Movimentação de acionistas e do governador do DF indicam intenção de vender a CEB para companhia italiana.
Rede de linhas de transmissão em Brasília pode ser privatizada / Fabio Rodrigues Pozzebom | Agência Brasil
A possibilidade de privatização da Companhia Energética de Brasília (CEB), empresa pública responsável pela distribuição de energia elétrica e gás canalizado na capital do país, pode piorar e encarecer os serviços, avaliam trabalhadores do setor, especialistas e parlamentares.
A venda da companhia teria sido o principal assunto de uma reunião em 27 de junho entre o governador do Distrito Federal Ibaneis Rocha (MDB) e a diretoria da Enel, multinacional italiana que já atua em vários estados brasileiros e estaria interessada na CEB.
Quinta maior empresa do setor elétrico no mundo, a Enel tem faturamento anual médio de R$ 80 bilhões. No Brasil, já adquiriu empresas públicas no Ceará (Coelc), no Rio de Janeiro (Ampla), em São Paulo (Eletropaulo) e em Goiás (Celg), e fornece energia elétrica para 17 milhões de unidades consumidoras (domicílios, comércios, indústrias).
“É visível que ela tem interesse em uma eventual privatização da CEB”, diz João Carlos Dias, dirigente do Sindicato dos Urbanitários no Distrito Federal (STIU-DF).
“É uma questão territorial. Se você verificar o mapa das distribuidoras do Brasil hoje, sobretudo as privatizadas, elas estão de certa forma alinhadas por região” aponta ele, se referindo a atuação da multinacional no estado de Goiás, onde se localiza o DF.
Seis dias antes do encontro entre Ibaneis e a diretoria da Enel, uma reunião de acionistas da CEB havia aprovado a privatização da companhia, alegando má situação financeira e evocando a necessidade de quitar dívidas.
A justificativa é rebatida pela deputada federal Érika Kokai (PT-DF).
“Eles querem vender a CEB por 500 milhões, mas ela tem quase o dobro disso só em terrenos e recebíveis”, diz. “Você não pode vender R$ 1 bilhão em terrenos e mais R$ 1 bilhão em recebíveis por 500 milhões. Não se justifica. É uma doação”.
Também na quinta-feira (27), uma audiência pública na Comissão de Defesa do Consumidor da Câmara Legislativa do Distrito Federal reuniu cerca de 500 trabalhadores da empresa contrários à privatização.
Trabalhadores reunidos na Câmara Legislativa do Distrito Federal assistem o ex-diretor Mauro Martinelli apresentar motivos contra a privatização da CEB (foto: CEB)
Na ocasião, o presidente da companhia, Edison Garcia, argumentou que a empresa tem apresentado maus resultados financeiros e que, se não quitasse suas dívidas, poderia perder a concessão de fornecimento de energia outorgada pela Aneel.
Mauro Martinelli, que foi diretor da Companhia durante a gestão de Rodrigo Rollemberg (PSB), rebate tal afirmativa.
“Existe um endividamento da CEB Distribuição. Isso é verdade, mas não é um problema da CEB, é um problema do setor elétrico brasileiro. Isso vem devido a alguns fatores. O primeiro deles é o próprio modelo do setor elétrico brasileiro. Como nós estamos tendo aumento [no preço] de energia, a cada aumento de energia a população consome menos, então você vende menos, e consequentemente reduz sua receita” disse Martinelli.
Para o ex-diretor, existem alternativas que poderiam sanar as dívidas da companhia sem que ela perca seu caráter público.
“No governo passado, nossa ideia era vender as participações em geração de energia. A CEB tem vários ativos privados, com participação minoritária. A ideia era vendê-los e usar os recursos para fazer mais investimentos, pagar as dívidas e recuperar a empresa”.
“Caso o governo não quisesse vender os ativos de geração, poderia vender os terrenos inservíveis à concessão. A CEB tem, nestes terrenos, R$ 369 mi em preço de mercado”, completa ele.
Martinelli também aponta os bons indicadores alcançados pela empresa. “A CEB atua na capital de Brasília, que é o terceiro estado mais povoado do país, [com] o maior índice per capita de consumo de energia elétrica no Brasil, a maior renda per capita do Brasil, maior IDH do país, então é uma população muito exigente. E mesmo assim, a CEB tem uma boa qualidade”.
Pelos indicadores da Aneel, que medem a qualidade do fornecimento da energia elétrica no Brasil, a CEB é hoje a quarta melhor empresa concessionária de energia no Brasil. Já a Enel Goiás foi considerada por duas vezes consecutivas a pior empresa do setor.
“No estado de Goiás, em 2018, a população ficou em média 26 horas sem energia, o dobro do exigido pela Aneel. Em dois anos a tarifa se elevou mais de 30%, um aumento de 18%, depois um aumento de 15%”, lembra João Dias, o representante dos trabalhadores do setor.
Para Kokai, a eventual privatização da companhia do DF pode levá-la a rebaixar a qualidade de fornecimento do serviço “Quando há privatização e há a égide do lucro, você aumenta o processo de exclusão, porque a iniciativa privada se detém a trabalhar onde há retorno financeiro”.
“Nós vamos ver uma exclusão muito grande do fornecimento de energia para uma série de seguimentos, porque o critério passará não a ser o caráter público e universal do fornecimento, mas o retorno financeiro”, caracteriza a deputada.
Fonte: Brasil de Fato / Edição: João Paulo Soares