Primeira mulher é eleita diretora da Politécnica da UFRJ

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Entrevista por Camila Marins

Aos 53 anos, tomou posse, no dia 1/4, a primeira mulher eleita diretora da Politécnica da UFRJ, Claudia Morgado. O gosto pela matemática e os passos de seu pai como construtor foram seus impulsos para seguir a carreira de engenharia. Ela se formou em engenharia civil, em 1987, pela Poli/UFRJ, uma das mais antigas escolas da América Latina com 225 anos de história. Entre os seus compromissos, Claudia defende o fortalecimento do protagonismo da engenharia no desenvolvimento nacional e o ensino público. Nesta entrevista à Fisenge, Claudia conta sobre sua trajetória e ainda fala sobre a atual crise que atravessa a engenharia.

Por que escolheu a engenharia?
A opção pela engenharia foi por gostar muito de matemática. O meu pai era construtor, gostava de projetar e passar o dia na obra, fiz curso técnico em Edificações pela antiga Escola Técnica Celso Suckov da Fonseca (atual CEFET-RJ). As lembranças da escola são boas e vivas, tanto dos professores como dos colegas, que encontro com frequência. Fizemos 30 anos de formados ano passado. A época da faculdade foi um período de muito estudo e satisfação de pertencer a uma escola de tradição.

Em que você já trabalhou?
Trabalhei em consultoria em projetos de estruturas e tecnologia de materiais. Após o doutorado em engenharia de produção (COPPE/UFRJ – 1994) e a especialização em engenharia de segurança do trabalho (UFF, 1996) prestei consultoria para a FINEP, Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro e Ponte S.A. (atual Ecoponte) nas áreas de qualidade, estratégia e gestão de riscos. Em 1996, fui convidada para um pós-doutorado na UFF, quando me dediquei mais ao ensino, à pesquisa e à extensão. Em 1997, fui aprovada em um concurso para o Departamento de Construção Civil da Escola Politécnica.

Durante a faculdade, você foi uma das poucas mulheres? Lembra de alguma situação de machismo ou constrangimento na universidade ou mesmo no mercado de trabalho?
A minha turma, excepcionalmente para a época, tinha 12 mulheres numa turma de 40 alunos. A maioria dos docentes e colegas de turma nos respeitavam bastante, muitos são meus amigos até hoje. Lembro de um único professor do básico que dizia em sala de aula que relógio era Rolex, carro era Volkswagen e que mulher não fazia engenharia, e aplicando uma prova com método de avaliação discricionário e nada transparente reprovou todas as meninas da turma. Foi a única disciplina que fui reprovada na minha vida. A profecia deste professor não se verificou. Existem, hoje, muitos relógios e carros de qualidade no mercado e mulher sem sombra de dúvida, e cada vez mais, faz engenharia!

Quais os principais desafios para ampliar o número de mulheres no mercado de trabalho?
Dependendo do curso, o número de alunas numa turma pode variar entre 7% a 30%. Em algumas turmas de engenharia civil e ambiental pode chegar a 40%, e vem aumentando, mas o mercado de trabalho como em todas as profissões privilegia a contratação de homens. No entanto, o maior número de mulheres se formando em engenharia possibilita a ampliação da participação feminina no mercado de trabalho, o maior desafio é cultural. Quando as mulheres aparecem em lugar de destaque, podem ser referência, provam que são tão competentes como qualquer homem em funções de comando, e isso incentiva que outras mulheres alcancem novos espaços de poder.

Qual o papel da engenharia no desenvolvimento do país?
Sem engenharia não há desenvolvimento, perdemos a oportunidade de reindustrializar o Brasil. A indústria tem a capacidade de oferecer empregos qualificados e melhor remunerados. Não podemos majoritariamente ser um exportador de commodities com uma economia mercantilista, privilegiando a remuneração do capital em detrimento da geração de emprego e renda. Outro aspecto, é que sendo a engenharia o segundo maior conselho profissional do país (Sistema Confea/Creas) não possui proporcionalmente engenheiros em cargos políticos de representação, ou seja, o debate de políticas públicas de desenvolvimento passam ao largo da engenharia nacional.

Como o desmonte da engenharia afeta a soberania nacional?
Um país que depende do capital estrangeiro gera os melhores empregos para os seus engenheiros expatriados, número que aumentou muito nos últimos anos. A engenharia brasileira fica delegada à atividades de manutenção e gerência da produção, e o país que possui dependência tecnológica não pode dizer que é plenamente soberano.

Qual a relevância da Poli/UFRJ para o Brasil?
A Escola Politécnica é a escola de engenharia mais antiga das Américas, fundada em 1792, egressos da Poli-UFRJ fundaram o Clube de Engenharia e pode-se dizer que são os pioneiros na construção da infraestrutura do Brasil e precursora de todas as escolas de engenharia do país. Sempre fomos referência e é nossa obrigação ser uma escola de vanguarda.

Há alguns anos, alguns especialistas aventaram a possibilidade de um “apagão” de engenheiros no país. Hoje, no entanto, o número de desempregados atinge mais de 50.000 profissionais no Brasil (dados Caged/MTE), fazendo com que estudantes e recém-formados fiquem desamparados e até desistam da carreira. Que políticas poderiam fazer com que a engenharia brasileira fosse valorizada?
Esse é um desafio atual das escolas de engenharia, combater o desânimo dos discentes. A Diretoria da Poli-UFRJ incentiva o engajamentos dos alunos com os grandes problemas de desenvolvimento do país e à criação de startups, um engenheiro líder e inovador sempre terá seu lugar na sociedade.

Qual a importância da universidade pública? E a política de cotas?
A universidade pública brasileira é sinônimo de excelência em ensino e pesquisa, fato inconteste historicamente, faz parte de uma estratégia de nação, todos os países que se desenvolveram econômica e socialmente investiram intensivamente em educação superior, principalmente em áreas de tecnologia. A política de cotas é o meio de se fazer justiça social. Não há igualdade se as condições de acesso desde o ensino fundamental não são iguais, o potencial de mobilidade social que é aberta a esses alunos contribui sobre maneira para a distribuição de renda do país. Esses alunos que fizeram ensino básico na escola pública brasileira, com todas as dificuldades e o descaso político amplamente conhecido, e mesmo assim, chegaram a ingressar na universidade pública, podemos considerar que são persistentes heróis e merecem as políticas afirmativas que as cotas representam.

Por que é importante o fomento à ciência e à tecnologia?
Não há país desenvolvido sem grandes investimentos em ciência e tecnologia. A história do Japão, Coréia, Singapura e atualmente a China demonstraram essa importância.

Em seu plano de gestão na Poli, existem ações específicas de gênero tanto para o corpo docente como para o corpo discente? Quais são?
Estamos planejando integrar no grupo do Coletivo ComCiência da UFRJ as professoras da Poli para estabelecer um programa regular que discuta essas questões de gênero e proporcione uma mudança de cultura.

Existe previsão de parceria com as entidades sindicais?
Estamos planejando um Programa Poli Diversidade, que aborde os problemas de assédio e discriminação de todas as ordens.

Quais os desafios ao assumir a direção da Poli?
Manter o compromisso de excelência da UFRJ e inovar na Educação em Engenharia que se realiza com ideias, estratégia e projetos, mas também com recursos humanos e materiais, que se reduziram drasticamente nos últimos anos.

Qual o seu sonho?
Que a Poli-UFRJ atravesse os próximos 225 anos como referência nacional e internacional na formação de engenheiros inovadores e líderes.

Confira os dados sobre a Politécnica UFRJ

  • 13 cursos de graduação e 32 de pós lato sensu, três mestrados profissionais e um doutorado, além de cerca de 180 de seus docentes participarem dos programas de mestrado e doutorado da COPPE/UFRJ;
  • 6.200 alunos (de 7% a 30% mulheres) e 208 professores (17% são mulheres professoras).

 

Crédito das fotos: Marcos André Pinto.