É possível votar sim ou não em dois projetos de decretos legislativos que tiram as estatais da agenda da privatização. Os PDLs argumentam que a operação seria inconstitucional e perigosa para a soberania nacional.
O Senado Federal abriu uma consulta pública sobre dois projetos de decretos legislativos, que tiram a Dataprev (PDL 191/21) e o Serpro (PDL 190/21) da agenda da privatização. Em ambos, a senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA), autora dos PDLs, aponta que a venda das empresas fere a Constituição. Além disso, a perda de governança pública sobre as maiores bases de dados de cidadãos brasileiros vai na contramão dos princípios firmados na Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e ameaça a segurança e a soberania nacional, conforme avaliações feitas pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e pelo Ministério Público Federal (MPF).
Para votar na consulta, clique aqui:
Serpro
Dataprev
A Dataprev (10.199/20) e o Serpro (10.206/20) são empresas públicas, instituídas por lei federal específica, e, por isso, estão sob controle direto do Congresso Nacional, nos termos do inciso V do artigo 49 da Constituição. Ou seja, criadas por lei, só podem ser desfeitas ou alteradas também pelo Legislativo, argumenta o texto dos PDLs, destacando a inconstitucionalidade da inclusão das duas empresas no Programa de Parcerias de Investimentos da Presidência da República e no Programa Nacional de Desestatização.
Os PDLs citam relatório de 2020, do TCU, que aponta riscos graves à gestão de dados públicos sob a guarda do Estado, caso a privatização se efetive: “ …vale frisar possível risco à segurança dos dados governamentais no que tange à propriedade e à governança dos sistemas e dos dados custodiados, geridos e transformados por empresas públicas de TI (e.g. Serpro e Dataprev) em face das suas reais perspectivas de privatização. As eventuais privatizações da Dataprev (…) merecem atenção especial devido ao fato de os serviços prestados por essas empresas suportarem a infraestrutura tecnológica de órgãos relevantes da administração pública federal, bem como alguns dos principais sistemas de informação e programas de governo relacionados ao processo de TD [tratamento de dados] no Brasil.”
Nota Técnica 2/2021 do Ministério Público Federal alerta, ainda, para os vários obstáculos legais à venda da estatais, entre eles as normas previstas na Lei Geral de Proteção aos Dados (lei n. 13.709/2018 ). Se a empresa for negociada, observa o texto, seu capital deixará de ser integralmente público e seus bancos de dados poderão ser geridos de forma terceirizada.
“Ainda de acordo com a Nota Técnica, no processo de privatização, o Serpro poderá vir a ser controlado por empresa estrangeira, de modo que governos estrangeiros poderiam controlá-lo direta ou indiretamente, tendo acesso a dados e tecnologias em desenvolvimento no Brasil essenciais para sua defesa, segurança e economia. Além do mais, o tratamento de dados pessoais realizados pelo Serpro visa imperativos de segurança nacional, são essenciais à manutenção da soberania estadual, garantem a inviolabilidade dos dados governamentais e são de relevante interesse coletivo”, justifica o texto do PDL. “(…) Sendo assim, a privatização dessa empresa coloca em risco a soberania dos dados dos brasileiros.”
Desigualdade baseada em dados
Para o presidente da Associação Nacional dos Empregados da Dataprev (Aned), Leo Santuchi, dividido o lucro líquido da estatal pelo total de habitantes do país, chega-se a um valor per capita de R$ 0,55. Dificilmente o setor privado seria capaz de oferecer todos os serviços de dados relacionados à Previdência, inclusive as contribuições previdenciárias devidas à Fazenda, por um custo tão competitivo, argumenta. Basta ver a política de tarifas e prestação de serviços dos bancos. O perigo, adverte o dirigente, é fazerem das empresas públicas novos cartórios, cobrando para tratar dados públicos.
O mais grave, contudo, diz Leo, é a perda de governança soberana sobre informações criticas dos cidadãos. A base da Dataprev contém, por exemplo, os registros dos afastamentos dos trabalhaores por problemas de saúde, com as respectivas Classificações Internacionais de Doenças (CID). “Essa informação, em mãos do setor privado, pode impactar na hora da seleção de emprego, ou onerar contratação de plano de saúde”, observa.
Mesmo o setor empresarial começa a perceber o perigo de ter suas informações corporativas, relacionadas à Receita Federal, dívida ativa, etc., controladas pelo capital privado – eventualmente, até por um grupo financeiro. Não é muito difícil imaginar a repercussão do uso desse dado na avaliação de risco de crédito, cita o presidente a Aned.
Além disso, há a questão da soberania, já apontada no PDL. “Empresas como Amazon, Accenture, entre outras, têm interesse nessas bases”, afirma Leo. “E mesmo que os data centers delas estejam no Brasil, não há como controlar ou impedir que as informações sejam processadas no exterior.” Nesse sentido, ele destaca que o Serpro trata, entre outros, os dados do Siscomex-Sistema de Comércio Exterior.
Ao todo, são 3,2 mil empregados na Dataprev, e 8,4 mil no Serpro, considerados de alta qualificação no tratamento de dados. A Dataprev registrou um lucro líquido de R$ 265 milhões, em 2020; e o Serpro, de R$ 462 milhões. O BNDES programou a privatização das empresas para o primeiro semestre de 2022. Outra questão não respondida é – o grupo privado que adquirir as estatais vai levar junto os contratos de longo prazo com clientes da administração federal, conquistados em grande medida pelo fato de envolverem dados críticos, como a Previdência Social para a Dataprev e os ministérios da Fazenda, Trabalho e Planejamento, para o Serpro? Ou O novo controlador vai se submeter a participar de novas licitações, como prevê a norma da gestão pública?
PDL 190/20 (Serpro)
PDL 191/21 (Dataprev)
Saiba mais:
> Consulta Pública sobre a Dataprev
> Consulta Pública sobre o Serpro
> Salve seus dados – Campanha a favor da governança pública, por meio do Serpro e da Dataprev, dos dados pessoais críticos
> Nota da Sociedade Brasileira de Computação (SBC) contra a privatização da Dataprev e do Serpro
https://salveseusdados.com.br/sociedade-brasileira-de-computacao-sbc-tambem-e-contra-privatizacao-da-dataprev-e-do-serpro/
> O cenário perigoso da privatização da Dataprev e do Serpro
https://www.sengerj.org.br/posts/o-cenario-perigoso-da-privatizacao-da-dataprev-e-do-serpro
> Debate Senge RJ com Léo Santuchi, presidente da Aned, Celio Stemback, diretor da Fendados, Rodrigo Assumpção, mestre em Ciências da Comunicação pela USP e ex-presidente da Dataprev, e Felipe Araújo, diretor do Senge RJ
https://www.youtube.com/watch?v=Dzdhe1LaRo4
Fonte: Senge RJ
Foto: banco de imagens Dataprev