“Uma primavera feminista para acabar com o inverno conservador”, defende militante

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>>> ARTIGO: “Pelo fim da violência simbólica contra a mulher”, por Simone Baía

 

Por Nadine Nascimento, para o Brasil de Fato

“No Brasil há um número espantoso de assassinatos de mulheres, algo semelhante ao de países em guerra, número que se vê apenas em conflitos armados”, diz a diretora executiva do Instituto Patrícia Galvão, Jacira Melo.

No quadro mundial da violência contra a mulher, o Brasil tem uma posição de destaque, sendo o quinto mais violento, conforme dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), que avaliou um grupo de 83 países. O país tem uma taxa de 4,8 homicídios a cada 100 mil mulheres.

Segundo o Mapa da Violência, elaborado pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso), no Brasil, entre os anos de 1980 e 2013, foram vítimas de assassinato mais de 100 mil mulheres. O estudo revela ainda que 50% das mortes violentas de mulheres são cometidas por familiares e 33% por parceiros ou ex-parceiros.

Dia Internacional

O dia 25 de novembro foi declarado o Dia Internacional da Não Violência Contra a Mulher. A data foi definida no Primeiro Encontro Feminista da América Latina e Caribe, realizado na cidade de Bogotá, Colômbia, em 1981, em homenagem a “Las Mariposas”, heroínas da República Dominicana que foram brutalmente assassinadas em 25 de novembro de 1960. Em 1999, em Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), o dia passou a ser reconhecido mundialmente.

A data tem o objetivo de alertar a sociedade sobre os casos de violência e maus tratos contra as mulheres. A violência física, psicológica e o assédio sexual são alguns desses exemplos.

Para Jacira, do Instituto Patrícia Galvão, esse dia é importante pois “dá visibilidade a violência contra as mulheres, especialmente aquela que acontece dentro de casa feita pelos parceiros e familiares próximos”.

“Hoje o que acontece em mais de 40% dos lares do Brasil, há 30 anos era visto como algo que tinha que ser resolvido entre o marido e a mulher, dentro do espaço privado e não como um problema social grave”, afirma.

O combate à violência contra a mulher no Brasil só se consolidou através da Lei Maria da Penha, instituída em 2006, que foi idealizada para assegurar a sua integridade física e psicológica. Desde sua implantação, as vítimas de violência doméstica vêm vencendo o medo e denunciando os agressores.

De acordo com pesquisa feita pela Secretaria de Políticas para as Mulheres, da Presidência da República, no primeiro semestre desse ano, o 180 recebeu, em média, 84 ligações por hora de mulheres que reclamam de algum tipo de violência ou pedindo ajuda. No total, foram mais de 360 mil ligações.

Violência contra mulher negra

O relatório produzido pela Flacso também aponta que a violência é maior em direção às mulheres negras. Em dez anos, os homicídios delas aumentaram cerca de 54%, entretanto, no mesmo período, a quantidade anual de homicídios de mulheres brancas caiu 9,8%.

“O machismo e o racismo conjugados faz com que as mulheres negras vivam em uma situação de maior vulnerabilidade. A maioria da população negra vivem em camadas pobres do país, com enorme vulnerabilidade em relação à segurança pública”, diz Jacira.

Já a historiadora e militante da Marcha Mundial das Mulheres, Sarah de Roure, acredita que a violência no Brasil “não é genérica, ela está dirigida a grupos específicos”. Segundo ela, “o genocídio negro não é só contra os homens, mas contra as mulheres também. A diferença é que os homens são assassinados pela violência policial e as mulheres estão morrendo dentro de casa”.

Enem

Neste ano, o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) teve grande repercussão por conta de seu conteúdo. “A persistência da violência contra a mulher na sociedade brasileira” foi o tema da redação da prova que também contou com uma questão sobre o livro “O Segundo Sexo”, da feminista Simone de Beauvoir.

A polêmica girava em torno do questionamento feito por conservadores de que se o exame teria sido “feminista demais”. Esses setores inclusive criticaram a abordagem e até chamaram a prova de “doutrinária”. Por outro lado, o conteúdo do exame foi comemorado, principalmente pelas feministas.

Sarah Roure considera a escolha do tema um avanço, mas pondera que “a questão é sobre quais são as outras implicações que esse tema tem nas políticas públicas e nos investimentos para superar a violência”. A historiadora aponta que há “um déficit enorme de implementação da Lei Maria da Penha e do pacto de enfrentamento à violência contra as mulheres no país”.

Primavera das Mulheres

No ano de 2015, a luta protagonizada pelas mulheres floresceu e ficou visível para toda a sociedade. A onda de protestos que pedem “Fora Cunha” reuniu cerca de 3 mil pessoas, em São Paulo, e 5 mil no Rio de Janeiro, em outubro. Já em Brasília, a Marcha das Mulheres Negras reuniu 10 mil.

As mulheres são contra a onda conservadora que o país tem passado, em especial, com a votação do projeto de Lei 5069, de Eduardo Cunha, que “tipifica como crime contra a vida o anúncio de meio abortivo e prevê penas específicas para quem induz a gestante à prática de aborto”.

Se aprovado, o projeto prevê que no caso do estupro, por exemplo, para que um médico possa fazer o aborto, será exigido primeiramente que a mulher passe por um exame de corpo de delito e comunique à autoridade policial. Atualmente, não há necessidade de comprovação ou comunicação à autoridade policial, basta a palavra da vítima.

“As jovens desse país entenderam o quanto é desumano, desrespeitoso e injusto esse projeto de lei. A juventude está forte, atenta, com muita consciência e mostrando que no Brasil tem uma injustiça muito grande com as mulheres que sofrem violência”, enfatiza Jacira.

Para a Marcha Mundial das Mulheres, segundo Sarah Roure, o Brasil precisa “de uma primavera feminista para acabar com o inverno conservador.”

Fonte: Brasil de Fato