Senge-RJ: Lei de Uso e Ocupação do Solo da Cidade do Rio Documento produzido a partir das intervenções realizadas no seminário sobre LUOS

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CONCEITOS E CONTRADIÇÕES DA LEI DE USO E OCUPAÇÃO DO SOLO DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO
Os modelos de cidades compactas mais comuns, quando se trata da forma como se dá sua urbanização e expansão, são as espraiadas e as de urbanização dispersa. Em cidades sujeitas a intensos processos de expansão, seja em área ou em volume, os dilemas entre o adensamento para maior dinâmica econômica e a preservação da qualidade das estruturas sociais, da singularidade da vida e do convívio urbanos, estão sempre presentes. Assim, consideramos que a discussão da Lei de Uso e Ocupação do Solo da Cidade do Rio de Janeiro não poderá desprezar a temática do adensamento e das densidades, o que exigirá um (re)conhecimento conceitual e empírico de suas diferentes consequências sobre os padrões de urbanidade socialmente desejáveis e possíveis em bairros de formação tão díspares quanto os da nossa cidade.

Daí advém a importância de perguntarmos: quão densa é, ou poderá ser, cada parcela de nossa cidade? Quais são os limites? Existem limite? Em função de quê? Quais os custos e benefícios de uma determinada taxa de ocupação e densidade populacional? Quais são os critérios a serem considerados em decisões de planejamento para os diferentes bairros?

Estamos cientes de que a definição da densidade urbana é um assunto complexo e muito amplo. Decisões tomadas sobre a adoção de índices de densidade predial terão um impacto significativo na saúde, no meio ambiente, na produtividade das cidades e no processo de desenvolvimento humano como um todo. Mas, há um vasto conjunto de dados e experiências relevantes que, quando cotejados, podem oferecer referências úteis para o processo decisório em planejamento urbano.

 

Por um lado, densidades urbanas afetam diretamente os processos de desenvolvimento, tanto na escala metropolitana quanto na escala da cidade e dos bairros. Entre eles, os congestionamentos, a falta de espaços de lazer, a baixa qualidade ambiental, entre outros. Por outro lado, as decisões a cerca das densidades também influem nas decisões do Governo com relação aos custos de urbanização de novas áreas.

Essencialmente, as cidades, e os bairros por natural extensão, deveriam ter como finalidade, em primeiro lugar, o atendimento das demandas coletivas dos cidadãos, oferecendo condições para o exercício da cidadania. Afinal, é nelas que pretendemos realizar nossos sonhos de viver, trabalhar, criar família, ter lazer, obter educação para nós e nossos filhos, e saúde para enfrentarmos as adversidades.

Diversos discursos foram escritos sobre o assunto. Um desses, de autor ainda desconhecido, atraiu particularmente nossa atenção, por se tratar da introdução do “Relatório” do Projeto do Plano Diretor Decenal, produzido em 1991 por técnicos da Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro e membros da Academia. Esse texto afirma que

“qualquer intervenção urbana, um desvio de tráfego, a construção de um viaduto, pode causar mudança sociais, comportamentais e culturais profundas, pode desagregar estruturas sedimentadas, essenciais para a compreensão da cidade. Um projeto urbano desastrado é, às vezes, pior que um bombardeio. Um comportamento urbano violento gera, quase sempre, violência. Uma cidade delicada é essencial para produzir seres polidos… Um urbanismo equivocado que não tenta minorar as desigualdades sociais tem contribuído para violentar o caráter do carioca.”

A importância dessas palavras, no nosso entender, não se limita aos pontos de vista expostos; está também no documento ao qual se integra, o Plano Diretor Decenal da Cidade do Rio de Janeiro de 1992.

Esse plano foi idealizado para se constituir no instrumento básico da política urbana do nosso município, parte integrante do planejamento continuado da cidade. O Plano Diretor, Lei Complementar nº 16, de 4 de junho de 1992, não foi integralmente regulamentado nem implementado e foi substituído por um outro voltado para o mercado, direcionado para a especulação imobiliária, que trata a nós, cidadãos, como clientes e não como munícipes, razão de ser de uma unidade de uma federação democrática.

A Cidade do Rio de Janeiro, fundada em 1565, evoluiu ao longo do tempo, até os dias de hoje, acolhendo projetos de intervenção modificadores de sua estrutura, vencendo as dificuldades impostas pelo território onde se encontra, segundo interesses capitalistas, em detrimento das necessidades da maioria, excluída da História. Essa perspectiva foi objeto de vários estudos.

Nenhuma das tentativas de ordenamento global da cidade foi implementada. Apenas algumas proposições foram introduzidas, colaborando para a manutenção das desigualdades socioespaciais. Os instrumentos legais que tradicionalmente contribuíram para a produção da configuração do território municipal foram leis e decretos sobre o zoneamento e relativos às 

condições edilícias voltadas para a construção da parte formal da cidade.

Sabemos que mais de 50% da área do Rio de Janeiro é ocupada irregularmente. Ao logo da história da cidade as leis e decretos limitaram-se quase unicamente a referendar a situação vigente. Elaboradas sem o suporte de diretrizes gerais para o desenvolvimento urbano, os caminhos escolhidos para a expansão da cidade e as tendências de ocupação do solo pré-existentes persistiram no rumo da construção da nossa cidade considerando-a como mercadoria.

Os Projetos de Estruturação Urbana – PEUs, criados a partir do final da década de 1970, constituíram uma tentativa frustrada de se planejar o uso do solo por bairro ou conjunto de bairros, com o intuito de consolidar propostas integradas para as questões urbanas comuns a vários deles, levando em conta as particularidades de cada um deles. Alguns poucos contaram com uma modesta participação popular, ao final descartada, quando esta deveria ser a sua tônica e a principal fonte de informações. O Governo de uma cidade tem como função primordial atender aos anseios e necessidades de seus moradores.

O demasiado adensamento de certas áreas da cidade, dotadas de razoável infra-estrutura resultou da inexistência de um planejamento integrado que fosse reproduzido na legislação urbanística. Enquanto isso, outras áreas permaneceram sem meios para um crescimento ambientalmente saudável. As áreas adensadas passaram a ter graves problemas ambientais. Disso resultou um grande número de habitações produzidas ao arrepio de quaisquer leis ou decretos, “inchando” os setores formais e provocando o crescimento dos setores informais, intimamente ligados e daqueles dependentes.

O Plano Diretor de 1992 limitava o adensamento das Unidades Espaciais de Planejamento – UEPs – através de fatores como a oferta de transporte, os vetores de crescimento e expansão do Município, as condições ambientais e as áreas prioritárias para investimentos em transporte e saneamento básico. A tradução desses limites era feita através de índices de aproveitamento de terreno (IAT), com os quais são calculadas as áreas máximas passíveis de edificação em cada lote. O detalhamento desses IATs contemplava, onde fosse necessária, a garantia de preservação do perfil das edificações e logradouros da cidade, pela manutenção do gabarito predominante.

Vale ressaltar que a redação do artigo 454 da Lei Orgânica do Município do Rio de Janeiro, que trata desse assunto, é a seguinte: “Os plano diretor conterá disposições que assegurem a preservação do perfil das edificações de sítios e logradouros de importância especial para a fisionomia urbana tradicional da cidade, através da manutenção do gabarito neles predominante em 5 de outubro de 1989.”

Entre os diversos estudos que antecederam o Plano Diretor de 1992, utilizou-se um modelo matemático para estabelecer limites para o uso e ocupação do solo, cruzando dados estatísticos da população com o número de empregos e a capacidade do sistema de transportes. Na simulação em que foi considerada a rede de transporte de 1990, acrescida por projetos viários que poderiam ser executados nos dez anos seguintes, cruzando com os dados da população e o número de empregos nas Regiões Administrativas – RAs foi verificada a necessidade de contenção de adensamento em quase a totalidade das RAs.

Em 2011, um novo Plano Diretor foi preparado pela Prefeitura e aprovado pela Câmara de Vereadores. Outras leis e decretos precisavam ser produzidos para complementar o texto legal. Atualmente, a Prefeitura, através da sua Secretaria Municipal de Urbanismo, tentar aprovar um conjunto de leis – entre elas uma fundamental, a Lei de Uso e Ocupação do Solo Urbano – que, se aprovada tal como apresentada, significará a outorga – a entrega sem ônus -, da nossa cidade à especulação imobiliária, o que significará que continuaremos tendo nossos destinos ditados pela lei do demole e reconstrói, segundo os interesses meramente pecuniários dos especuladores.

A cidade continuará a crescer para onde os interesses financeiros e imobiliários desejarem, mesmo sem prever se a população que passará a residir nos novos núcleos e edificações terá o direito legítimo de acesso a meios de transporte coletivo de massa de qualidade, acesso a água e esgoto descentes, escolas e creches próximos de suas residências, assistência médica, ruas arborizadas e livres de poluição do ar e sonora, garantias da sua saúde física e mental.

No dia 8 de novembro de 2013 – Dia Mundial do Urbanismo -, foi realizado no auditório do SENGE/RJ, um seminário denominado Lei de Uso e Ocupação do Solo da Cidade do Rio de Janeiro – Conceitos e Contradições, que teve como objetivo principal recolher sugestões para o aprimoramento do texto legal e o aprofundamento de questões como a do adensamento, visando encaminhamento tanto ao Legislativo quanto ao Executivo.

Durante o desenvolvimento do seminário, foram apresentadas diversas contribuições de técnicos, pesquisadores, professores e profissionais, com a apresentação de palestras, cujo objetivo era evidenciar a situação da cidade, a partir do que se poderiam propor modificações na forma de ocupação da cidade. A organização do seminário, composto de dois painéis, durante os quais vários palestrantes desenvolveram temas ligados à LUOS e, mais particularmente, à questão do Adensamento Populacional e a Densidade do Potencial Construtivo. Na dinâmica utilizada, após as diversas apresentações, foi organizada uma seção de debates com a maciça intervenção da platéia, cujas contribuições e propostas foram incorporadas ao texto base proposto na abertura do Seminário .

O primeiro painel, coordenado pela Profa. Cristina Nacif (UFF), teve início com uma apresentação de fotografias dos mais diversos bairros da cidade, obtidas pelo economista Gilson Koatz (FIES), mostrando exemplos de ocupação urbana que devem ser preservados, modelos de ocupação que precisam ser evitados, e outros ainda em construção que jamais deveriam sair do papel.

Em seguida, o Prof. Flávio Villaça (USP/SP), apresentou palestra “Aspectos Conceituais da LUOS (Rio Plano & Intervenções Urbanísticas)“, cuja principal contribuição foi a tese de que toda Lei deve ter 

um capítulo de sanções, pois sem ele não há como se fazer a lei ser cumprida.

Na sequência, o Vereador Eliomar Coelho (PSOL), junto com a Procuradora do Município Sonia Rabello (UERJ), teceram diversos comentários sobre “A Tramitação da LUOS no Legislativo”, procurando apontar as dificuldades e os impedimentos que os vereadores mais progressistas encontram ao pretender trazer o conteúdo da LUOS ao debate pelos Cariocas.

Finalizando o painel, a coordenadora, além de tecer alguns comentários sobre à LUOS, consolidou as propostas apresentadas nas palestras e falou da experiência quem vem tendo com os alunos pesquisadores, seus orientados, sobre o tema.

O segundo painel, com o tema “Densidade Urbana, LUOS e PEU’s. Que dizem os planejadores?” coordenado pela Profa. Julieta Nunes (UFRJ), teve como primeiro palestrante o Prof. Jorge Martins (UFRJ), que desenvolveu o tema : “Densidade e Mobilidade Urbana”, onde mostrou as inconsistências e contradições das ações do poder público.

“A LUOS e os instrumentos da Política Habitacional” foi tema da Arquiteta Rose Compans, abordando os mecanismos utilizados pelo mercado imobiliário para elevar e compartimentar as 

escalas do negócio e o valor da terra. Deixou como proposta a obrigatoriedade da existência de grupamentos habitacionais de baixa renda em projetos urbanísticos incentivado pelo poder público.

O Prof. Alex Magalhães (UFRJ) apresentou palestra sobre “Controles do Adensamento no Decreto 322 e no PLC 33/103”, quando abordou a interpretação dessa legislação urbana sob o enfoque jurídico.

Arquiteta Gisela Santana (UFPE), apresentou os problemas, as causas e consequências do acelerado processo de adensamento urbano de Jacarepaguá, onde atua junto a associação de moradores, sobretudo na localidade da Freguesia. Seu objetivo era alertar sobre os enormes prejuízos ambientais motivados pelo corte de centenas de árvores, a ocupação das encostas e áreas frágeis, agravando as inundações e as ilhas de calor devido ao aumento da densidade construtiva posterior a legislação do PEU-Taquara.

A Profa. Vera Tangari (UFRJ) apresentou o trabalho por ela coordenado na FAU/UFRJ, sobre a ocupação das áreas das Vargens em Jacarepaguá, áreas permanentemente inundáveis e sempre em risco.

As principais recomendações, sugestões, encaminhamentos e conclusões apresentadas pelo plenário foram as seguintes:

 

Inserir no contexto da discussão sobre a LUOS da cidade do Rio de Janeiro o tema Região Metropolitana;
Considerando que a LUOS proposta pelo Governo Municipal apresenta um caráter genérico e sem dar diretivas ao texto legal, recomendar ao COMPUR e à Câmara dos Vereadores que o projeto seja rejeitado na íntegra;
Preparar substitutivo sem excessos nem redundâncias, evitando ser uma proposta meramente conceitual, mas efetivamente regulamentar;
Operação Urbana, Outorga Onerosa, Transferência do direito de construir, Operações Urbanas consorciadas, temas propostos no Estatuto das Cidades, que devem ser contemplados na LUOS;
Atribuir sanções ao descumprimento das normas, para que as mesmas tenham efetividade na sua aplicação;
Constituição de Grupo de Trabalho, com participação de todos os movimentos sociais, com o objetivo de gerar proposta para encaminhamento à Câmara dos Vereadores, visando interferir no processo de adensamento populacional e na densidade do potencial construtivo da cidade do Rio de Janeiro;
No que tange à relação entre mobilidade urbana e uso do solo, a LUOS deve definir formas de vinculação da política de licenciamento de atividades/edificações, analisando a importância e magnitude do empreendimento e exigindo a apresentação do EIV/RIV, considerando a tipologia, os impactos ambientais, a importância e magnitude do empreendimento a ser implantado;

Os PEU’s – Projeto de Estruturação Urbana – deverão ter o conteúdo mínimo e metodologia previstos na LUOS;
A LUOS, deverá caracterizar o significado de um vetor de expansão ou do adensamento urbano, levando em consideração todos os dispositivos legais, definindo parâmetros urbanísticos, como forma de mitigação e compensação de impactos de vizinhança de empreendimentos;
A LUOS deverá definir os critérios de adensamento e o método de cálculo de densidade (especificando densidade bruta e líquida).
Introduzir nos projetos públicos de reestruturação de áreas abandonadas da Cidade a obrigatoriedade implantação de empreendimentos para população de baixa renda, correspondendo à criação de cotas para atender ao déficit habitacional dessa faixa de renda. Alguns países do mundo instituíram essa forma de inclusão social para melhorar a qualidade de vida das populações mais carente com a geração de mão-de-obra e empregos na região a ser reestruturada.