Sobre a cultura do ódio, o machismo e a crise!

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Por Naiara Bittencourt*

Na última quinta-feira (20) eu marchei em Curitiba pelas reformas populares, contra o ajuste fiscal neoliberal, contra as terceirizações, contra o golpismo e pela democracia.

Durante o ato, gravamos um vídeo relacionando a luta das mulheres e as pautas que reivindicamos na marcha. O vídeo foi gravado e publicado na página do Brasil de Fato nacional, tomando proporções inimagináveis: quase 40.000 visualizações, mais de 1000 compartilhamentos. Num primeiro momento, pensei em recuar, principalmente quando vi os comentários raivosos e machistas na página, sem qualquer fundamento. Mas depois eu comecei a pensar que é preciso aproveitar esse espaço gigante de repercussão e esclarecer as pautas que nos fazem caminhar.

Há pelo menos 6 anos eu sou militante nos movimentos feministas. Tenho 23 anos, sou advogada, faço mestrado em direito na UFPR na linha de pesquisa “Direitos Humanos e Democracia” e milito na Consulta Popular. Não sou petista, e marchei com um propósito político bem definido: não pela defesa cega do governo, que toma posturas neoliberais claras neste ano. Mas sim contra tais políticas, tendo a plena noção da manutenção da democracia e deste governo eleito democraticamente. Não é questão de disputar tal governo, mas acirrar as forças sociais para nós dos movimentos sociais e populares ganharmos forças com unidade política e combater o quadro de austeridade.

Pois bem, muito me perguntaram por que afirmação de que essas políticas neoliberais afetam mais as mulheres, afirmando que o vídeo não tinha conteúdo e trazia vitimização. Vamos aos fatos. Há nessa sociedade uma clara divisão sexual do trabalho apropriada pelo capitalismo. Isso significa que há uma separação e uma hierarquização dos trabalhos de homens e mulheres – há trabalho de homens e de mulheres e os trabalhos de homens valem mais. As mulheres ocupam hoje os postos mais precários, como os trabalhos informais, temporários, em tempo parcial, domésticos, e as piores tarefas dos setores terceirizados; recebem apenas 72% da remuneração masculina; sofrem mais assédio moral e sexual nos empregos; são a maioria das chefas de família do Brasil; e fazem duplas e triplas jornadas de trabalho, isto é, trabalham em casa sem que o companheiro ou os filhos homens dividam igualmente as tarefas do cuidado e limpeza.

No neoliberalismo, com a retirada do Estado de setores importantes, como a saúde e a educação, por exemplo, significa que sobrará mais trabalho em casa para as mulheres e serão elas as primeiras demitidas dessas funções de cuidado que ocupam no espaço público. Basta refletirmos, se não há creche e escola, quem cuidará dos filhos? Se não há hospital e postos de saúde funcionando, quem cuidará da família, dos idosos e crianças? Quem leva a família no médico quando há algum problema? Quem são as enfermeiras, as educadoras, as pedagogas, as psicólogas em sua maioria? Mulheres. Os trabalhos dessas mulheres deixam de ser importantes ao Estado. Isso quer dizer que as trabalhadoras e trabalhadores sofrem impactos diferentes no neoliberalismo! Assim, além de aumentar o desemprego feminino, o Estado neoliberal, retirando os serviços e equipamentos públicos essenciais para o empoderamento das mulheres e a ocupação do trabalho externo e do espaço público, intensifica as disparidades de gênero, reforça os papéis sociais femininos e determina também a colocação das mulheres em empregos precarizados.

Ok, no âmbito econômico parece claro, mas por que o ódio aumenta sobre as mulheres nos períodos de crise econômica e política? Porque é necessário que se “mantenham as mulheres nos seus lugares”, isso quer dizer o lugar privado, doméstico, garantindo que a reprodução da vida continue a ser feita pelas mulheres, sem remuneração e sem desgaste do Estado. O espaço público, da política, do poder são lugares em que historicamente as mulheres foram negadas. Para que haja igualdade democrática na ocupação desses espaços entre homens e mulheres significa inevitavelmente que os homens perdem espaços de poder. E isso eles não querem. É difícil ver uma mulher jovem falando em público, como atacá-la? Justamente com o fato dela ser mulher, seja imbecilizando ou sexualizando. E esse machismo dói, aperta no fundo peito, dá medo, mata. Mas não é por isso que nós vamos para de ocupar esses espaços! Isso só mostra a necessidade de mais feministas, de mais mulheres lutando por igualdade. Foi nas ditaduras e nos regimes autoritários como o fascismo e nazismo em que as mulheres estiveram mais afastadas desses espaços. Nós não deixaremos o golpe chegar!

Mas como enfrentar a crise do capitalismo com políticas não austeras? O capitalismo mundial está em uma crise prolongada desde 2008, provocada pelos rentistas, que se espraiou para o ramo industrial. Se a crise foi provocada por eles, nesses momentos cíclicos inerentes do capital, não é justo que as/os trabalhadoras/es sejam responsabilizados por ela! Ou você acha que os capitalistas estão passando fome, diminuindo seus luxos e cortando gastos? Porque são as/os que trabalham que têm sua aposentadoria cortada ou adiada, que são demitidos, que sofrem com os cortes nos setores públicos, que têm seus salários abaixados pela inflação e pelo aumento das taxas de juros? Uma política econômica séria e social deveria, entre muitas coisas: taxar as grandes fortunas no Brasil (hoje quem paga mais impostos proporcionalmente são as/os mais pobres!); fazer a auditoria, a renegociação e (melhor!) parar de pagar a dívida externa, gerada pela exploração de nosso país pelos países imperialistas; nacionalizar os setores produtivos mais importantes (a Petrobrás é nossa!), garantindo o fomento da industrialização com mudança do modelo agroexportador brasileiro; garantir políticas públicas às mulheres (não à terceirização, licença paternidade igualitária, postura ativa contra o assédio e a violência, educação de gênero nas escolas!); e a realização das reformas populares mais urgentes (política, agrária, tributária, urbana) já!

*Naiara Bittencourt é advogada, mestranda em direito na UFPR e militante da Marcha Mundial das Mulheres e da Consulta Popular

Fonte: Brasil de Fato