Em 2012, o Código Brasileiro de Telecomunicações (CBT) completou 50 anos de existência e trouxe à tona a necessidade de se voltar à atenção para a regulamentação da mídia. Ao longo dessas cinco décadas, muita coisa mudou, tanto na sociedade como nos meios de comunicação. “Hoje, temos um vazio legislativo em telecomunicações muito grande. Em 1962, por exemplo, não havia nem satélite”, disse o engenheiro de telecomunicações e diretor da Divisão Técnica de Eletrônica e Tecnologia da Informação (DETI) do Clube de Engenharia do Rio de Janeiro, Márcio Patusco.
No entanto, as políticas de comunicação não acompanharam o avanço, e continuaram com os mesmos paradigmas arcaicos de 1962, quando foi aprovado o CBT. De olho nisso, surgiu a campanha “Para Expressar a Liberdade – Uma nova lei para um novo tempo”, que culminou na elaboração de um Projeto de lei de Iniciativa Popular da mídia democrática propondo a regulamentação dos meios eletrônicos. O projeto foi elaborado durante reuniões entre diversas entidades da sociedade civil, organizadas pelo Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), e lançado no dia 1º de maio em todo o Brasil.
A democratização dos meios de comunicação sempre foi pauta da Fisenge. “Democratizar os meios de comunicação significa dar voz a todos aqueles que foram, historicamente, excluídos da produção da mídia. É preciso compreender que, para além do fim do oligopólio, é preciso priorizar uma produção editorial plural, que agregue os setores mais oprimidos da sociedade. Sabemos que a mídia cumpre seu papel de disputar a hegemonia da sociedade e, por este fato, devemos ter clareza no enfrentamento e no combate aos monopólios e oligopólios”, afirmou o presidente da Fisenge, Carlos Roberto Bittencourt.
Para o professor da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Marcos Dantas o projeto de lei é de extrema importância para que tenhamos meios de comunicação mais plurais. “O projeto vem para democratizar a comunicação, ou seja, aumentar a diversidade e a pluralidade de vozes. E não ser contra a nada e a ninguém, mas sim, abrir espaços, distribuir os canais de TV e rádio para segmentos, que não têm acesso e possam emitir suas mensagens. Nesse sentido, o projeto de iniciativa popular por mídia democrática vem para ampliar o espectro de vozes e garantir a liberdade de expressão”, afirma. Outro ponto destacado pelo engenheiro Patusco acerca da proposta é a importância do diálogo com diferentes setores da sociedade. “Por se um projeto de iniciativa popular, o projeto está ganhando uma repercussão social muito importante. O projeto de lei prevê um rearranjo da prestação de serviços de rádio de TV e mexer em seus status quo”, explicou Patusco.
Pelo fim do monopólio
Segundo a secretária nacional de Comunicação da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e coordenadora geral do FNDC, Rosane Bertotti o principal contraponto do projeto em relação ao CTB, além da promoção de participação pública, é o fim do monopólio. “O projeto define as regras para impedir a formação de monopólio nos meios de comunicação e garante a transparência dos meios. Impede que em uma grande cidade exista um mesmo dono para rádio, jornal e televisão. Além de criar e estimular a fiscalização e participação social, por meio de criação de conselhos e órgãos reguladores”, conta.
Apesar de a Constituição Federal proibir a formação de oligopólios e monopólios midiáticos, menos de dez famílias estão à frente dos principais meios de comunicação de massa no país, há décadas. Com uma legislação que não oferece instrumentos de regulação e controle dos monopólios, os meios de comunicação de grande massa consolidam a realidade de determinados grupos na sociedade.
E por mexer nessa estrutura de concentração de grandes impérios midiáticos, o projeto vem sendo alvo de ataques de setores mais conservadores da sociedade que afirmam que a aprovação do projeto pode significar implantar a censura no país. “A comunicação é um direito dos brasileiros e das brasileiras. Esse projeto não veio das mãos do governo, dos deputados, e sim das mãos da sociedade. Democratizar a comunicação significa oferecer instrumentos de liberdade de expressão, e não de censura”, afirma Rosane.
O Projeto de Lei
O projeto propõe a regulamentação dos artigos 5º, 21º, 221º, 222º e 223º da Constituição de 1988. Entre as propostas do Projeto de Lei da mídia democrática estão a proibição de concessão de rádio e TV para políticos; o estímulo à competição no setor privado e a garantia de 33% de canais públicos; e a produção de conteúdos regionais com trabalhadores locais. Também estão previstos limites de tempo para publicidade e merchandising, o direito de resposta para mentiras, erros e ofensas da mídia, a garantia à diversidade étnico-racial, de gênero e orientação sexual protegendo contra a discriminação e a proibição de venda e aluguel de canais para terceiros.
Para que o projeto de lei seja aceito no Congresso Nacional é necessária a coleta de 1,3 milhões de assinaturas, o que equivale a 1% do eleitorado brasileiro. Até hoje, apenas quatro projetos de lei de iniciativa popular foram aprovados, um deles é o do Ficha Limpa. No dia 1 de maio, foi dada a largada rumo à coleta de assinaturas em todo o Brasil.