No dia 7 de agosto, a Lei 11.340/06, mais conhecida como Lei Maria da Penha, completou sete anos. De lá para cá, a vida das mulheres brasileiras ganhou mais direitos, dignidade e respeito. A violência contra as mulheres, finalmente, foi reconhecida como uma violação de direitos humanos, e não mais um problema da esfera privada. Agora, em briga de marido e mulher, se mete a colher, sim. Qualquer “ação ou omissão que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial” é crime inafiançável.
A conquista foi fruto da luta de muitas mulheres, em especial a Maria da Penha, cuja lei leva seu nome em homenagem, por ter sido vítima de violência, como também pela sua luta incondicional pelos direitos das mulheres. Maria da Penha é o retrato da violência contra a mulher no Brasil. Violência, esta, que se dá, sobretudo nos lares e, na maioria dos casos, o agressor é o próprio companheiro ou parentes próximos. Maria, que é farmacêutica bioquímica, foi casada com Marco Antonio Heredia Viveros, economista e professor universitário.
Pai de seus três filhos, Viveros tentou por duas vezes matá-la. A primeira tentativa foi um disparo de arma de fogo na sua coluna, o que a deixou paraplégica. Anos depois, dentro do banheiro de casa, ele tentou eletrocutá-la. Além da crueldade e da covardia sofrida, Maria teve de enfrentar o descaso público e a impunidade do sistema judiciário brasileiro. Apenas 19 anos depois da primeira tentativa de assassinato que Viveros foi preso. No entanto, cumpriu apenas 1/3 da pena, sendo solto após 16 meses de reclusão.
Maria da Penha, que virou símbolo da luta incessante contra a violência à mulher, após a promulgação da lei, teve a sua vida transformada, assim como a de muitas brasileiras. “Minha vida não é mais minha. Posso dizer que não tenho mais vida pessoal. Porém sou muito feliz! Hoje, viajo por todo o Brasil proferindo palestras e divulgando a Lei Maria da Penha. Nunca imaginei que minha luta chegasse aonde chegou, mas o mais importante é saber que contribuí para que as mulheres do meu país tenham um mecanismo para romper com a violência que vivenciam dentro dos seus próprios lares”, contou.
Apesar de a lei ser recente, segundo a pesquisa “Percepção da sociedade sobre violência e assassinato de mulheres”, 98% da população já ouviu falar da Lei Maria da Penha, o que mostra o reconhecimento social da questão. E, nos últimos anos, as notificações não param de crescer. Para Maria da Penha, a lei encorajou as mulheres a romper com o silêncio. “O aumento no número de denúncia mostra que as mulheres estão acreditando mais nas políticas públicas e agora têm mais coragem de denunciar. Os casos de violência contra a mulher sempre existiram, só que de forma velada. Agora a mulher conta com o apoio de uma Lei para livrá-la de uma vida de medo e opressão”, afirmou.
Desde a sanção da lei, em 2006, já tramitaram nas varas exclusivas de violência doméstica e familiar contra a mulher, mais de 677 mil procedimentos. A violência contra a mulher ainda assume proporções gigantescas no país. Nos últimos 30 anos, o número de feminicídio aumentou 230%, sendo que, só na última década foram assassinadas 43,7 mil mulheres. Dessas, em quase 70% dos casos a violência aconteceu no ambiente doméstico.
No entanto, para Leila Rebouças, assistente técnica do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (CFEMEA), apesar das estatísticas oficiais, a violência contra a mulher ainda é um crime marcado pela subnotificação. “Um dos grandes problemas apontados no relatório final da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) de enfrentamento da violência contra as Mulheres em julho deste ano, foi o de que em todo o Brasil, os dados sobre a violência contra as mulheres não são confiáveis. Isso, porque ainda não existe um mecanismo que consolide os dados estaduais ou nacional das delegacias, hospitais, defensorias, juizados, e centros de referência”, alertou Leila.
Violência institucional
Além da falta de dados consolidados que tornem visíveis as violências sofridas pelas mulheres, para aquelas que tomam coragem para denunciar a vida de opressão se deparam com outro tipo de violência: a institucional. Atualmente, em nível nacional, são quase 1.000 postos de serviços especializados para a mulher vítima. Por meio da Lei Maria da Penha, diversos mecanismos de enfrentamento a esse crime foram instituídos. Ao longo desses sete anos, Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAM), Centros de Referência de Atendimento à Mulher, Serviços de abrigamento, Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, entre outros serviços de atendimento às mulheres foram criados.
Segundo a coordenadora nacional da Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB), Rogéria Peixinho, apesar de os centros especializados oferecerem atendimento multidisciplinar, a principal reclamação é a falta de tratamento humanizado. “Devemos exigir a garantia do cumprimento dos direitos humanos, protegendo as mulheres com dignidade, respeito e sensibilidade. O atendimento deve ser integral e ético, sem pré-julgamentos ou críticas. O acolhimento é a melhor ferramenta na reabilitação psicossocial das mulheres vítimas de violências”, alerta Rogéria.
Em julho deste ano, foi realizada uma CPMI da Violência contra a Mulher, no Senado Federal, com a “finalidade de investigar a situação da violência contra a mulher no Brasil e apurar denúncias de omissão por parte do poder público com relação à aplicação de instrumentos instituídos em lei para proteger as mulheres em situação de violência”. O relatório final apresentou 68 recomendações gerais aos governos federal, estaduais e municipais e a todo sistema judiciário, além de sugestões específicas aos 27 estados brasileiros as orientações específicas a partir das avaliações dos serviços. A ação foi vista como um avanço e uma forma de pressionar o poder público por avanços. “Falta acima de tudo, vontade política para mudar de verdade essa realidade. Se o machismo não for combatido em todos os seguimentos da sociedade não teremos o fim da violência contra as mulheres”, concluiu Rogéria.
Segundo a pesquisa “Percepção da sociedade sobre violência e assassinato de mulheres”, 85% da população acreditam que se a mulher denunciar o agressor corre mais riscos de sofrer assassinato. Além disso, 91% afirmam que os assassinatos de mulheres estão mais cruéis hoje em dia, do que antes. A principal queixa da população brasileira (75%) é que a justiça não pune os crimes praticados contra as mulheres. A percepção da sociedade não está equivocada. O Brasil figura em 7º lugar no ranking mundial de assassinatos de mulheres. Uma posição bastante elevada para um país democrático e minimamente progressista.
Além da Lei Maria da Penha ter como eixo a prevenção e a educação, a Organização dos Estados Americanos (OEA) já recomendou ao Brasil a adoção de uma disciplina nos currículos escolares que aborde temas como respeito à mulher e conflitos familiares, que, até agora, não foi implementada. “Somente por meio da educação e de ações pedagógicas podemos pensar na construção de uma sociedade mais justa e igualitária e contribuirmos, com isso, para a construção de uma cultura de paz”, concluiu Maria da Penha.
Fonte: Comunicação Fisenge