Em ritmo acelerado, propostas para a Reforma Administrativa miram no funcionalismo público e podem flexibilizar direitos em nome de uma suposta “eficiência”
O retorno dos deputados federais do recesso parlamentar colocará em pauta um debate fundamental para o país: a reforma administrativa. Absolutamente enviesado, o tema do funcionalismo público é carregado de espantalhos plantados pela direita ao longo das últimas décadas: o país tem servidores públicos demais, que recebem supersalários para não trabalhar, motivo da ineficiência dos serviços oferecidos à população.
A realidade retratada pelos números é absolutamente outra – a folha de pagamento do setor público no Brasil está abaixo da média da OCDE e 70% dos servidores ganham até R$ 5 mil, mas é o imaginário popular que parece nortear as propostas do grupo de trabalho formado por Hugo Motta (Republicanos-PB) para debater o tema.
O relator do GT da Câmara dos Deputados, o deputado Pedro Paulo (PSD-RJ), que deverá apresentar os projetos a partir de agosto, adiantou que serão propostas uma emenda à Constituição, um projeto de lei complementar e outro de lei ordinária. O que já se sabe dos projetos aponta para lógicas bastante conhecidas no mercado.
Em entrevista coletiva, Pedro Paulo falou sobre meritocracia, planejamento estratégico, indicadores de desempenho e bônus para servidores que batem meta. Os direitos, segundo ele, estão garantidos e não sofrerão ataques. O foco é criar as bases de “um Estado mais eficiente”. Nestes termos, a culpabilização pelo desempenho do serviço público recai sobre o próprio funcionalismo, não no déficit de investimento. A lógica é que falta fiscalização. O financiamento, o verdadeiro desafio, não entrou no debate.
Histórico de desinvestimento e ataques
O histórico do investimento bruto no serviço público em porcentagem do PIB desenha em contornos vívidos a história recente: a média entre 2010 e 2014, no Governo Dilma, era de 2,2% do PIB. Entre 2015 e 2021, período inaugurado pela crise na gestão de Dilma, passando pelos governos golpista de Temer e fascista de Bolsonaro, ele ficou em 1,3% do PIB. A queda brutal foi revertida pelo governo Lula: a média do período 2022-2024 é de 1,8% do PIB. O investimento no final de 2024 havia sido recuperado para os mesmos patamares de 2011/2012, com 2,1%.
Após profundos cortes no financiamento no governo Temer, em 2020 foi a vez de Bolsonaro atacar o funcionalismo. A proposta do ex-presidente — a PEC 32/20 — propunha estabilidade apenas para carreiras típicas de Estado, o fim da redução de jornada sem redução de salário, além de contratações precárias e terceirizações. Os sindicatos barraram os retrocessos com forte mobilização, mesmo durante a pandemia, forçando o engavetamento da proposta. A Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) e toda a burguesia nacional seguiram pressionando pelo desengavetamento, com o apoio de Lira, mas não lograram êxito.
Enquanto Temer e Bolsonaro faziam o financiamento recuar uma década, a população crescia e envelhecia, pressionando o funcionalismo público. Mas, no âmbito estadual, norteado pelas falácias que culpam os trabalhadores, já há um estado onde bater metas já é exigência. No Paraná, governado por Ratinho Júnior (PSD-PR), o resultado tem sido a morte de professores em sala de aula. Educadores e estudantes apontam uma relação direta entre os fatos e mais de 8,9 mil professores da rede estadual foram afastados para tratamento de saúde mental em 2024.
Precarização e ajuste fiscal
Sindicatos que acompanham de perto as negociações entre a Câmara e o Governo, como o Sindicato dos Trabalhadores no serviço Público Federal de São Paulo (Sindsef-SP), apontam que o GT sob a relatoria de Pedro Paulo acumula propostas que incluem a flexibilização da estabilidade, restrições de teletrabalho, ampliação das contratações temporárias, além da avaliação de desempenho atrelada a bônus por metas. Valorização salarial, reestruturação de carreiras e recomposição de perdas acumuladas não estão inclusas no debate.
Outro ponto preocupante é o desequilíbrio evidente nos convidados para audiência públicas sobre o tema, com uma maioria de representantes de setores empresariais e de carreiras jurídicas, em detrimento da participação de entidades da base e sindicais, que permanecem escanteadas no processo. Preocupa, também, que a discussão seja contaminada pela lógica da agenda de austeridade. Pedro Paulo já admitiu, após a primeira audiência pública do GT, que as propostas podem incluir medidas de ajuste fiscal.
Com informações da Agência Brasil, Câmara dos Deputados, Auditoria cidadã da Dívida e Canal Ian Neves
Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil