O transporte público de qualidade é a garantia da democratização do acesso às oportunidades de emprego, renda e de integração social. Além disso, permite o aumento da qualidade de vida e da mobilidade do cidadão, estabelecimento do ciclo virtuoso de desenvolvimento, emprego e renda.
Uma política de mobilidade urbana é essencial para toda a economia brasileira. Dados da ANTP (Agência Nacional de Transportes Públicos) demonstram que o transporte público funciona regularmente em 920 municípios com mais de 30 mil habitantes, onde moram 122 milhões de brasileiros. Também são realizadas mais de 60 milhões de viagens diárias, cuja arrecadação ultrapassa 15 bilhões de reais por ano, gerando aproximadamente 570 mil empregos diretos.
Esse ciclo contribui para a manutenção de empregos na extensa cadeia produtiva que inclui setores como a indústria de chassis e montagem de ônibus, fabricantes de trens e metrôs, de pneus e de peças de reposição, além do segmento de combustíveis e do setor de construção de infraestrutura.
Do ponto de vista ambiental, o balanço é amplamente favorável ao transporte público. Os estudos revelam que o passageiro de automóvel consome cerca de 10 vezes mais energia que um passageiro de ônibus e 25 vezes mais do que um passageiro de metrô. Os automóveis são caros e ineficientes, ocupam mais espaço nas vias, consomem mais energia e, portanto, são mais poluentes.
Ao contrário do Brasil, muitos países de diferentes concepções ideológicas, como os Estados Unidos, Alemanha, França, Colômbia e China, possuem metrópoles que mantiveram a qualidade de sua mobilidade por meio de investimentos dos governos centrais, a fundo perdido, em sistemas estruturadores de transporte público integrado aos demais modos de deslocamento. A solução adotada nestes países é do transporte individual aportar recursos para o transporte público por meio da taxação sobre os combustíveis, imposto sobre propriedade de veículos automotores, pedágio urbano, cobrança por estacionamentos nas áreas centrais e comerciais e isenção nas áreas periféricas.
Oportunidades da mobilidade urbana
- Utilização exclusiva dos recursos da CIDE em infraestrutura de transporte público e mobilidade urbana
- Elaboração de uma Política Nacional de Mobilidade Urbana centrada no transporte público e não motorizado (a pé e bicicleta) e na “Paz no Trânsito”, além de restringir o acesso de automóveis nos corredores de transporte coletivo e nos centros urbanos
- Reconhecimento do transporte público como serviço essencial, de modo a garantir o mesmo tratamento de recursos e tributos existentes no setor de saúde e educação
- Efetivação do Código de Trânsito Brasileiro, incluindo mecanismos que possam promover a “Paz no Trânsito” e que inibam a impunidade dos crimes de trânsito
- Repartir os custos das gratuidades com toda a sociedade, criando fontes extras tarifárias para seu custeio
- Criar tarifa de energia elétrica específica para tração utilizada em transporte público, eliminando sobretaxação decorrente de tarifa horo-sazonal
- Estabelecer uma política especial de preços para o óleo diesel utilizado em ônibus
- Isentar do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) todos os veículos destinados ao transporte público coletivo de passageiros
- Fortalecer e ampliar o vale-transporte, como forma de inclusão social e distribuição de renda
- Constituir política permanente de incentivo ao uso de energia elétrica, do gás e de outros combustíveis menos poluentes na frota de transporte público de passageiros
- Resgatar os espaços públicos da via urbana para o transporte público, por meio da implantação de vias e faixas exclusivas para ônibus
- Adotar medidas de operação de trânsito, priorizando o transporte público
- Implantar equipamentos que aumentem a segurança e o conforto do usuário, como abrigos, sistemas de informações, veículos com portas largas, entrada baixa, piso baixo, suspensão automática, direção hidráulica, ar-condicionado e freios ABS
- Adoção, por meio de operadoras e gestoras, de pesquisas de opinião para identificar e compreender as necessidades de seu cliente
- Desenvolver tecnologias de construção de calçadas, pavimentos viários e de sinalização
- Difundir o uso de recursos de controle centralizado dos semáforos, vídeo-monitoramento, sistemas eletrônicos de controle da velocidade, detectores de invasão de faixas ou áreas do transporte coletivo, semáforos interativos, controladores de fluxos, fiscalização, coletores de dados e informação on-line de registro de veículos e condutores
- Instituir Fundos Municipais de Transporte Coletivo com recursos provenientes do IPVA (Imposto sobre Propriedade de Veículo Automotor), operações urbanas, multas, zona azul, pedágio urbano
- Implantar sistemas de transporte de massa de grande e média capacidade (metrôs e ônibus em corredores próprios) com qualidades urbanísticas e ambientais, por meio de subsídios públicos aos investimentos de infraestrutura que também assegurem acessibilidade às pessoas portadoras de deficiência e de mobilidade reduzida.
O modelo brasileiro e seus problemas
O modelo de desenvolvimento econômico adotado no Brasil a partir de 1930 provocou uma brutal concentração de renda e de população em poucas cidades brasileiras. Este processo foi agravado pela forma como a maior parte da população se apropriou do espaço urbano que, aliado à falta de uma efetiva política habitacional, teve como resultado a apropriação das regiões dotadas de infraestrutura urbana pelos mais providos de recursos econômicos, sociais e culturais, restando aos menos providos as áreas distantes, insalubres e menos dotadas de infraestrutura urbana. Este modelo de ocupação territorial ocasionou a saturação das vias urbanas e dos equipamentos públicos instalados, determinando a expansão horizontal da área urbanizada.
Além disso, a partir da década de 1960, o país optou por um modelo de mobilidade centrado no uso do automóvel, iniciando um processo de sucateamento e posterior destruição dos bondes e transformando a via pública em um bem financiado por toda a sociedade e apropriado por mais de 90% pelos automóveis.
O transporte público foi entregue às regras de mercado, subsidiado basicamente pelos usuários. Esta política, aliada ao incentivo do uso do transporte individual para classe média e a proliferação dos transportes alternativos e/ou clandestinos, gerou ao longo do tempo uma diminuição progressiva do número de usuários de transporte coletivo, pois é oferecido um serviço público essencial por um preço incompatível com a capacidade de pagamento dos seus usuários. Este modelo provoca exclusão social, perda de mobilidade, qualidade de vida e de sustentabilidade ambiental das nossas cidades.
Em vista disso, é urgente a necessidade de mudança dos paradigmas que orientam a política de mobilidade urbana no Brasil e também estabelecer uma política que garanta o acesso de toda a população ao transporte público, independentemente de sua capacidade contributiva ao sistema.
É importante, ainda, priorizar a utilização das vias públicas urbanas pelo transporte coletivo e que sejam estabelecidas políticas tributária e previdenciária específicas para o setor, de modo que haja uma redução expressiva das tarifas. O incentivo do uso do transporte coletivo contribuirá de forma incisiva para o aumento da sustentabilidade ambiental, econômica e social das cidades brasileiras.
Ameaças à mobilidade urbana
- Proliferação dos transportadores públicos não regulamentados
- Incentivo e isenções fiscais à aquisição e à produção de automóveis
- Financiamento em longo prazo para aquisição de automóveis
- Manipulação dos valores da CIDE (Contribuição da Intervenção no Domínio Econômico), com objetivo de reduzir o custo final da gasolina, constituindo um subsídio indireto ao uso do automóvel
- Mobilidade urbana centrada no automóvel
- Precariedade e baixa qualidade do transporte público urbano
- Falta de integração dos diversos modais de transportes
- Inexistência de financiamento com juros subsidiados para aquisição de ônibus urbanos
- Inexistência de politica pública para distribuição de cargas no perímetro urbano
- Proliferação do transporte por demanda: fretamento, aplicativos, etc.
Para muitos países, o transporte público é fator de desenvolvimento e de inclusão social. A partir desta lógica, os custos dos transportes são, em considerável medida, financiados com recursos públicos e por demais setores da sociedade. Isso significa a compreensão de que a política pública de mobilidade urbana é um elemento de geração de empregos e desenvolvimento social sustentável, uma vez que os benefícios do transporte público de qualidade extrapolam os aspectos referentes à sua operação, influenciando positivamente empresas, governos e demais setores da sociedade. Diante das ameaças, há uma avenida de oportunidades para a garantia do direito à cidade.
UBIRATAN FÉLIX – engenheiro civil, professor do Instituto Federal da Bahia (IFBA), vice-presidente da Federação Interestadual de Sindicatos de Engenheiros (Fisenge), presidente do Sindicato dos Engenheiros da Bahia (Senge-BA) e membro do BrCidades.
*Artigo originalmente publicado na Carta Capital
Foto: Tania Rego/Agência Brasil EBC