Reativação da Quarta Frota: previsão de mar revolto

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No dia 12 de julho de 2008, quase 60 anos após a sua última aparição durante a 2ª Guerra Mundial, o governo dos Estados Unidos decidiu, unilateralmente, reativar a sua Quarta Frota, mantendo a responsabilidade de atuação nos mares do Atlântico Sul, especificamente nas águas territoriais dos países que abrangem as Américas do Sul, Central e Caribe.

 

Se antes o objetivo da Quarta Frota era defender a costa americana de possíveis ataques alemães, agora crescem os rumores sobre os interesses reais de sua reativação, que certamente vão além da retórica governista norte-americana, que insiste em qualificar o acionamento de sua Frota como uma “medida meramente administrativa”. Mais do que a criação de um escritório ou a aquisição de alguns computadores para aumentar a capacidade operacional da Quarta Frota, os EUA estão trazendo para as águas territoriais vizinhas nada menos que 22 navios, sendo quatro cruzadores, quatro destróieres, treze fragatas – todos munidos com mísseis – e um navio-hospital. Nunca uma medida burocrática precisou de tanta força militar para realizar suas rotinas administrativas.

 

Aliás, sobram motivos para levantarmos suspeitas sobre a real preocupação dos EUA com a reativação da Quarta Frota, sobretudo se analisarmos a situação política, estratégica e militar dos países do subcontinente. Na Nicarágua, a liderança de Daniel Ortega, socialista assumido, é vista com receio pelas autoridades norte-americanas, assim como a ascensão progressiva de lideranças populares em diversos países sul-americanos, dentre eles Hugo Chávez, na Venezuela, Evo Morales, na Bolívia, Rafael Correa, no Equador, e Fernando Lugo, no Paraguai. Soma-se a isto a recente descoberta de campos potenciais de petróleo na camada sob o pré-sal, em águas territoriais brasileiras.

 

Em relação às lideranças, é nítida a adoção de estratégias de diminuição da dependência com os EUA, através do incentivo de políticas de cunho nacional-desenvolvimentistas em detrimento à cartilha neoliberal, aposta infeliz de Washington para os países da região, que se configurou em um quadro de miséria generalizada e desigualdade social gritante. Tirando a Colômbia, de Álvaro Uribe, os EUA perderam, nos últimos anos, aliados importantes no subcontinente e exercem, hoje, uma menor influência na esfera das decisões políticas na região.

 

Quanto ao Brasil, a situação também é bastante preocupante, pois toca na questão da soberania nacional. Apesar de analistas mais conservadores se mostrarem alinhados com a retórica estadunidense de “ações humanitárias”, criou-se uma infeliz relação entre as novas descobertas no pré-sal e a reativação da Quarta Frota. Isto porque o Brasil pode se tornar um grande exportador a nível mundial, talvez o 4º maior, caso se confirme a imensidão dos campos de petróleo desta região. Para se ter um exemplo, o campo de Tupi – um entre os vários campos descobertos – deve ter uma reserva de aproximadamente 8 bilhões de barris. Estuda-se, inclusive, mudar a legislação atual de concessão de campos para exploração, a fim de criar mecanismos de defesa dos interesses nacionais neste sentido. Tomar como exemplo a guerra imposta pelos EUA sobre o Iraque é um ótimo exercício para percebermos que nosso vizinho não brinca quando o assunto é petróleo. Acrescente a este quadro as facilidades de uma geopolítica favorável, o conhecimento da região e a proximidade cultural entre Brasil e Estados Unidos, para ligarmos o alerta em relação às reais intenções deste último país com os nossos campos do pré-sal, certamente mais acessíveis que o precioso ouro negro de certas regiões do Oriente Médio.

 

Existe, ainda, um terceiro motivo que poderia explicar a reativação da Quarta Frota: a aproximação e fortalecimento mútuo entre os presidentes latino-americanos, acentuados com a criação da União Sul Americana de Nações (UNASUL) e de seu Conselho de Segurança Continental, que exclui os EUA de participarem ativamente em uma estratégia conjunta da região na área de defesa. Os exemplo de Rafael Correa e Fernando Lugo, em seus respectivos países, reflete bem essa mudança de paradigma: ambos não irão tolerar a manutenção de bases militares norte-americanas em seus territórios. O próprio Álvaro Uribe, isolado, acabou aceitando a proposta pela criação do mecanismo de defesa dos países sul-americanos, apesar de todo o suporte financeiro garantido pelos EUA nesta área, através do Plan Patriota.

 

Com tantos fatos, fica difícil se deixar levar pelo ensejo político que tenta nos fazer acreditar na reativação de uma Frota bem equipada sem assimilar isso com uma mudança de estratégia dos EUA para a região. As tantas bases militares espalhadas pelo continente ao longo dos anos, os planos milionários de combate ao terrorismo em diversos países ou o intercâmbio militar experimentado algumas vezes, todos se enquadraram no mesmo discurso de combate ao narcotráfico e ao terrorismo, e à promoção de ações humanitárias. Em todos os casos, serviu para exercer maior influência sobre os países da região. Com a reativação da Quarta Frota não será diferente. Ela pode, sim, representar um risco à soberania dos países da região e, para que não ocorra, o posicionamento de nossas lideranças deve ser contundente no sentido de garantir que os interesses de cada nação sejam colocados acima das pretensões imperialistas dos EUA.

 

A postura firme do ministro da Defesa do Brasil, Nelson Jobim, ao dizer que a soberania nacional estaria garantida e que a Quarta Frota não entraria em águas territoriais brasileiras sem a devida autorização, considerando até mesmo a construção de um submarino de propulsão nuclear para fiscalizar a nossa bacia, é uma resposta positiva do nosso governo para a questão.

 

Sabe-se, no entanto, da força militar norte-americana, de sua influência incontestável em todo o mundo e de suas táticas inescrupulosas usadas na defesa de seus próprios interesses. Temos que nos manter firmes no propósito de defender a nossa soberania e amadurecer cada vez mais a aproximação estratégico-militar com nossos vizinhos latino-americanos através do Conselho de Segurança criado recentemente.

 

Deve-se aproveitar, ainda, as eleições norte-americanas para estabelecer um diálogo eqüitativo – seja o vencedor republicano ou democrata – e fazer prevalecer nossos interesses sobre os deles. Sabemos, no entanto, que se tratando de petróleo a questão se torna mais delicada, pois é um insumo escasso e largamente consumido nos EUA. Portanto, um item de primeira necessidade que habita o topo das preocupações governistas.

 

As pistas estão sendo dadas, não podemos ficar parados esperando os fatos se concretizarem. Ao que parece, o governo comprou a briga pela soberania nacional, mas temos que nos organizar em movimentos contra o livre acesso da Quarta Frota em mares territoriais brasileiros sob o risco de não convertermos as riquezas do pré-sal em rendimentos para a nossa nação. Por enquanto, a reativação da Quarta Frota é apenas o começo de uma história que envolve grandes interesses da maior potência do mundo. Os EUA não são signatários da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM), acordo internacional que estabelece o limite dos mares territoriais de cada nação costeira, do qual o Brasil é membro desde 1982. Nos últimos anos, o Brasil ampliou seus domínios marítimos e, hoje, parte dessa nova riqueza do pré-sal pode estar no limiar dessas fronteiras não reconhecidas pelos EUA, podendo vir a ser contestadas por eles em algum momento. Fortes indícios de que muitas águas ainda vão rolar.