Pesquisa aponta que não há dados sobre mulheres negras na engenharia

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Por Ludmila Almeida 

Publicada originalmente no portal Notícia Preta

No dia 10 de abril se comemora o Dia da Engenharia, e seus vários segmentos, porém, uma pesquisa, segundo dados do Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (CONFEA) mostra que a área de exatas é predominante ocupada por homens, apenas 14,45% do quadro de engenheiros do país é de mulheres. Dados sobre quantas mulheres negras integram esse quadro nacional, ainda é subnotificado.

Uma das engenheiras de maior prestígio no país é a piauiense Márcia Maria dos Anjos Mascarenhas, professora e doutora em engenharia que, desde a adolescência já tinha afinidade com matemática e sonhava em ser professora. Graduada em Engenharia Civil pela Universidade Federal do Piauí (UFPI), após realizar mestrado e doutorado na Universidade de Brasília (UnB), passou no concurso para a Universidade Federal de Goiás (UFG), atualmente, Márcia é é coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Geotecnia, Estruturas e Construção Civil (PPG-GECON), além de lecionar e orientar pesquisas no curso de graduação em engenharia ambiental e civil.

Márcia conversou com a nossa reportagem sobre seu passado, suas aspirações e todos os mitos que rondavam seu imaginário. “Eu não sabia o que era um pesquisador, no meu imaginário eu pensava em Einstein, eu achava que a ciência era algo muito longe da realidade, da minha capacidade”, lembra a professora ao pontuar a falta de referências próximas e a importância do incentivo de seus professores para seguir carreira acadêmica. 

Sobre o processo de se reconhecer como mulher negra, ela aponta as sutilidades de determinados comentários e do quanto é importante entender o contexto histórico para compreender o porquê desses comentários. “Talvez pela minha própria trajetória, que eu vim do interior do nordeste, de uma família de trabalhadores para fazer mestrado e doutorado, e isso já era desafio demais. Então, eu não pensava na questão de ser mulher e de ser uma mulher negra. E, na realidade, eu nem tinha essa percepção que eu era uma mulher negra. Eu acho que essa percepção veio quando eu comecei a participar da comissão de heteroidentificação da UFG. E quando eu comecei a participar da comissão, fui começando a ver as coisas. E aí, alguns sinais que eu nunca tinha percebido, do quanto esse processo é difícil, eu comecei a perceber, por exemplo, como algumas pessoas diziam assim pra mim: nossa você é professora engenheira? Não parece, relata a doutora.

Márcia conta que teve dificuldades de conseguir uma moradia quando se mudou para Goiás, por que as pessoas não demonstravam muita confiança nela. “Quando eu cheguei aqui, por exemplo, eu ia procurar apartamento para alugar e eu via a forma como as pessoas desconfiavam. Eu tinha acabado de ser contratada na UFG e fui procurar apartamento simples, de classe média. E eu chego e o porteiro diz assim: ‘você sabe o preço do aluguel?’. Naquele momento eu pensava assim: deve ser porque eu ando de tênis, de bermuda né? E depois eu fui perceber que não, porque se fosse uma mulher branca, loira, de bermuda e tênis, porque é o jeito que você anda quando vai procurar apartamento, ninguém ia perguntar se ela tinha dinheiro para pagar o aluguel. Eu só comecei a perceber isso depois que eu comecei a participar da comissão [de heteroidentificação] e aí eu fui entendendo, então na realidade era racismo e eu não tinha percebido”, conta sobre o quanto o processo de violência racial ainda é muito naturalizado no dia a dia.

Por mais mulheres nas ciências

A professora doutora Márcia participa do projeto Conversa entre meninas engenheiras:  Semeando oportunidade de gênero na ciência, que publicou um livro que traz um panorama sobre as mulheres nessa área, quem são as pioneiras e como essa questão se posiciona na escola de engenharia da UFG. A pesquisadora ministra a disciplina Mulheres na engenharia, que também reúne estudantes da área de humanidades, um espaço com discussões sobre a baixa representatividade de mulheres na engenharia e sobre a importância do feminismo negro.

Em uma das atividades, as alunas fizeram um quantitativo de homens e mulheres nas engenharias da UFG (civil, ambiental, mecânica, de computação e elétrica), e constataram que 77% do corpo estudantil era de homens, desses, 10% são negros; e 23% de mulheres, dessas, apenas 9% são negras. Dado que reflete no corpo docente, segundo a doutora, já que no programa de pós-graduação se tem somente ela como mulher negra e um outro colega negro.

Além das condições sociais e econômicas exigidas na permanência em um curso de graduação em exatas, a professora também ressalta o medo e a falta de autoestima que afeta as mulheres e, em especial, as mulheres negras devido ao processo histórico que inventa a ideia de que aquele espaço não é para elas. “É muito importante a gente resgatar isso, garantir representatividade, para poder resgatar a autoestima da mulher negra para que ela se sinta mais à vontade em ocupar esses espaços e se destacar na carreira acadêmica. Então, às vezes eu vejo nas minhas alunas um próprio nervosismo ao falar que eu sei que aquele nervosismo não é daquela pessoa, tem toda uma estrutura ali por trás que faz com que ela se sinta insegura ao fazer aquilo, porque parece que aquele lugar ali não é dela”, finaliza. 

História de mulheres negras na engenharia

Nessa data é preciso recordar de personalidades que fizeram a engenharia acontecer. Uma delas, ainda pouco evidenciada, primeira mulher negra engenheira do Brasil, é a Enedina Alves Marques, uma pioneira que contrariou as posições sociais e profissionais da época. Formada em Engenharia Civil, em 1945, pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), trabalhou como auxiliar de engenharia na Secretaria de Estado de Viação e Obras Públicas, foi chefe de hidráulica, da divisão de estatísticas e do serviço de engenharia do Paraná. Dentre outras obras se tem o Colégio Estadual do Paraná e a Casa do Estudante Universitário de Curitiba.

Vivendo na região sul do Brasil, a história sobre Enedina a descreve como uma mulher muito vaidosa, que usava macacão nas obras da usina e levava uma arma na cintura, que, às vezes, disparava tiros ao alto para se ter o devido respeito entre os homens da construção. Ocupar as áreas de exatas ainda exige resistência e combate a barreiras patriarcais por parte das mulheres. Por ser uma área técnica, que envolve matemática, resolução de problemas e dedicação de tempo, para muitas pessoas, ainda existe um imaginário social sobre quem pode estar nessa área ou não. “O fato de ter pouca representatividade, de você não ver mulheres, e você não ver mulheres negras sendo engenheiras, parece que esse não é um lugar para para mulheres negras”, diz a professora doutora em engenharia, Márcia Mascarenhas.

 

Fonte: Senge BA | Notícia Preta
Foto: Nappy