Senge-RJ promove palestra sobre a importância do corpo no humanismo de Leonardo Da Vinci

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Palestra aberta ao público traz os aspectos visionários do artista que uniu razão e emoção, arte e ciência, presentes hoje na engenharia e na neurobiologia.

No próximo dia 27 de junho (quinta-feira), às 18h, o gênio do Renascimento será tema das palestras do professor Agamenon R. E. Oliveira, da Escola Politécnica da UFRJ, e da professora Maira M. Fróes, do Instituto Tércio Pacitti de Aplicações e Pesquisas Computacionais (NCE) e do Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia (HCTE/UFRJ). O evento marca os 500 anos da morte do artista e pensador multidisciplinar, e será aberto ao público, no auditório do Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio de Janeiro (Senge-Rio). Leonardo da Vinci antecipou a ênfase ao movimento das formas, tanto nas invenções da mecânica, quanto em seus estudos da natureza. Sua maneira de perceber o mundo, explicitando a harmonia entre forma e vida (ou movimento, ou função), é evidente em suas obras e reconhecida hoje pela neurobiologia como base para a compreensão da experiência humana, na qual ser humano e natureza formam um sistema maior integrado. Numa escala individual, razão e emoção, corpo e pensamento, não se excluem. Ao contrário, representam dimensões imbricadas e complementares.

O professor Agamenon, que também é diretor do Senge-RJ, destaca a importância de revisitar os ensinamentos de da Vinci, em particular no contexto político atual. “Diante da onda conservadora que atinge vários países do mundo, inclusive o Brasil, propagando ideias que se opõem ao nosso legado científico e humanístico acumulado durante séculos, homenagear Leonardo da Vinci significa fortalecer seu pensamento e ação voltados a uma relação que visa o bem estar das pessoas, inseridas na natureza da qual são parte indissociável, em permanente transformação.”

As ideias do artista, embora não tenham mais o mesmo significado de cinco séculos atrás, diz Agamenon, “adquiriram novos significados e nuances e não deixam de colocar o ser humano no centro de nossas preocupações, sempre em harmonia com a natureza.”

A biológa e professora Maira também chama a atenção para a presença destacada e dinâmica da natureza em da Vinci. “As obras que remetem à observação da natureza, os corpos vegetais, animais e humanos, as representações, sobretudo no desenho, têm em comum o aspecto do movimento”, explica. “Como se o artista quisesse representar o processo do existir vivo numa imagem ou em uma sequência delas. E também mergulhar no que não se mostra num primeiro momento. Ou seja, o movimento está implícito na forma em da Vinci, dando um sentido funcional aos elementos representados no desenho.”

Seu olhar inquiridor sobre a natureza transparece na construção do desenho, que, por sua vez, parece movimentar-se e antecipar os demais registros na sequência, sugerindo que o entendimento da natureza por da Vinci era um moto-contínuo com a execução de suas obras. “O desenho se torna um processo de construção narrativa, da história de como determinado sistema funciona”, propõe Maira. “Mesmo as máquinas idealizadas pelo artista derivam, em grande parte, da percepção dos movimentos da natureza.” O desenho e o trabalho de da Vinci, observa a pesquisadora, formam um sistema no qual os processos de ação, percepção, cognição se retroalimentam, fazendo parte da própria maneira do artista experimentar e representar o mundo.

Equívoco do corpo
“Leonardo da Vinci é um intelectual com alto grau do que hoje chamaríamos de enlevo estético; precisa estar envolvido esteticamente, subjetivamente, com a própria obra. Não só no sentido mais corriqueiro da harmonia, da beleza da forma, mas do processo em si, que se torna um sistema capaz de instruí-lo no trabalho de construir a narrativa sobre a função de uma dada estrutura.” Por exemplo, ao exagerar os traços da musculatura nos desenhos, ao comparar seus estudos em corpos vivos e cadáveres, ele buscava, segundo a professora, capturar os elementos capazes de dar movimento e distinção às formas vivas: “a imagem, o desenho, a expressão artística, a máquina, mesmo aquela que não funcionava, da Vinci via em funcionamento, não eram imagens paradas, eram estudos de processos em ação, dinâmicos, em movimento.”

A consciência da importância do corpo do artista, seus sentidos, seus sentimentos estéticos, o fluxo contínuo, acoplado, dos movimentos presumidos de seus olhos e de suas mãos – para a narrativa da representação – será a base para o paralelo com a neurobiologia contemporânea. “A neurobiologia de sistemas fala do processamento da experiência humana no mundo como resultado de aspetos integrados de um sistema que é corpo, razão, afeto, memória, tudo junto”, diz Maira. “As pesquisas apontam, hoje, que nosso corpo, com os sentidos, sentimentos e intuições, é um sistema de cognição inteligente, essencial para transformar a experiência numa expressão narrativa, gerada em diferentes linguagens.”

Razão e emoção
Essa percepção, presente em da Vinci e resgatada na ciência contemporânea, foi, contudo, rejeitada pelo pensamento cartesiano que marcou o desenvolvimento científico e filosófico do Ocidente. “Em Descartes, todos os aspectos do corpo, que ele identifica como não racionais, deveriam estar fora do processo metódico que fundaria as bases filosóficas da ciência, pois eram tidos como não civilizados”, compara Maira. “ É o que Descartes vai classificar como ‘equívoco do corpo’ – o processo de civilização dependia, então, para ele, de calar o corpo que atrapalhava o modo racional de apreensão e narrativa da experiência.” Derivaram daí a separação e mesmo o antagonismo entre arte e ciência, razão e emoção que marcaram o desenvolvimento do pensamento ocidental até bem recentemente.

Pois um século e meio antes de Descartes, a pesquisadora ressalta, da Vinci já afirmava em suas obras a centralidade do corpo para gerar experiências complexas, baseadas em observação e expressão metódicas, e com isso o próprio conhecimento – inspirando conceitos que entendem o “corpo por inteiro”. A neurobiologia, agora, se encontra em condições de começar a compreender o processo criativo de da Vinci, reconhecendo que não há processo cognitivo sem processamento emocional e afetivo, diz Maira.

“Se o indivíduo estiver doente, não estiver processando bem as emoções, terá sua capacidade cognitiva comprometida”, afirma Maira. “Emoção e razão são indissociáveis; são aspectos da mesma função que é o processamento da experiência. Razão, tanto quanto emoção e ação são expressões vinculadas diretamente à biologia – estão no corpo, que, em da Vinci, o maior gênio que a história já conheceu, fez parte explícita da construção de seu inigualável e sempre atual legado de conhecimento.”

 

Fonte: Senge-RJ