Teto de gastos é absurdo e inviável, diz Bresser-Pereira

Share on facebook
Share on twitter
Share on whatsapp
Share on email

“O Teto de Gastos é um absurdo econômico, um absurdo social e inviável do ponto de vista prático”, afirma o economista Luiz Carlos Bresser-Pereira, um dos signatários da carta de apoio à intenção do presidente Lula de rever a medida de controle de gastos do Estado. Para o Brasil voltar a crescer, o ex-ministro defende o aumento do investimento público e a manutenção da taxa de câmbio em patamares que estimulem a reindustrialização do país.

“Existe no Brasil e no mundo o mito da austeridade, o mito de que os governos precisam limitar seus gastos de maneira muito violenta e forte para evitar a inflação, uma tese sem pé nem cabeça,” critica Bresser-Pereira. Por trás dessa obsessão fiscalista está, na verdade, diz, o medo das elites de uma estrutura tributária mais justa, que as faça perder privilégios.

Para o ex-ministro, os neoliberais e seus representantes não têm medo de que o país quebre – uma ameaça impossível de se concretizar –, mas sim de que se distribua a renda para assegurar um estado de bem-viver para todos.

O economista ressalta que no governo Bolsonaro o teto foi rompido várias vezes e de diferentes maneiras, num total superior a R$ 80 bilhões. “Confirmava-se inteiramente o diagnóstico de que aquele teto era um contra-senso. Por isso eu me opus, muita gente se opôs, todos os democratas se opuseram, todos os desenvolvimentistas. Mas há um liberalismo entranhado no Brasil, e não só no Brasil, que está em crise, e pode explicar por que isso aconteceu.”

Para Bresser-Pereira, o fim do teto é uma das duas medidas imprescindíveis para o país recompor sua economia. “Quais as duas condições fundamentais no plano econômico para que o Brasil volte a crescer mais rapidamente do que os países ricos? Uma, tentar levar o investimento público a 25% do PIB; outra, criar condições mais favoráveis em relação à taxa de câmbio, para que não fique apreciada e seja competitiva para a indústria.”

Ele lembra que, no governo Lula, além do boom das commodities, a economia contou com o aumento no investimento público – de cerca de 18% do PIB para 21%. Embora insuficiente, o economista afirma que, junto com a política de valorização do Salário Mínimo, essa expansão estimulou o desenvolvimento do país.

De acordo com Bresser-Pereira, um dos idealizadores do chamado novo desenvolvimentismo, o câmbio atual, na faixa dos R$ 5,10 a R$ 5,20 por dólar, está num equilíbrio adequado para a retomada industrial. “Entendo que o novo ministro da Fazenda, assim que assumir, deve dar uma garantia de que o governo terá uma meta de manter a taxa de câmbio num nível como o atual, isso é muito importante”, recomenda.

Essa garantia é necessária, diz. porque o câmbio só vem se mantendo nesse patamar porque, desde 2014, quando o Brasil entrou em crise econômica, a confiança das empresas nacionais e estrangeiras não voltou, o que o economista acredita que vá finalmente acontecer a partir de 2023. “Se a situação voltar à normalidade com um governo Lula, e há todas as condições para isso, a taxa de câmbio volta a se apreciar e tende a ser satisfatória apenas para as commodities, e não para a indústria, devendo cair para R$ 4,50, ou pouco menos que isso”, prevê. “E o país não se reindustrializa nem supera a semiestagnação.”

Austeridade para proteger privilégios
A razão para o país ter adotado o teto de gastos, um mecanismo unanimemente condenado a falhar e a fazer mal ao país, está no contexto político do golpe de Estado que afastou a presidenta Dilma Rousseff, em 2016, para dar posse a Michel Temer. Na percepção de Bresser-Pereira, Temer e o ministro Henrique Meirelles “precisavam legitimar rapidamente o seu governo junto às elites, agarradas ao neoliberalismo ultra radical”.

Ele conta que, originalmente, os monetaristas se aferravam ao remédio da austeridade porque o Brasil não tinha dívida pública e, em caso de déficit, era obrigado a se financiar emitindo moeda. “Agora isso não é mais verdade, e o governo pode aumentar a dívida pública. E a alegação de que o déficit público causa inflação é outra loucura completa. Claro que pode causar inflação, mas numa condição muito específica – que haja pleno emprego e se configure uma situação de excesso de demanda agregada, em relação à oferta. Nesse caso, se o governo continuar gastando, estimula a demanda e provoca inflação.”

São condições que obviamente não se aplicam à realidade atual do país, de grande desemprego e trabalho precarizado. O economista cita o Japão, que não enfrenta problema de inflação, apesar de ter uma dívida pública equivalente a 260% do PIB, muito maior que a brasileira, da ordem de 77,1% em setembro último.

Rentistas e fiscalistas também costumam afirmar que o país “pode quebrar” se o Estado gastar. “Ora, o país não quebra em hipótese alguma, se a sua dívida for na própria moeda, ou, no caso brasileiro, em reais”, destaca Bresser-Pereira. “Só quebra quando tem dívida externa. E desde o governo Lula não há mais dívida externa no país”.

A defesa da tese da austeridade fiscal pelas elites, então, diz o ex-ministro, está associada a um interesse bem específico: o medo dos impostos. “Há uma tendência mundial de aumento do gasto público, especialmente com saúde, porque, à medida que a população vai envelhecendo, os gastos de saúde vão se tornando cada vez mais importantes e necessários. E elas percebem que, se o governo aumentar os gastos públicos, os impostos serão aumentados. Então inventam histórias de que déficit público causa inflação, que precisa uma âncora fiscal, quando não precisa absolutamente de austeridade, nem de economia recessiva, crescendo muito lentamente, para satisfazer a vontade dessa gente de não pagar impostos.”

Atualmente, o economista se considera um nacionalista na economia. Mas reconhece que não foi sempre assim, “Quem começou a abertura comercial fui eu, quando fui ministro da Fazenda, em 1987”, lamenta. Ele lembra que, no dia em que assumiu o posto, ficou sabendo, pelo presidente da Comissão de Política Aduaneira, que a tarifa de importação de bens industriais era de 45%. Acreditou, então, que era um patamar insustentável e injustificável para uma indústria que não era mais “infante”.

“Comecei a preparar a abertura comercial, que só ficou pronta três anos depois, quando começou o governo Collor”, lembra. “Hoje me dou conta de que eu estava enganado, que eu errei nesse ponto.” Atualmente, Bresser-Pereira entende que as tarifas altas eram uma forma intuitiva de neutralizar os efeitos da doença holandesa (quando o câmbio impede a competitividade das indústrias, frente à exportação de commodities). O resultado da abertura foi a primeira grande onda de desindustrialização.

Embora se defina como um socialista, ele defende uma solução social-democrata. “Concessões mútuas entre trabalhadores e empresários, entre esquerda e direita, e o desenvolvimentismo — essas coisas somadas me parecem o regime possível, não só para países ricos, mas para países de renda média como o Brasil, que tem todas as condições de caminhar para a social-democracia. Sob a liderança do Lula, escapamos da barbárie.”

 

Texto: Veronica Couto/SOS Brasil Soberano

> Soberania em Debate é realizado pelo movimento SOS Brasil Soberano, do Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio de Janeiro (Senge RJ)

> Confira o Soberania em Debate com o economista Luiz Carlos Bresser-Pereira, entrevistado pela jornalista Beth Costa, da coordenação do SOS Brasil Soberano