“Soberania popular é essencial para definição do Estado que queremos”, Carlos Roberto Bittencourt

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Engenharia e Desenvolvimento com Inclusão Social” foi o tema do 8º Congresso Nacional de Sindicatos de Engenheiros (Consenge), realizado em Florianópolis (SC), em 2008. Foi nesse ano que o engenheiro agrônomo Carlos Roberto Bittencourt foi eleito o atual presidente da Federação Interestadual de Sindicatos de Engenheiros (Fisenge). Ele já foi presidente do Sindicato dos Engenheiros no Estado do Paraná (Senge-PR) por dois mandatos. Nesta entrevista, Bittencourt destaca os principais elementos da conjuntura nacional, da engenharia e da Fisenge nesse período.

FISENGE: De 2008 até hoje acompanhamos mudanças importantes no país. Qual o papel da engenharia na formulação e consolidação de políticas públicas?

BITTENCOURT: A história da Fisenge é permeada pela luta constante e permanente contra o projeto neoliberal no país. A Fisenge como entidade classista combativa traçou uma trajetória de luta muito bonita. A Federação, que comemora 20 anos este ano, tem 11 sindicatos filiados em dez Estados do Brasil. Da mesma forma, tem um papel bastante significativo no debate de assuntos relacionados à engenharia e sua vertente junto às políticas públicas, em setores como de energia, saneamento, geociências e agronomia. Neste último, com foco bem direcionado à questão da agricultura familiar. Historicamente, a Fisenge sempre esteve à frente das principais lutas deste país. Assumi a presidência da Federação, em 2008, durante o 8º Consenge. Neste fórum, reafirmamos nossas diretrizes políticas e apontamos caminhos para desenvolvimento com inclusão social. Lutamos pelo fim do fator previdenciário, pela redução da jornada de trabalho, pelo monopólio estatal do petróleo e a defesa da Petrobras e o papel da engenharia na construção de um país justo, solidário e fraterno pela consolidação de políticas públicas pela universalização dos direitos sociais.

FISENGE: Que pontos destacaria?

BITTENCOURT: Foi justamente em 2008 que foi sancionada a lei 11.888, que assegura às famílias de baixa renda assistência técnica pública e gratuita para o projeto e a construção de habitação de interesse social. Em 2010, outro avanço importante para o protagonismo social da engenharia foi a lei 12.188, que institui a Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural para a Agricultura Familiar e Reforma Agrária (PNATER) e o Programa Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural na Agricultura Familiar e na Reforma Agrária (Pronater).

A ação da Fisenge é norteada pela forte intervenção nas discussões nacionais para formulação e implementação de políticas públicas, como a participação no Conselho das Cidades, no Fórum Nacional de Reforma Urbana, no Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), Fórum Nacional de Reforma Agrária, Plataforma Operária e Camponesa pela Energia. Além, é claro, da participação nas negociações coletivas nacionais, como a Eletrobras e a Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM).

Na luta contra a entrega do patrimônio público, destaco também a defesa das estatais e de setores estratégicos para o país, como o energético e o de saneamento, que vêm sofrendo ataques incisivos do projeto privatista. No setor energético temos atuado com força para o fim dos leilões das usinas elétricas e de petróleo e pela renovação das concessões do setor elétrico. Tivemos uma grande vitória nessa luta com a renovação da maioria das concessões, com exceção dos estados do Paraná, de São Paulo, Minas Gerais e Santa Catarina. Continuamos na mobilização para o controle estatal e público do setor energético como um todo (energia elétrica, petróleo e gás). Outra denúncia que fazemos é sobre a terceirização e seus prejuízos para os trabalhadores e para a prestação de serviços para a sociedade.

FISENGE: E a atuação da Fisenge na defesa do Salário Mínimo Profissional?

BITTENCOURT: A Fisenge foi uma das primeiras entidades, em nível nacional, a entrar com um processo de Amicus Curiae, ou seja, Amigos da Corte, apresentando uma outra visão para os ministros do Superior Tribunal Federal (STF) em defesa do SMP. Em maio, a ministra Rosa Weber reconheceu a nossa legitimidade em participar do processo, qualificando a entidade perante o Supremo, para contribuir com sugestões em relação à ação impetrada pelo Governo do Maranhão, que alega a inconstitucionalidade do Salário Mínimo Profissional. Esta notícia mostra a vitória do processo e a atuação da Fisenge na garantia do salário mínimo a todos engenheiros.

Também estamos mobilizados pela aprovação do projeto de lei nº13/2013, que inclui as atividades de engenheiros, arquitetos e engenheiros agrônomos , quando realizadas por servidores públicos efetivos federais, estaduais e municipais, nas carreiras consideradas essenciais e exclusivas de Estado.

FISENGE: Foi divulgado o crescimento de 1,5% do Produto Interno Bruto (PIB) no Brasil, superando as expectativas. Dentro desse quadro econômico, falar sobre escassez de engenheiros é alarmismo ou realidade?

BITTENCOURT: É preciso uma reconstrução histórica nesse ponto. O Brasil, nos anos 1990, viveu um forte período de desindustrialização, articulado com a implementação do projeto neoliberal. Foram inúmeras as demissões e as privatizações. Muitos engenheiros desistiram da profissão para atuarem em outras áreas. A partir de 2003, o cenário muda com o fortalecimento do mercado interno e o aumento de investimentos. Cito alguns programas importantes: Minha Casa, Minha Vida, Luz para Todos, o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) e as obras promovidas pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), mesmo com alguns gargalos. Outros fatos que merecem destaque são: a descoberta do pré-sal e a realização de megaeventos como a Copa e os Jogos Olímpicos.

Com esta conjuntura, muitas oportunidades foram abertas e o tema “possível escassez de engenheiros” tem pautado a sociedade. Importante destacar que os 19,6 mil concluintes em 2002 transformaram-se em 42 mil em 2011, de acordo com os últimos dados do Ministério da Educação (MEC). Reconhecemos que pode haver falta de engenheiros em determinadas áreas como petróleo e gás, engenharia naval, por exemplo. Trata-se de uma questão pontual.

FISENGE: Recentemente, a presidenta Dilma Rousseff anunciou a possibilidade de um programa “Mais Engenheiros”, nos moldes do “Mais Médicos”. Qual a sua avaliação?

BITTENCOURT: Nesta questão, é fundamental pontuar que os municípios do interior do Brasil têm oferecido salários irrisórios aos profissionais da engenharia. Algumas prefeituras anunciam editais com salários de R$1.500, descumprindo a lei que estabelece o Salário Mínimo Profissional (SMP) da categoria. Com esta remuneração abaixo da legislação, muitos profissionais buscam outras alternativas de trabalho, dentro ou fora da engenharia. Se a remuneração for conforme o programa “Mais Médicos”, tranquilamente não faltarão engenheiros. Muitos destes profissionais poderão retornar à profissão. Se há remuneração digna, não faltam profissionais.

FISENGE: Esse possível déficit de engenheiros também pode decorrer de um problema de fundo que se inicia na formação?

BITTENCOURT: Certamente. Há uma alta evasão nos cursos de engenharia, que ocorre, na maioria dos casos, no primeiro ano da universidade. Isso porque muitos alunos não possuem boa base para física, química e matemática, por exemplo. A questão é estrutural e perpassa pelo investimento em educação de base.

FISENGE: Hoje, o país vive um momento de intensa mobilização e discussão sobre a reforma política. Quais elementos são centrais?

BITTENCOURT: A reforma política não pode ser apenas no campo eleitoral. É preciso uma reforma do sistema político, ou seja, o fortalecimento de instrumentos de democracia direta e participativa; a democratização dos meios de comunicação e do Judiciário. No Brasil, esta luta é antiga e histórica dos movimentos sociais e organizações. Com as mobilizações populares em junho, a reforma política ganhou visibilidade e a pressão popular tem pautado o tema frequentemente na sociedade.

Infelizmente, hoje, vivemos no país um quadro de mercantilização da política. Muito pelo financiamento privado de campanha, no qual as empresas doam altas quantias às campanhas de determinados parlamentares e, em troca, recebem favorecimentos políticos. Defendemos o financiamento público de campanha para dar fim a esse balcão de negócios que muitos mandatos representam. Urge o aprofundamento dos alicerces da democracia brasileira com exercício pleno da cidadania pela transformação da sociedade. Soberania popular é essencial para a definição do Estado que queremos: público e democratizado.