Sindicatos estudam novos modelos para ampliar as bases de representação

Share on facebook
Share on twitter
Share on whatsapp
Share on email

Ataques aos direitos e à organização dos trabalhadores colocam na pauta a reestruturação das entidades, afirmam juristas e dirigentes. Piloto da CUT será com o macrossetor da indústria

1º Seminário Direitos Humanos, Organização Sindical e Negociação (8/8/2019, RJ) – Foto: Camila Marins/Fisenge

Fonte: Senge-RJ/Escrito por Verônica Couto

As iniciativas do governo federal para destruir a capacidade de financiamento da organização dos trabalhadores, de um lado, e a dinâmica econômica das novas tecnologias, de outro, colocaram na pauta do movimento sindical a procura por novas formas de estruturação e representação. O objetivo é ampliar a base dos sindicatos, ainda que isso signifique romper as fronteiras tradicionais das atividades profissionais ou dos setores econômicos. Para alguns sindicalistas, juristas e especialistas, devem surgir novas federações ou confederações e entidades capazes de agregar um conjunto mais amplo de trabalhadores, em que caibam, além dos contratados, aqueles que estão no mercado informal, atuando na prestação precária de serviços ou como microempreendedores individuais.

Na CUT, já está sendo discutida a possibilidade de transformar o macrossetor indústria da central em uma confederação de abrangência nacional, diz Edson Rocha, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Niterói e secretário de Administração e Finanças da Confederação Nacional de Metalúrgicos. O macrossetor indústria inclui metalúrgicos, químicos, trabalhadores da construção civil e do ramo de alimentação, cujos representantes têm se reunido mensalmente. 

“Um novo desenho sindical tem que nascer”, afirma o sindicalista, lembrando que já há entidades internacionais nesse modelo, como a IndustryAll, com base na Suíça, na sede da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Além de fortalecer a busca de soluções para problemas comuns e o enfrentamento a práticas corporativas transnacionais, essa solidariedade internacional também significa apoio financeiro.

“Voltamos a ter ajuda de sindicatos europeus”, conta Edson. “Por exemplo, se há um projeto no Brasil que ajuda a estruturar e organizar o trabalhador, se você for filiiado à IndustryAll, a entidade colabora para realizar o evento no seu país.”

Concut e mercado informal
No 13º Concut (Congresso Nacional da CUT “Lula Livre” – Sindicatos fortes, direitos, soberania e democracia), marcado para os dias 7 a 10 de outubro, na Praia Grande (SP), o debate sobre a reorganização sindical vai enfrentar também as realidades impostas pelas tecnologias digitais e o trabalho informal, onde estão atualmente mais de 40% da força produtiva, segundo o Dieese. “O Concut vai debater esse tema: quem nós queremos representar”, adianta Virgínia Berriel, que representou a Central durante o 1º Seminário Direitos Humanos, Organização Sindical e Negociação Coletiva, promovido no dia 8 de agosto, na sede do TRT, no Rio, por seis centrais sindicais em conjunto com o Sindicato dos Engenheiros do Estado do Rio de Janeiro (Senge-RJ), a Federação Interestadual dos Sindicatos de Engenheiros (Fisenge) e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RJ),

“Muitos trabalhadores estão no mundo informal; temos que representá-los”, defendeu Virgina. “Vamos discutir uma proposta de reorganização por conta das novas tecnologias: aquele entregador que está levando comida numa bicicleta do Itaú — ele não tem nada, nem carteira assinada, nem a bicicleta, e precisa ser representado. Isso vai ser discutido no Concut.”

Durante o Seminário, Jorge Barbosa, diretor do Observatório de  Favelas e professor da Universidade Federal Fluminense (UFF), destacou a inventividade e a potência dos grupos sociais mais atingidos pela “asfixia de direitos” da atual  “agenda regressiva”, para a reinvenção da democracia: negros, mulheres, LGBTQ+, trabalhadores sem terra e sem teto, quilombolas, indígenas. “Aqueles que têm hoje a capacidade de radicalizar o processo de garantia e de invenção de direitos”, diz, destacando a “distinção corpórea e territorial de direitos”, na qual a expropriação objetiva e subjetiva se dá no corpo, quando se revela o racismo estrutural, e no território — as periferias onde estão trabalhadores de fábricas, mototáxis, do comércio, etc.

Jorge Barbosa lembrou, nesse sentido, a existência de organizações articuladas na Central dos Trabalhadores Favelados, nos anos 1950, quando identificar-se como trabalhador era um marco de inserção social. “É um momento de violações, supressão e asfixias de direitos, precisamos estar juntos não só para construir resistências e alternativas, mas sobretudo construir proposições de defesa e reinvenção da democracia.”

Queda de arrecadação
De acordo com o Dieese, o fim da contribuição compulsória aos sindicatos provocou uma queda de 90% na arrecadação das entidades, com redução de 100 mil para 88 mil no total de empregados em sindicatos — um corte de 12 mil trabalhadores.

A ofensiva continua para além da reforma trabalhista, diz o diretor técnico do Dieese, Paulo Jager.  “A impressão que temos é a de que, enquanto a correlação de forças permitir, esse movimento vai prosseguir, porque o ideal dessas pessoas [que estão no governo] é que não haja nenhuma mediação na relação de trabalho; que ele seja como uma mercadoria qualquer.” Na sua avaliação, para as transformações que se anunciam para a estrutura produtiva, “não basta [ao movimento sindical]  voltar atrás, tem que se construir uma coisa nova”. 

O sistema sindical representava tradicionalmente toda um categoria, inclusive os não associados, mas que só podia acrescentar novos direitos. Com a reforma trabalhista, um pilar deste equilíbrio é atingido, explica o advogado trabalhista Sérgio Batalha. “Retira qualquer financiamento oficial, até dificulta o recebimento das contribuições, mas mantém, contraditoriamente a representação de toda a categoria, até dos não associados. É agora uma entidade frágil, mas que esá representando toda a categoria. Como fazer dentro desse quadro? Ainda se pode ter um estado de direito, falar em democracia, sem movimento sindical?.”

Convenções internacionais
O procurador do Trabalho João Carlos Teixeira defendeu o resgate dos trabalhadores que estão fora dos sindicatos, inclusive dos que não têm contrato formal de trabalho. Ele cita o artigo 7º da Constituição, que prevê o sindicato como um direito de trabalhadores urbanos e rurais, não só dos empregados. ‘Vocês têm que lutar pela negociação coletiva”, afirmou, durante o seminário, ressaltando a importância de os sindicatos incluírem na pauta as demandas também de microempresários individuais, por exemplo, que podem ser manicures ou outros prestadores de serviços. 

Sugere, ainda, que os sindicatos busquem as convenções internacionais para defesa de seus direitos, como a de nº 135 da OIT, que trata da proteção de representantes dos trabalhadores, chegando, no limite, a questionamentos no tribunal da entidade.  “As convenções internacionais são leis no país e devem ser aplicadas. O Poder Judiciário tem obrigação de atuar. Se ele faz o controle para verificar se as regras estão compatíveis com a Constituição, também deve ver se as leis estão de acordo com as convenções. “

A reforma trabalhista inverteu a lógica do direito do trabalho, cujo fundamento está na proteção do trabalhador. Foi feita para proteger, agora, a empresa e o empresário, ressaltou  o desembargador Gustavo Tadeu Alkmin, do Tribunal Regional do Trabalho. “É algo mais perverso, porque traz todo um discurso de modernizar as relações de trabalho, criar emprego, e de que é preciso prestigiar os sindicatos. Como? Fazendo com que o que eles negociarem prevaleça sobre tudo que está na lei. Mas, na outra mão, esfacela os sindicatos, sem reforma estrutural nenhuma. O que nós temos hoje é esse paradoxo.”  Nas relações de trabalho, critica o desembargador, a palavra-chave solidariedade foi substituída pelo “empreendedorismo”.

Novos modelos de produção
O projeto regressivo é fazer do Brasil um grande provedor de alimentos, minério e energia, diz o  coordenador de Educação do Dieese, Fausto Augusto Júnior. Enquanto isso, no mundo, avança o processo de reorganização do capitalismo: em que as empresas deixam seu papel de fabricantes ou comerciantes para se tornarem todas provedoras de serviços. Não vendem o carro, mas o serviço de mobilidade. 

“O modelo de produção está em crise e o sindicalismo construído a partir da grande planta fabril também”, diz Fausto. “As corporações deixam de ser corporações  industriais para virarem essa amálgama de setores. É uma mudança na estrutura produtiva da organização econômica, que intensifica formas de exploração do trabalho que, historicamente, os sindicatos não representaram.”

Apesar das avançadas tecnologias disponíveis na atualidade, ele aponta a atividade de desmantelamento de navios, concentrada principalmente na Índia e em Bangladesh, feita ainda na base do maçarico e da força bruta, com alto índice de mutilamento e acidentes. “Nenhuma regulação sindical e oferta de mão de obra barata levam a isso. A escolha da tecnologia será definida pela regulação e o custo de investimento. Uma das propostas para o Rio de Janeiro é entrar no mercado de desmanche de navios, resta saber com que tecnologia faremos isso.” 

Nos novos arranjos de trabalho, que incluem a chamada uberização, contratos intermitentes, entre outras formas, a questão, diz o especialista do Dieese, é como lidar com a heterogeneidade de formas de contratação. “O movimento sindical vai ter que definir se representa o trabalhador ou um contrato de trabalho. A discussão é como manter sua relevância social. O movimento sindical não vai acabar; enquanto houver trabalhadores oprimidos, alguma coisa vai organizá-los. A pergunta é se será conosco ou não. O mundo está mudando para pior, e cabe decidir se vamos representar um único contrato de trabalho, ou pensar um movimento sindical para este novo mundo.”
 

Links para assistir ao seminário:
https://www.youtube.com/watch?v=5mKTOhvwGeo&feature=youtu.be&fbclid=IwAR1PeemXfjnFsCu46LdKv6aLFvbzgN2Vums7oqpSETX1pEHtXAKCy4sohzQ

https://www.youtube.com/watch?v=CMsLp0sQVYI&feature=youtu.be&fbclid=IwAR2O8jrDFenCp5yBsLUIPDDLSWBkvtF26wG1c5lUP19suApNnWYH9fp3c78

 

Carta do Rio

No final do 1º Seminário Direitos Humanos, Organização Sindical e Negociação Coletiva, a Central Única dos Trabalhadores (CUT), Força Sindical, União Geral dos Trabalhadores (UGT), Central dos Sindicatos Brasileiros (CSB), Nova Central Sindical de Trabalhadores (NCST) e Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), parceiras na sua realização, ao lado do Senge-RJ, Fisenge e OABRJ, divulgaram uma carta reforçando a importância da ação sindical na luta por direitos para as “pessoas que trabalham por qualquer forma de contratação” e exigindo limites à desumanização das relações de trabalho. Abaixo, o documento na íntegra: 

É possível perceber claramente no Brasil de nossos dias um projeto que visa, no mínimo, invisibilizar as organizações sindicais como atores sociais relevantes para a construção de projetos emancipadores para o país. É clara a intenção de suprimir desses grupos a possiblidade de levar ao debate público sua perspectiva e projetos de vida.

A ação sindical é instrumento indispensável para a geração de direitos para todas as pessoas que trabalham por qualquer forma de contratação. As Centrais Sindicais brasileiras vêm exigir a imposição de limites à desumanização das relações de trabalho, a urgência em se concretizar a Constituição de 1988 e a normativa internacional trabalhista e dos direitos humanos.

Inúmeras alterações forma introduzidas pela Lei 13.467/2017 (reforma trabalhista), aprovada, sem debates sérios, em menos de um ano pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, sancionada pelo ex-presidente Temer, apesar da reprovação de diversas associações de Juízes do Trabalho, de Procuradores do Trabalho, de Auditores Fiscais do Trabalho, de sindicatos de trabalhadores, das Centrais Sindicais e do próprio Ministério Público do Trabalho, todos diferentes desenhistas das instituições trabalhistas

Imposta de forma antidemocrática, sem o debate amplo, aberto e transparente, a reforma trabalhista precarizou as relações de trabalho com o aumento das formas contratuais (contrato temporário, por prazo determinado, terceirização, contrato intermitente, contrato do autônomo contínuo etc.), criou obstáculos para o acesso à justiça, buscou subverter as negociações coletivas (de instrumento de conquista de melhores condições de trabalho e de vida, para meio privilegiado de supressão de direitos), suprimiu de modo abrupto do financiamento das entidades sindicais, pretendeu estabelecer a individualização das negociações (no caso de empregados com nível universitário, e salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social), impôs restrições à atividade hermenêutica e interpretativa das normas coletivas e da legislação do trabalho pelos Juízes, dentre outros retrocessos, agravados por sucessivas medidas posteriores.

O arranjo imposto de forma antidemocrática tem potencial para agravar antigas dificuldades de institucionalização da plena liberdade sindical no Brasil, e de efetividade dos direitos até então conquistados.

A precariedade é desagregadora em si, dificulta a criação e fortalecimento de laços de solidariedade, o sentimento de pertencimento, a organização coletiva necessária para diminuir a brutal assimetria existente nas relações entre o capital e o trabalho. Este 1º Seminário reforça nosso compromisso de diálogo permanente e nossa união em defesa da democracia e, somando ao movimento popular de reação à desregulamentação de direitos trabalhistas, expressamos nossa resistência coletiva ao golpe, à barbárie.

Rio de Janeiro 8 de agosto de 2019

CUT, CENTRAL ÚNICA DOS TRABALHADORES

FORÇA SINDICAL

UGT, UNIÃO GERAL DOS TRABALHADORES

CSB, CENTRAL DOS SINDICATOS BRASILEIROS

NCST, NOVA CENTRAL SINDICAL DE TRABALHADORES

CTB, CENTRAL DOS TRABALHADORES E TRABALHADORAS DO BRASIL