Presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobras fala sobre CPI

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Correio da Cidadania
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A Petrobras é o centro da mais nova e acirrada polêmica nacional. Acusada de cometer uma série de irregularidades, motivou a criação de uma CPI no Congresso, a qual o governo, mesmo a todo custo, não conseguiu evitar.  Os governistas, acompanhados de correntes nacionalistas e progressistas de políticos, intelectuais e movimentos sociais, vêem a CPI como uma manobra política oportunista e eleitoreira, nefasta aos interesses da empresa e do país em um momento de crise econômica internacional. Ademais, antevêem nessa manobra um claro objetivo de fragilizar a Petrobras e privatizá-la de vez, em face das atuais discussões sobre a mudança da Lei do Petróleo, com o intuito de retomar o monopólio estatal sobre o combustível.

Fernando Siqueira, o presidente da AEPET (Associação de Engenheiros da Petrobras), em entrevista exclusiva ao Correio, ajuda a lançar luzes nesse quadro.

  Confira abaixo. 

Correio da Cidadania: O Congresso está envolto em uma série de escândalos e avançam as discussões, incluindo o próprio governo, para a mudança do marco regulatório do petróleo, restabelecendo o monopólio estatal sobre o combustível. Esses acontecimentos estão realmente determinando, de modo contundente, as acusações de que tem sido vítima a Petrobras, culminando com a própria instalação da CPI?

Fernando Siqueira: Acho que o problema é mais grave e mais profundo. Acredito que se trata de uma recaída neoliberal do PSDEMB junto com a banda fisiológica do PMDB. A CPI é criada justamente no momento em que a comissão interministerial discute o marco regulatório e o papel da Petrobras no pré-sal.

É coincidente, ademais, esta CPI com três fatores que reforçaram a importância da Petrobras e a credenciaram ainda mais para desenvolver o pré-sal: (1) a Petrobras colocou em produção o primeiro poço do campo de Tupi – na área mais importante do pré-sal – produzindo 15.000 barris por dia, mostrando que tem capacitação e competência para desenvolver a província e calando a mídia e os lobistas que lançavam dúvidas sobre sua capacitação; (2) a empresa passou, segundo o Reputation Institute (RI), órgão internacional especializado, de 20ª para 4ª companhia mais admirada do mundo; (3) foi incluída, segundo relatório técnico do banco Goldman Sachs, entre as 10 empresas mais viáveis do planeta, junto com sete empresas americanas, uma israelense e a Companhia Vale do Rio Doce. Mas a Petrobras foi ainda considerada a mais viável entre as empresas petrolíferas, tanto por sua capacitação, quanto pelas reservas que controla.

Com todo esse prestígio, inclusive internacional, era preciso enfraquecer a imagem da Petrobras, agredi-la, jogá-la contra a opinião pública. Foi assim que fizeram na época da quebra do monopólio, da venda das ações, por valor irrisório, na Bolsa de Nova York. E também na tentativa de desnacionalizá-la, cumprindo carta compromisso assinada por FHC com o FMI e aproveitando as sugestões do Credit Suisse First Boston, de desnacionalizar por etapas. FHC chegou a dividir a empresa em 40 unidades de negócios, para transformar cada uma em subsidiária e vendê-las. Para isto ele inseriu o artigo 64 na lei do petróleo, a 9478/97. Ver matéria na página http://www.aepet.org.br/ – “Estragos que FHC causou na Petrobrás visando sua desnacionalização”.  Acho que este é o fundamento principal da CPI e mostra o risco dessa turma voltar ao poder em 2010. É possível que a propina recebida pela venda de grande parte do patrimônio nacional tenha sido pequena. Ou a ambição, em período eleitoral, cresceu.   Os interesses eleitoreiros e o desvio do foco sobre as falcatruas dos senadores seriam motivos fisiológicos, mas secundários.

 

  CC: Quanto às acusações dirigidas à Petrobras – relativas a fraudes em licitações, na distribuição de royalties, no pagamento de impostos e na concessão de patrocínios; e a superfaturamentos na construção de refinarias – e que estão motivando a CPI, não têm fundamento, não mereceriam, de qualquer forma, apuração? 

FS: A distribuição de royalties quem faz é a Agência Nacional de Petróleo, que, hoje, tem em sua direção uma participação indecorosa da americana Halliburton. A fraude em licitações, o superfaturamento na construção de refinarias, acho difíceis, porque a Petrobras é muito visada e muito fiscalizada. Mas, se ocorrerem irregularidades, devem ser fiscalizadas pelo TCU e Ministério público. Quanto à concessão de patrocínios, faz parte do marketing da companhia, pois ela tem forte concorrência, mormente na distribuição de combustíveis. Ela também financia projetos ambientais e culturais. Talvez ela faça mais pela cultura do país, inclusive em áreas em que ninguém investe, do que o próprio ministério correspondente. Ela também financia projetos ambientais como o projeto Tamar e vários outros.

 

  Quanto à fraude no pagamento de impostos, é uma calúnia gigantesca, que faz parte da campanha insidiosa e orquestrada contra ela. A companhia usou regras legais para se proteger da variação e da insegurança cambial. A grande maioria das empresas do país usa esse artifício. 

CC: Uma vez, portanto, que a poeira foi levantada, deve ser dada uma satisfação ao público, com a avaliação de supostas irregularidades – ainda que não através da criação de uma CPI, via TCU e Ministério Público, por exemplo.

FS: Claro, para isto existem órgãos fiscalizadores como o Ministério Público e o TCU, além da Polícia Federal. Muito mais confiáveis e isentos do que o atual Senado Federal. No governo Itamar Franco, o mais transparente da Nova República, a Petrobras sofreu várias inspeções do TCU. Como não encontraram nada, não divulgaram os resultados. Não somos contrários à CPI, mas a favor da transparência. O problema é que as CPI´s estão sendo distorcidas e muito mal utilizadas, o que é uma pena. 

CC: Qual a sua avaliação da atual gestão da empresa?


FS:
 Não é a ideal, como gostaríamos, até porque muitos gerentes da gestão anterior permaneceram e muitos novos foram nomeados, mais por militância do que por competência. Ainda assim, essa gestão é infinitamente melhor do que a anterior. Um exemplo: no final da gestão passada, em 2002, o diretor de Exploração e Produção fazia corpo mole na exploração para que as áreas não exploradas fossem devolvidas, em agosto de 2003, à ANP, que iria colocá-las em leilão. O novo diretor de E&P assumiu em janeiro de 2003, intensificou as pesquisas e descobriu 5,6 bilhões de barris de reservas, quase dobrando as reservas então existentes. Depois incentivou as pesquisas do pré-sal, que resultaram na maior descoberta do país e numa das maiores reservas do mundo. Se permanecesse a diretoria anterior, o pré-sal não teria sido descoberto.
 

CC: O governo é, obviamente, contra a CPI, mas tem planos de criação de uma nova estatal para a exploração do pré-sal. Como você considera esse plano do governo? Ele tem chances de se concretizar? 

FS: A nosso ver, essa não é a melhor solução. O ideal seria o governo recomprar as ações da Petrobras, vendidas a preços irrisórios na Bolsa de Nova York, e entregar a ela o desenvolvimento do pré-sal, fazendo voltar à União Federal a propriedade do petróleo conforme reza a Constituição.  Inclusive, indenizando as empresas que participam das descobertas já ocorridas, pois a Constituição reza que o direito coletivo prevalece sobre o individual. Mas parece que o governo não tem força ou coragem política para isto. Então, se essa estatal restaurar a propriedade do petróleo para a União, mudando o marco regulatório e os contratos de exploração, e se esta for a única forma de extinguir os absurdos da lei do Petróleo, é bem melhor do que ficar mantida a situação atual, em que a União recebe menos da metade do que recebem os países exportadores.

 

  A propriedade do petróleo ser da União é estrategicamente fundamental, pois ela pode usá-lo como moeda de troca com os países importadores e também pode controlar a produção de forma a atender aos interesses estratégicos e econômicos do povo brasileiro. Por exemplo: se o pré-sal for todo leiloado, em 13 anos ele acaba. Mas, se a Petrobras produzir de forma a atender a uma estratégia energética, ele pode durar mais de 40 anos. 

CC: Sabendo-se, portanto, que as ações da Petrobras, a despeito do controle da União, estão hoje em boa parte em mãos do capital privado, inclusive internacional, e que o governo não tem força ou vontade política para reestatizar a empresa, estaria aí, de alguma forma, uma justificativa para explorar a imensa riqueza do pré-sal com uma nova empresa, inteiramente pública. O fato de haver ações da Petrobras em mãos estrangeiras não é ideal, mas também não é tão relevante. A Petrobras é obrigada a pagar 25% do seu lucro líquido, na forma de dividendos, aos acionistas. Assim, os 60% das ações em mãos privadas receberiam 60% de 25%, o que resulta em 15% do lucro líquido. Sobram 85% para o governo e a Petrobras fazerem investimentos sociais no país, tais como: fabricar plataformas no país, gerando emprego, tecnologia e desenvolvimento sustentado. Investir em cultura, preservação ambiental e muitos outros benefícios. Uma empresa estrangeira, além de não fazer isto, remete todo o lucro para fora.

 

  CC: Por que o governo não tem força ou vontade política para retomar a Petrobras? Quais são os obstáculos, não somente à reestatização, mas também à mudança do marco regulatório do petróleo, que, afinal, também não foi ainda levada a cabo pelo atual governo? 

FS: Temos de enfrentar dois segmentos poderosos que ambicionam as reservas do pré-sal e lutam contra esta reestatização e a mudança do marco regulatório, muito favorável a eles:

Os primeiros são os Estados Unidos da América, que têm reservas de 29 bilhões de barris e consomem 10 bilhões por ano. Estão numa situação crítica e por isto já gastaram mais de US$ 3 trilhões na invasão do Iraque e Afeganistão, atrás de petróleo. Quando aparece uma reserva da ordem de 90 bilhões de barris, no quintal deles, voltam-se para nós, tendo inclusive, reativado a 4ª frota naval sem outra explicação a não ser a “proteção” do Atlântico Sul, onde só se situam Brasil e Argentina.  A Argentina já desnacionalizou o seu petróleo, só restando o Brasil.

  O outro segmento, não menos poderoso, é o cartel das sete irmãs, que já tiveram o domínio de 90% das reservas mundiais e hoje têm menos de 3%.  Nessa condição, estão fadadas a desaparecer. Esse grupo tem um poder econômico colossal e que domina o setor há 150 anos, com ações torpes como suborno, deposição e assassinato de presidentes de países; não vai aceitar essa morte sem luta e precisa das reservas do pré-sal para sobreviver. A Petrobras é indesejável para elas. Para sobreviver, essas empresas se fundiram e hoje são quatro anglo-saxônicas – BP/Amoco, Shell, Exxon/mobil e Chevron/Texaco. Há mais duas grandes petrolíferas resultantes de fusões, que, junto com essas quatro, formam as hoje denominadas “Big Oil”: Total/Fina/Elf e Phillips/Conoco.

 CC: Teríamos alguma chance de vencer estes obstáculos, e iniciar um processo de retomada do monopólio do petróleo, e mesmo de reestatização da Petrobras? Como poderia, ainda que idealmente, ter início um processo como este, com que setores poderia e deveria contar e como o governo reagiria a uma tal perspectiva? 

FS: Nas décadas de 1940 e 1950, quando o petróleo era apenas um sonho, foi feito o maior movimento cívico deste país. O resultado foi a criação da Lei 2004/53, que gerou o Monopólio Estatal do petróleo e a criação da Petrobras. Essa Lei vigorou por 44 anos e foi excelente para o país. Foi através dela que se chegou à auto-suficiência e à descoberta do pré-sal. Agora o petróleo se tornou uma realidade muito acima de todas as expectativas. Temos todos os motivos e razões para retomar esse bem que pertence ao povo brasileiro. E se a sociedade se conscientizar e participar, podemos fazer forte pressão para mudar essa legislação absurda, reestatizando a Petrobras, inclusive com o retorno da Lei 2004/53. Esse movimento está tomando corpo. Vimos com alegria a UNE (União Nacional dos Estudantes) participar da passeata recente no Rio de Janeiro e assinar o manifesto das entidades gaúchas pela retomada da propriedade do petróleo, como manda a Constituição.

  Não tem sentido entregar uma riqueza que foi pesquisada pela Petrobras, que correu todos os riscos – não restando mais risco nenhum – e pertence ao povo brasileiro, para empresas estrangeiras, que não investiram e não correram riscos, levarem 50% desse petróleo em detrimento da Nação. Ou seja, um “bilhete premiado”.

CC: As terceirizações promovidas nos últimos anos têm sido, reconhecidamente, nefastas, tanto para os trabalhadores quanto para a própria empresa. Há como revertê-as sem um processo de reestatização? A atual gestão fez algo nesse sentido?

FS: A terceirização fez parte do processo de desnacionalização da YPF da Argentina. A YPF passou de 37.000 para 7.000 empregados, antes de ser privatizada. Os 30.000 despedidos foram recontratados como terceirizados. Como os atores que comandaram aquela desnacionalização também atuaram por trás do governo FHC, a terceirização tinha a finalidade de vulnerabilizar a Petrobras para desnacionalizá-la.   Assim, na gestão passada, os empregados próprios foram reduzidos de 60.000 para 30.000 e os terceirizados chegaram a 120.000. Na gestão atual, foram contratados 20.000 novos empregados, por concurso, mas a terceirização subiu para cerca de 200.000. Isto enfraquece a empresa e é ruim para todos. Mas é possível reverter esse processo abrindo mais concursos para novos empregados.   Até porque, segundo o programa de treinamento em convênio Petrobras-empresas privadas, o Prominp, é prevista para o pré-sal a abertura de 250.000 empregos diretos e 350.000 indiretos só no setor de petróleo.


  Valéria Nader, economista, é editora do Correio da Cidadania.