentária. Os valores que tinham sido alocados na conta única da universidade foram retirados. É como você acordar de manhã, pegar o aplicativo da sua conta corrente e ter 30% menos daquele valor que tinha planejado para viver até o fim do ano.
Como a universidade se organizou e vai agir diante dessa ação?
O corte exige que a ação seja rápida. Primeiro, avisar toda a comunidade acadêmica sobre o que está acontecendo. Por isso, reuniões serão feitas nesta sexta-feira com estudantes, professores e técnicos. Uma reunião com todos os dirigentes da UFPR acontecerá para que possamos pensar em ações para reagirmos a isso. Faremos, portanto, uma avaliação conjunta. Vamos ter que fazer ajustes nas despesas e nos contratos – o que será bastante difícil, pois a universidade vem desde 2015 com sucessivos cortes.
No início da minha gestão, em 2017, tivemos um corte severo. Eu já lhes digo que, por maiores ajustes que consigamos fazer, um corte de 30% vai inviabilizar o funcionamento da universidade.
Qual a principal ação de resistência agora?
É muito importante que a universidade comunique-se externamente, com a sociedade como um todo. É preciso comunicar à sociedade sobre o que está acontecendo para que cesse de uma vez por todas essa caricaturização das universidades que vem acontecendo ultimamente. Para que de uma vez por todas se perceba que as universidades públicas são fundamentais, porque são protagonistas da formação do conhecimento. São as que, inclusive, viabilizam o desenvolvimento econômico e que salvaguardam a soberania nacional. Em outros lugares pode ser diferente, mas no caso brasileiro, são as universidades federais e estaduais as protagonistas. Todos rankings nacionais e internacionais, e inclusive o do próprio Ministério da Educação, reconhecem esse protagonismo. Portanto, vamos buscar parceiros para levar essa informação e vimos hoje, com esse corte, que tem muita gente e instituições preocupados com o destino da universidade pública e seu funcionamento.
Existe algum tipo de articulação das universidades em nível nacional frente a esse corte?
Nós temos a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais, a Andifes, que tem se reunido, se comunicado com a sua base e buscado um conjunto de providências. Mas é importante lembrar que a universidade tem esse papel crítico muito forte, mas nós somos o Estado. Uma coisa que me causa muita perplexidade é como muitas vezes o discurso sobre as universidades federais nos trata como se fôssemos um outro, alheio ao Estado. Somos, inclusive, uma parte importante do Ministério da Educação, somos agentes de políticas públicas. Não podemos ser considerados como um problema. Somos parte da solução. Assim, eu como dirigente, tenho tentado o diálogo para conseguir essa compreensão dentro do próprio Estado, para que possamos começar a ter reconhecimento num sentido de política de Estado.
Brasil de Fato | Curitiba (PR)
Edição: Laís Melo