No último dia 16 de abril a urbanista Raquel Rolnik, professora da USP, foi convidada para dar palestra sobre Urbanismo no Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio de Janeiro. Raquel, que também foi secretária nacional de Programas Urbanos do Ministério das Cidades, comentou o programa do governo federal de construção de 1 milhão de moradias para pessoas de baixa renda.
Raquel expôs o atual modelo de expansão da cidade do Rio de Janeiro e das metrópoles brasileiras em geral, que é a expansão periférica. O resultado deste tipo de expansão não planejada é uma cidade em níveis desiguais de desenvolvimento. “A cidade acaba se tornando bloqueada para os pobres, que precisam ir para áreas cada vez mais distantes e sem infra-estrutura ou regulação”, afirmou.
Para a professora, o país nunca teve como prioridade programas de incentivo à moradia popular. “O marco dos investimentos foi quando o BNH destinou R$ 1,5 milhão para a construção de casas populares. Além disso, a marca dessa produção foi a precariedade. Precário do ponto de vista arquitetônico, inclusive. Caixote não é moradia adequada”, criticou.
Moradia adequada
Para a urbanista, o conceito de moradia adequada está muito além de simples construções. “É levar em conta que a casa é um ponto do qual se tem acesso a condições básicas de dignidade e sobrevivência. Significa estar conectada com estruturas de saúde, lazer, educação, emprego”, disse.
No entanto, para ela, o Estado nunca foi capaz de dar essas condições às populações empobrecidas. “Quando pensamos no que foi a produção residencial no nosso país, não vemos atuação concreta do Estado. Essa ausência empurrou os mais pobres para as encostas, para as áreas de reserva, sem estrutura, sem recursos, sem orientação técnica. Foram os lugares que sobraram”, analisou.
Déficit habitacional
O Brasil vive uma situação singular no que diz respeito ao déficit de moradias. O que há, de acordo com Raquel Rolnik, é um déficit de habitabilidade, já que existem muito mais imóveis vazios do que a necessidade de ocupá-los. Em São Paulo, o déficit habitacional é de 188 mil moradias, no entanto, existem quase 300 mil imóveis residenciais vazios. No Rio de Janeiro a situação não é muito diferente: embora haja um déficit de 149 mil moradias, há mais de 200 mil imóveis vazios.
Esta situação é uma das questões que nos fazem pensar em qual a real necessidade, para movimentos populares e famílias de baixa renda, de se construírem novas moradias. “Este programa não teve cunho social num primeiro momento, ele foi criado para alavancar a economia”, afirmou Raquel, completando: “No entanto este é um tipo de medida que realmente atinge as classes mais pobres. Subsídios para famílias de baixa renda sempre foi uma das nossas bandeiras históricas de lutas”, disse, referindo-se às lutas dos Engenheiros, Arquitetos e Urbanistas pela justiça social.
Programa “Minha casa, minha vida”
Para Raquel Rolnik o programa recém-lançado do governo Federal para a construção de habitações populares subsidiadas é um feito “revolucionário”. “Nunca houve no Brasil um subsídio tão grande para famílias de baixa renda. Lutamos mais de 50 anos para que isso acontecesse”, afirmou. Entretanto, para a urbanista, o paradigma básico da produção – concentração de renda e de poder – não foi rompido.
“Atualmente está concentrada nas mãos de cerca de dez empresas de construção civil os projetos para a construção dessas moradias. Isso se repete da mesma forma como aconteceu no Chile, na África do Sul e México, que tiveram projetos muito semelhantes a esse”, afirmou Raquel.
De acordo com a estudiosa, algumas soluções para que se evite o ganho excessivo dos donos de terrenos e das construtoras, seria dar incentivos ou criar condicionantes para os municípios reservem terrenos propícios nos centros urbanos, como aplicar IPTU progressivo para áreas não utilizadas ou subutilizadas. “Essa medida evitaria que os terrenos se supervalorizassem e que as construtoras fossem buscar alternativas apenas nas regiões mais distantes dos centros”, disse.
Homogeneidade social: benefício ou prejuízo?
Para Raquel o fato de haver pessoas de uma única classe social e estar previsto no projeto apenas construções habitacionais é um fator negativo ao projeto. “Um amontoado de casas não é sinônimo de cidade. Este processo não cria uma integração com a cidade, ao contrário, pode gerar um sistema de apartheid”, afirmou a estudiosa.
Para ela é fator de preocupação o fato de não haver no projeto condicionantes como escolas, creches, praças, áreas de lazer.
Na foto: A urbanista Raquel Rolnik em palestra no Senge-RJ
Foto e texto: Silvana Sá