Trabalhadores da Petrobras estão acusando a empresa de negligenciar e subnotificar casos de covid-19 entre seus profissionais. A despeito da ausência de dados totais da própria empresa, a Federação Única dos Petroleiros (FUP) contabiliza 60 mortes de profissionais da Petrobras pelo coronavírus desde o início da pandemia até o momento.
Questionada pela reportagem do Brasil de Fato sobre esses números, a Petrobras enviou resposta em que não informa os dados totais de trabalhadores diagnosticados com covid-19 e de mortos pela doença desde o início da pandemia até o momento.
Limitando-se aos dados do momento atual, atualizados em 8 de fevereiro, a empresa informou que está com 161 casos confirmados em acompanhamento, além de outros 48 empregados que testaram positivo na triagem mais recente, estando assintomáticos. Ao todo, a Petrobras possui 45 mil empregados.
“A Petrobras presta informações regularmente aos órgãos públicos e de vigilância sanitária e realiza reuniões periódicas com as entidades sindicais para divulgar dados de contágio e medidas preventivas adotadas”, informou a Petrobras em nota.
A empresa registrou, somente na última semana de janeiro de 2021, 181 casos confirmados de covid-19 e 17 trabalhadores hospitalizados, sem nenhum óbito.
Questionando os dados oficiais
Em entrevista ao Brasil de Fato, a FUP e trabalhadores da estatal, que preferiram não se identificar, questionam os dados que vêm sendo divulgados desde o início da pandemia pela empresa.
Uma decisão judicial ainda no primeiro semestre de 2020 determinou que a estatal enviasse os relatórios epidemiológicos a respeito de seus trabalhadores ao Sindicato dos Petroleiros (Sindipetro). No entanto, não houve cumprimento da decisão.
Um dos trabalhadores, que atua em uma das plataformas da estatal, tem amigos que foram infectados e sabe de notícias de óbitos de trabalhadores da Bacia de Campos, entre Rio de Janeiro e Espírito Santo.
“Mas a gente não fica sabendo ao certo quantas pessoas se contaminaram e quantas morreram”, afirma o trabalhador sobre a ausência de dados concretos.
“Informações rasas”
“As informações divulgadas são muito rasas, o que dificulta qualquer ação do movimento sindical. Nós ficamos impossibilitados nas áreas em que se faz mais necessária a atuação, seja do apoio direto aos trabalhadores contaminados ou em campanhas de conscientização”, considera Raimundo Teles, responsável pela Secretaria de Saúde e Meio Ambiente da FUP.
Teles comenta que alguns sindicatos até tentam fazer o controle, mas sem os dados oficiais e com pouca estrutura para fazer o levantamento, um banco de dados extra oficial pode trazer informações próximas ou distantes da realidade.
Há também os boletins de monitoramento do Ministério das Minas e Energia (MME) que divulga dados da Petrobras. No entanto, os dados também são considerados discrepantes em relação à realidade.
Segundo Cloviomar Cararine, assessor na FUP e economista do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), “a única informação sobre a doença nas empresas de petróleo e gás publicada com regularidade é esse boletim semanal do MME sobre números em empresas estatais de energia, que tenho acompanhado. Em muitos casos, eles sobem e descem sem nenhuma explicação”, afirmou ao site do Congresso Internacional de Ciências do Trabalho, Meio Ambiente, Direito e Saúde.
Ainda segundo Cararine, “em alguns momentos [a Petrobras] apresenta números de contaminados nas subsidiárias e de terceirizados, mas estes dados não aparecem no Boletim do MME. Em vários momentos apresentava números diferentes do que ela enviava para o MME”.
Medidas de segurança
Os trabalhadores e a FUP também questionam as medidas de contenção do novo coronavírus dentro dos espaços de trabalho da Petrobras. O trabalhador que atua em uma das plataformas afirmou que o período de confinamento antes do embarque é de apenas dois dias, e depois é realizado o exame PCR. Os exames, no entanto, têm maior sensibilidade para detectar o vírus somente após o terceiro dia de infecção.
Ele também afirmou que a distribuição de álcool em gel e máscaras de proteção não é suficiente, bem como a diminuição de empregados por camarotes, cerca de quatro trabalhadores em média por quarto. “Não tem como ficar isolado na plataforma. A gente fica nas salas fechadas, entra gente, sai gente. Não tem como manter o ambiente seguro em 100% do tempo.”
Em média, trabalham entre 120 e 200 pessoas em cada plataforma. Nas chamadas “paradas”, momento em que ocorrem as reformas de manutenção da estrutura, esse número pode subir para entre 300 e 400 trabalhadores, de acordo com o relato do trabalhador. Em março, segundo a FUP, estão previstas cinco paradas pelo Brasil.
Política de biossegurança
Outro trabalhador, que atua em uma das refinarias da Petrobras, afirmou que não há clareza acerca da política de biossegurança durante a pandemia. O empregado também afirmou que não há compreensão sobre o controle de testes de covid-19.
“Há uma deficiência de cuidados com o trabalhador. A gente não tem nenhum tipo de teste na hora de entrar na refinaria. No início, forneciam máscaras, mas agora nem isso. Falta interesse e cuidado”, afirmou o segundo trabalhador.
Nesse sentido, Raimundo Teles afirma que há “negligência e incompetência da Petrobras em manter o contrato da realização de testes do padrão ouro”.
Versão da Petrobras
Em nota ao Brasil de Fato, a Petrobras afirma que “a companhia adota procedimentos robustos em todas as suas unidades desde o início da pandemia”.
“Todas as ações têm base em evidências científicas e orientações de autoridades sanitárias. Para unidades com confinamento, como plataformas, os procedimentos envolvem monitoramento de saúde desde 14 dias antes do embarque, quando os todos os colaboradores são acompanhados por equipes de saúde e orientados a ficar em casa e reportar qualquer sintoma. Antes do embarque todos os colaboradores são testados”, detalha.
A Petrobras afirma já ter realizado mais de 500 mil testes para covid-19 com seus colaboradores em todo o país. “A estratégia de ampla testagem possibilita que o diagnóstico do quadro de saúde na companhia seja mais preciso do que o da sociedade em geral, uma vez que mesmo pessoas assintomáticas são identificadas e contabilizadas como casos confirmados”, argumenta.
O Brasil de Fato também entrou em contato com o Ministério das Minas e Energia (MME) com questionamentos sobre as acusações de subnotificação e de negligência com trabalhadores da Petrobras durante a pandemia de covid-19. Até o momento, no entanto, não houve uma resposta.
Edição: Rodrigo Durão Coelho
Foto: Petrobras/Agência Brasil