Política Nacional de Resíduos Sólidos: “faltou cobrança rigorosa de cumprimento das regras”

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Os projetos de lei que tramitam na Câmara e no Senado para alterar a data estabelecida pela Política Nacional dos Resíduos Sólidos – PNRS, a qual determinava a erradicação dos lixões até 2014, não demonstram a deficiência da PNRS, mas o fato de que ela “não instituiu mecanismos suficientemente fortes para fazer valer a lei ou seus princípios”, pondera Ednilson Viana à IHU On-Line.

Na entrevista a seguir, concedida por e-mail, o biólogo critica a proposta dos deputados de postergar a erradicação dos lixões para 2024 e afirma que “promover a continuidade de uma condição que pode comprometer o meio ambiente e a saúde da população não tem sentido perante o Artigo 225 da Constituição Federal de 1988, que diz: ‘Art. 225: Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações’”.

Segundo ele, a existência de lixões em municípios é como “uma doença crônica” e “aguda”, seja porque eles estão localizados em áreas do lençol freático ou de lagoas, seja porque continuam “servindo de objeto de renda para muitos catadores, que neste caso devem ter propostas mais dignas de trabalho e não correr risco de vida para obter o seu sustento”.

Ednilson Viana é graduado em Ciências Biológicas pela Universidade Estadual Paulista – Unesp, mestre em Ciências pelo Instituto de Química de São Carlos – IQSC/USP e doutor em Saneamento pela Escola de Engenharia de São Carlos – EESC/USP. Atualmente é professor na Universidade de São Paulo – USP, onde desenvolve trabalhos na área de Gestão Sustentável de Resíduos Sólidos.

IHU On-Line – Como analisa o Projeto de Lei 14/2015 da Câmara dos Deputados, que sugere a ampliação do prazo para que a União ofereça apoio técnico e financeiro a estados e municípios na elaboração dos planos de saneamento básico e resíduos sólidos? Em que contexto surge essa proposta?

Ednilson Viana – Depois de cinco ou seis anos de cobrança sobre a elaboração dos Planos de Gestão de Resíduos Sólidos e depois de nove anos de cobrança para a elaboração dos planos de Saneamento, promover mais uma prorrogação, alegando que a dificuldade é preparo técnico e econômico, para mim não tem fundamento coerente. No caso dos Planos de Gestão dos Resíduos Sólidos, o Ministério das Cidades e o Ministério do Meio Ambiente ofereceram apoio técnico, assim como alguns Estados o fizeram, a exemplo do Estado de São Paulo, e houve editais oferecendo recursos financeiros.

Na minha opinião, o que faltou foi uma cobrança rigorosa de cumprimento das regras, semelhante à que está sendo proposta por este projeto de Lei, em que “o prefeito, se descumpridos os prazos, será autuado por improbidade administrativa, sendo a autuação estendida subsidiariamente aos agentes públicos estadual e federal”. Este projeto de Lei é assertivo neste ponto, ou seja, quando propõe um instrumento de cobrança mais poderoso. Por outro lado, quando flexibiliza os prazos, dá a impressão de que no “final da estrada” haverá sempre um “choro a mais”, que permitirá outros caminhos. Este projeto de Lei deve ser trabalhado de forma que não seja visto como um instrumento antieducativo junto à população.

Prorrogação dos lixões para 2024

É flexibilizar demais o que já deveria ter sido cobrado com rigor. Como os lixões e mesmo os aterros controlados são métodos de disposição dos resíduos sólidos no solo com sérios impactos ao meio ambiente e à saúde da população, deixar para depois o que já deveria ter sido feito até 2014, representa, a meu ver, contribuir para a redução da qualidade de vida da população e desconsiderar ou minimizar os riscos que isto representa no coletivo.

IHU On-Line – Que impactos vislumbra caso o PL seja aprovado?

Ednilson Viana – Os impactos ambientais são sabidos, pois um lixão em um município é como “uma doença crônica” e em diversos casos “aguda”, pois há lixões que estão “boiando” em águas do lençol freático ou em lagoas ou mesmo que estão servindo de objeto de renda para muitos catadores, que neste caso devem ter propostas mais dignas de trabalho e não correr risco de vida para obter o seu sustento.

Uma análise de campo mais profunda dos lixões no país pode desenhar com propriedade estes impactos no meio ambiente e na vida das pessoas, mas conhecendo as suas características (lixões e aterros controlados) de antemão, sabemos que é uma condição inadmissível para o presente e o futuro, pois promover a continuidade de uma condição que pode comprometer o meio ambiente e a saúde da população não tem sentido perante o Artigo 225 da Constituição Federal de 1988, que diz: “Art. 225: Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.

Por isso, não sou a favor da prorrogação dos lixões, mas sim de um instrumento de cobrança eficiente. Eu defendo o suporte aos municípios desde que esclarecidos e comprovados à luz dos prazos já estabelecidos e vencidos.

IHU On-Line – Por que se chegou ao ponto de ter de prorrogar o fim dos lixões para 2024? O que isso demonstra sobre a Política Nacional de Resíduos Sólidos e a possibilidade de colocá-la em prática?

Ednilson Viana – Alega-se que fora a falta de qualificação profissional dos envolvidos e condições financeiras para substituir estes lixões por aterros sanitários a causa do problema. Os que conseguiram substituir os lixões no prazo ou conseguiram elaborar os seus planos de gestão não tiveram deficiências financeiras e técnicas? Será que não há também o elemento “prioridade” envolvido em muitos casos? Os investimentos feitos no setor por estes municípios que atenderam o que pedia a PNRS, muitas vezes com sacrifícios ao poder público, não entenderiam esta prorrogação e apoio técnico e financeiro do referido projeto de Lei como um desestímulo àqueles que se sacrificaram para atender o cumprimento legal?

Esta prorrogação demonstra não que a PNRS seja fraca ou tão deficiente, mas que ela não instituiu mecanismos suficientemente fortes para fazer valer a lei ou os seus princípios. Neste caso dos lixões e dos planos de gestão, demonstra que ela não conseguiu com que todos ou a grande maioria cumprisse com o seu papel para uma gestão adequada dos seus resíduos sólidos e que houve falhas na elaboração dos instrumentos de cobrança para além do acesso aos recursos da União.

IHU On-Line – Como se deveria discutir a gestão dos resíduos sólidos?

Ednilson Viana – Este é um momento em que devemos discutir a reorganização do sistema de gestão dos resíduos sólidos brasileiros para além dos consórcios. Precisamos buscar arranjos de gestão que otimizem custos, viabilizem tecnologias inovadoras e eficientes, promovam parcerias duradouras, consigam compartilhar espaços no fluxo dos resíduos, consigam promover uma caracterização anual e séria dos resíduos sólidos e possamos desviar a grande quantidade de recicláveis que vão para os aterros sanitários, pensando na gestão dos resíduos sólidos não somente como uma gestão integrada, mas agora como uma gestão sustentável, onde se considera a qualidade do produto final. Devemos caminhar para o abandono dos aterros sanitários, e o uso de tecnologias e processos de gestão mais promissores e em alinho com políticas públicas mais eficientes e que cobrem com rigor, sem a ideia de flexibilização para o futuro.

 

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos