Os planos do Governo Federal para atrair investimentos para a instalação de data centers no país já vêm mostrando resultados, apenas dois meses após as desonerações promovidas pelo Regime Especial de Tributação para Serviços de Datacenter (Redata). Com o setor aquecido pelo avanço da inteligência artificial, o objetivo da política pública é multiplicar em quatro vezes a capacidade de processamento de dados no país.
Segundo a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), os pedidos de conexão de data centers aumentaram 6,4 gigawatts. Hoje, o Brasil tem menos de 1 GW destinado à operação dessas instalações. O aumento superou as estimativas da Associação Brasileira de Data Centers (ABDC), que apontava um crescimento potencial de 3 GW com o Redata. A América Latina inteira tem 1,5 GW de capacidade instalada.
O Redata zerou tributos federais como PIS, Cofins e IPI. Também foram eliminadas as tarifas de importação sobre equipamentos necessários para a atividade, baixando a alíquota efetiva de 52% para cerca de 18%.
Em outubro, o Clube de Engenharia, a ConTIC (Federação Nacional de Tecnologia da Informação e Comunicação), a FISENGE (Federação Interestadual de Sindicatos de Engenheiros), a FNE (Federação Nacional dos Engenheiros) e o EngD (Movimento Engenharia pela Democracia) publicaram carta conjunta alertando para o comprometimento da soberania digital e a renúncia da vantagem energética do país para subsidiar corporações estrangeiras, tornando nossa energia mais cara e escassa para o desenvolvimento nacional. Clique aqui para ler a carta.
A questão energética em perspectiva
No momento, o Brasil não enfrenta escassez energética. Mas isso não torna a questão menos complexa. O diretor de Negociações Coletivas do Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio de Janeiro (SENGE RJ) e funcionário de carreira da Eletrobras explica que, nos períodos de escassez hídrica, a energia contratada precisa ser entregue às empresas e, caso não seja possível fornecê-la com as usinas hidrelétricas para não secar os rios, as térmicas terão de ser acionadas, aumentando o custo energético no Brasil inteiro.
“Esses contratos costumam ter validade de sete anos, a custo fixo. Quem está no varejo pode ter que arcar com os gastos para aumentar o processamento de dados que não necessariamente serão consumidos no Brasil. O assédio às instituições públicas também deverá crescer, porque as empresas precisarão alugar cada vez mais data centers”, alerta.
Tema complexo
A energia não é a única preocupação levantada pelo boom de data centers anunciado para o Brasil. Do ponto de vista da soberania nacional, o cenário é nebuloso: se, por um lado, o processamento de dados no país é positivo, por outro, questiona-se qual a efetividade, já que as empresas que mais investem em data centers são as Big Techs.
“Essa infraestrutura estrangeira instalada em território nacional pode, a depender da geopolítica, levar à espionagem. Por isso, seria importante que, pelo menos para os serviços prestados pelo governo, fossem usados data centers controlados pelo SERPRO ou pelas próprias operadoras de telecomunicações aqui instaladas”, destaca Márcio Patusco Lana Lobo, subchefe da Divisão Técnica de Eletrônica e Tecnologia da Informação (DETI) do Clube de Engenharia.
Patusco aponta que os ganhos para o país não são claros. A geração de empregos é baixa, o uso da água para o resfriamento das máquinas é alto e, segundo dados das operadoras, a infraestrutura instalada deverá atender às próprias big techs.
“Quem está por trás disso são a Google, a Microsoft, Meta e OpenAI. As operadoras de celular, Vivo, Claro e TIM, já declararam que 80% do tráfego é gerado pelas big techs. As beneficiárias serão justamente essas empresas e é isso que vem impulsionando o debate, em todo mundo, sobre a taxação pelo tráfego que utilizam”, explica Patusco.
O engenheiro aponta, ainda, a invisibilidade dessas infraestruturas instaladas. Diferente da Europa, que possui pouca água disponível, no Brasil, elas são praticamente invisíveis. “É uma característica do Brasil que é interessante para o setor. Aqui, o impacto ambiental é pouco visível, o país é grande. Já temos entre 200 e 300 data centers no Brasil e nem sabemos onde eles estão”, ressalta.
Fonte: Senge RJ, com dados da CNN