O Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu nesta quarta-feira (8) que os planos de saúde não são obrigados a cobrir tratamentos que estejam fora da lista de procedimentos da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Ativistas dos direitos de pessoas com deficiências e doenças graves defendiam a tese de que a lista da ANS deveria ser considerada apenas como o mínimo para o atendimento.
A decisão muda o entendimento dominante no Judiciário brasileiro de que a lista da ANS é meramente exemplificativa. Nas últimas décadas, juízes vêm decidindo a favor dos pacientes em caso de disputa com os planos de saúde sobre coberturas.
A limitação da cobertura pode afetar os cerca de 48 milhões de usuários de planos de saúde do país. O acesso a tratamentos e medicamentos, hoje protegidos pela Lei de Planos de Saúde e pelo Código de Defesa do Consumidor, pode ser negado, mesmo em caso de prescrição médica. A nova regra afeta especialmente pessoas hipervulneráveis, como pessoas com deficiência, doenças autoimunes, crônicas e raras, além de idosos.
O julgamento foi iniciado em setembro de 2021 e interrompido duas vezes. Foram seis votos a favor da tese dos planos de saúde contra três a favor do rol exemplificativo.
Os usuários dos planos lutavam para que tratamentos terapêuticos que não constam na lista, mas que possuem evidência científica e são prescritos pelos médicos deveriam ser cobertos. Já as operadoras de saúde alegam que o entendimento da lista da ANS como uma lista mínima de procedimentos inviabiliza o seu funcionamento econômico, apesar de o setor tido um aumento de lucratividade de 49,5% em 2020, em comparação com o ano anterior. Os dados são da própria ANS.
Saúde em risco
Para José Antônio Sestelo, representante da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) na Comissão de Saúde Suplementar do Conselho Nacional de Saúde – CISS/CNS e pesquisador do Grupo de Pesquisa e Documentação sobre Empresariamento na Saúde, a decisão coloca os interesses dos planos à frente das necessidades dos clientes. “O Judiciário decidiu que vale tudo para os planos de saúde não falirem”, explica. “Em tese, isso serviria para proteger os consumidores de ficar repentinamente sem a cobertura, mas na prática, o sistema de saúde suplementar é superavitário o tempo todo”, diz. Isso acontece porque os planos assumem apenas os pequenos riscos do setor, deixando os maiores problemas para a rede pública.
“O rol taxativo [a lista da ANS] significa um retrocesso para os direitos conquistados em 1998”, afirma Ana Carolina Navarrete, coordenadora do Programa de Saúde do Instituto de Defesa do Consumidor “A mudança dessa interpretação coloca todo o sistema em uma situação de insegurança. Tratamentos diversos poderão ser negados a famílias com respaldo jurídico e o problema repercutirá também no sistema público de saúde com mais sobrecargas”, diz.
De acordo com Luciana Boiteux, professora de direito da UFRJ, a decisão foi uma foi uma guinada na jurisprudência que vai desproteger usuários de planos de saúde e enriquecer empresários do setor. Em sua conta no Twitter, ela afirma que o rol taxativo “vai impedir que pessoas com deficiência e autismo possam ultrapassar o limite de sessões, o que é necessário para conseguir resultados [terapêuticos].
A decisão do STJ prevê a possibilidade da contratação de cobertura ampliada ou da negociação de um aditivo contratual. Além disso, após esgotados os procedimentos incluídos na lista da ANS, pode haver excepcionalmente a cobertura do tratamento indicado pelo médico.
Essa exceção, no entanto, só pode acontecer caso algumas condições sejam cumpridas: a inclusão do tratamento à lista da ANS não pode ter sido indeferida anteriormente, deve haver evidências científicas da eficácia do tratamento e órgãos técnicos de renome (nacionais ou estrangeiros) devem recomendar o tratamento. Além disso, se possível, magistrados e especialistas devem tratar da ausência desse tratamento na lista da ANS.
O STF (Supremo Tribunal Federal) também deverá se pronunciar sobre a o assunto. A Associação Brasileira de Proteção aos Consumidores de Planos e Sistema de Saúde protocolou uma ação defendendo o rol exemplificativo em março.
Edição: Rodrigo Durão Coelho
Fonte: Brasil de Fato