Saída de investimentos, projeções do PIB em queda: para economistas, medidas de Temer prolongam crise brasileira

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Luiz Antonio Prado, Jéssica Naime e Eduardo Pinto (21/06/2018) – Foto: Camila Marins/Fisenge

No seu Relatório Trimestral, divulgado nesta quinta-feira (28 ), o Banco Central voltou a reduzir sua projeção de crescimento do PIB – de 2,6% para 1,6%. Durante o primeiro semestre, os investidores estrangeiros retiraram mais de R$ 10 bilhões da Bolsa de Valores brasileira, a maior retirada líquida em um primeiro semestre na história da bolsa, segundo o jornal Valor Econômico. Para os economistas Luiz Carlos Prado e Eduardo Pinto, ambos do Instituto de Economia da UFRJ, o conjunto de medidas econômicas do governo Temer tem se caracterizado por uma mistura de irracionalidade, falta de planejamento e entreguismo, incapaz de conduzir o país a um cenário de crescimento, emprego ou bem-estar social. Seu objetivo central é, em síntese, garantir a transferência de recursos para os bancos.

Os economistas participaram de debate com analistas do Dieese, no Café & Política, promovido pelo SOS Brasil Soberano no último dia 21, quando já anteviam a perspectiva de redução das projeções do Banco Central. No centro da crise e do contexto de desemprego massivo, eles apontam o Teto dos gatos públicos, resultado da chamada “PEC do gastos”, que, dizem, inviabiliza qualquer exercício de governo, independente de seu espectro político, e qualquer tentativa de retomada econômica. Por isso, Adhemar Mineiro, economista do Dieese que também participou do encontro, acredita que a medida que implantou o Novo Regime Fiscal com horizonte de 20 anos deverá ser alterada após as eleições. O perigo, alerta, é que a moeda de troca do rentismo para tirar da sala do bode da restrição de gastos seja tentar novamente impor ao país a Reforma da Previdência, derrotada pelo Congresso na atual gestão.

“O interesse maior, está cada vez mais claro para mim, é reduzir as despesas não financeiras, e garantir as despesas financeiras”, afirma Eduardo Pinto, do IE/UFRJ. Porque o nosso capitalismo financeirizado é diferente dos países centrais – em que os bancos comerciais têm pouco poder e a financeirização é mais dispersa. Aqui não, aqui são os grandes bancos comerciais com sua capacidade direta de mexer no fundo público via despesas financeiras.”

Segundo o Pinto, em abril – último dado disponível – as despesas financeiras do governo no período de 12 meses somavam R$ 380,9 bilhões. O que demonstra, na sua análise, que a PEC dos gastos ou ações como a proposta de Reforma da Previdência teriam como objetivo apenas manter essas despesas.” Os ganhos que a redução de benefícios na Seguridade Social traria para as instituições que vendem previdência privada, entre outras vantagens a demais setores privados, seriam, assim, “resíduos” dessa meta central.

“Estabelecemos uma meta [a PEC dos gastos] sem qualquer obrigação externa; não foi o FMI, uma potência estrangeira que nos obrigou”, ressalta Prado. “Foi uma maioria eventual, com o discurso de que estamos à beira da catástrofe, que usou esse discurso para justificar uma série de medidas que, elas sim, estão jogando o país na crise.”

Entre essas medidas, outro eixo do projeto que levou PMDB e PSDB a derrubarem a presidenta Dilma Rousseff, na opinião de Eduardo Pinto, foi a Reforma Trabalhista, para reduzir custos da força de trabalho e aumentar a margem de lucro do setor rural e do que sobra de indústria privada, além das privatizações e da abertura das operações de petróleo e gás ao interesse internacional.

Petrobras e privatização

Ponto chave do que Pinto chama de ultraliberalismo ou liberalismo 4.0 brasileiro – “meio descoordenado” – são as mudanças regulatórias no setor do petróleo. “Você tira a Petrobras de operadora única, reduz o conteúdo local, amplia o Repetro (regime fiscal aduaneiro que suspende a cobrança de tributos federais na importação de equipamentos para o setor de petróleo e gás) – por quê? Porque aqui está o filé mignon, que garante a entrada ainda de investimento estrangeiro alto – num cenário em que o custo do petróleo voltou a subir e o custo de extração já está abaixo de US$ 7 o barril. É uma mina de dinheiro e geopolítica, importante.” As diversas iniciativas compõem o que ele considera “a divisão dos butins”, mas sem uma estratégia econômica efetiva e consistente, que considere todos os seus muitos impactos para o país.

Prado destaca, por exemplo, as propostas de privatização na área de saneamento que não levam em conta as dificuldades para fazer  o setor privado prestar serviços em regiões não rentáveis, e não prevê qualquer indutor de investimentos. Ou, diz Eduardo Pinto, as contradições dentro de setores conservadores, representados, por exemplo, pelas chamadas bancadas BBB – da Bala, do Boi e da Bíblia: “Elas querem a queda no custo da força de trabalho e redução do Estado. Mas de qual Estado? Será que o setor rural quer realmente a privatização do Banco do Brasil?”, questiona.

Cenários falsos

Se o desmonte dos direitos sociais faz com que muitos taxem de ultraliberal o projeto, na avaliação de Prado, ele nem chega a isso. “Não sei se a expressão ultraliberalismo é adequada para caracterizar este governo. É um governo fraco, tem baixíssima representatividade – se é que tem alguma –, rejeitado inclusive por partes importantes dos setores mais conservadores da sociedade. Ora é extremamente liberal, ora tabela os preços de transporte e libera os preços do que seria um monopólio público na área de petróleo. A teoria ortodoxa diria o seguinte: administra o preço da Petrobras e libera um setor que é altamente concorrencial, a parte de transporte.” Nesse sentido, ele acredita que este governo tem mais semelhança com o de Fernando Collor do que com uma agenda neoliberal, como foram os governos do PSDB.

Neste momento, analisa o economista, a situação externa é ravoavelmente confortável, sem crise aguda, o Brasil não tem grande déficit nas transações correntes, e o que existe é financiado pelo investimento direto; e com os gastos públicos em queda. Ou seja, diz Prado, na verdade, o que há é a criação de um clima artificial, que aproveita os efeitos de uma crise internacional real em 2008 e das políticas recentes, de desoneração fiscal, para fazer crer que o país se encontra em uma situação econômica apocalíptica, com o objetivo de implementar uma agenda pragmática e desconexa. Em síntese, produzir uma crise política para amparar decisões profundas tomadas por um governo de transição, como a própria PEC dos gastos. “A situação real não é tão complicada quanto parece, mas essa sensação de urgência justifica ações como sair de petroquímicas ou tentar promover privatizações no sistema Eletrobras.”

Eleições e reforma tributária

As medidas do governo, ao contrário, é que estariam prolongando a retração econômica. Para levar adiante este “não projeto” de país, que entrega o patrimônio público e reduz direitos de uma população altamente urbanizada e alfabetizada, o economista Paulo Jager, assessor técnico do Dieese, destaca, ainda, que será preciso “muita repressão”. “O mundo está já na fase do investimento 4.0, da manufatura avançada; aqui, a gente nega a política industrial, elimina a política de conteúdo local, condenando o papel do BNDES, abre mão das reservas de petróleo e desestatiza o serviço público, privatizando também pela subcontratação, como no SUS.”

A questão central, na opinião de Olímpio dos Santos, presidente do Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio de Janeiro (Senge-RJ), está na política – mais do que na economia. “Não temos uma elite, que teria uma concepção de Nação. O que é temos é uma oligarquia profundamente atrasada, e com imenso ódio aos pobres – ódio como o que tinham aos escravos.”

Só para se ter uma ideia da gigantesca desigualdade nacional, os diretores das maiores empresas do país ganharam, em média, R$ 7,2 milhões no ano passado. A remuneração, que inclui salário, benefícios e bonificações, é de cerca de R$ 600 mil por mês cada, segundo levantamento feito a partir de dados enviados nesta semana pelas empresas à CVM (Comissão de Valores Mobiliários), das 15 maiores companhias em valor de mercado listadas na Bolsa.

Para Prado e Eduardo Pinto, o ano eleitoral pode ser uma oportunidade para discutir com a sociedade que tipo de país quer a sociedade brasileira. “Não estamos discutindo a salvação do Brasil, mas qual país queremos construir – um lugar onde a aposentadoria será restrita, não atendendo aos setores mais vulneráveis, onde educação e saúde não terão investimentos razoáveis, e a carga tributária será menor; ou queremos uma moderada social-democracia, com uma carga tributária que se aproxima dos países da OCDE, e que é superior à dos países latino-americanos”, diz Prado. Trata-se, segundo ele, de redefinir os objetivos do país, aumentando a tributação sobre capital, heranças e outros tipos de renda.

. O Café & Política integra as ações do movimento SOS Brasil Soberano, apoiado pelo Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio de Janeiro (Senge-RJ) e pela Federação Interestadual de Sindicatos de Engenheiros (Fisenge), que busca articular propostas para um país soberano e mais justo. O debate sobre “Os efeitos do choque ultraliberal no Brasil” contou com a mediação da cientista política Jéssica Naime, supervisora técnica do Dieese no Rio.

 

FONTE: SOS BRASIL SOBERANO/ Por: Verônica Couto