Perceba-me! Pelo grito, pela marca e pela dor.

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O que é perceber? Existem diversas respostas em diversos campos de estudo, mas algo une essas interpretações: Perceber é reconhecer a existência das coisas através dos sentidos. E a violência contra a mulher, como é percebida pela sociedade?

 

A inédita pesquisa Percepção da sociedade sobre violência e assassinatos de mulheres, realizada pela Agência Patrícia Galvão e o Data Popular foi além dos dados concretos. Ela mostra que a percepção das pessoas em relação à violência contra a mulher é grande e a realidade pode ser bem diferente do que as estatísticas oficiais conseguem mostrar.

Não há dúvida de que, passados sete anos, a Lei Maria da Penha foi um divisor de águas no olhar da sociedade perante as agressões às mulheres. Segundo a pesquisa, 98% dos entrevistados disseram conhecer a lei e 89% declararam ter percebido mais crimes contra as mulheres nos últimos anos. Para Marisa Sanematsu, editora da Agência Patrícia Galvão e do Portal Compromisso e Atitude pela Lei Maria da Penha, ocorreu uma mudança de paradigma. “Isso significa que a violência contra as mulheres, que há pouco tempo era considerada uma questão privada e de menor importância, hoje é entendida como um crime que deve ser denunciado e punido”, afirmou. Além disso, para essas pessoas, o respaldo de uma lei específica significa um encorajamento para as mulheres levarem a situação até as autoridades.86% dos entrevistados acredita que as mulheres passaram a denunciar mais a violência doméstica após a lei.

A promotora de Justiça da Bahia e coordenadora da Comissão Permanente de Promotores da Violência Doméstica (Copevid) do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais de Justiça, Márcia Teixeira, disse que a lei Maria da Penha é considerada um marco no ordenamento jurídico brasileiro. seja por propor uma revolução na forma de atuar na lógica tradicional do sistema de justiça, de olhar no caso especifico da mulher por partes, ou seja, na Vara de família, na Vara cível, sem se preocupar se aquela mulher com ou sem filhos está em situação de violência ou de risco.

 

Apesar desse grande avanço jurídico, a aplicação da lei Maria da Penha não se traduziu em sensação de diminuição da violência. Ainda que 57% dos entrevistados considerem existir um aumento no número de agressores punidos, metade deles acha que a forma como a justiça pune, não reduz as agressões às mulheres. “A impunidade e a ausência de denúncia pela falta de confiança na Justiça são grandes incentivadores da violência”, interpretou Sanematsu. Para a editora, a Justiça deve ser mais rápida e exemplar na punição aos agressores, a fim de reverter esse quadro. Quando questionada sobre as condições desumanas do sistema penitenciário brasileiro, Sanematsu acredita que existem soluções alternativas e “não menos severas” de punir. Ela citou o caso do INSS. Há pouco tempo o serviço de previdência pública conseguiu nos tribunais, que os agressores paguem pelas pensões e aposentadorias ocasionadas por violência doméstica. “Essa é uma punição que afeta o bolso do agressor e que pode surtir efeito para coibir esses crimes”.

Violência institucional

A Lei Maria da Penha sugere em seu texto, que outras medidas preventivas e órgãos de apoio específicos sejam criados ou fortalecidos. Esse é outro ponto alarmante. A pesquisa mostra que, exceto as Delegacias Espaciais de Atendimento a Mulher (Deam), os demais centros de apoio – centros de assistência social, casas de abrigo temporário –  são conhecidos por menos de 44% dos participantes da pesquisa. Este fato mostra a necessidade de divulgação mais ampla desses instrumentos aos quais as mulheres podem recorrer. Além disso, esses institutos devem oferecer meios adequados para o atendimento à mulher em risco. Para Sanematsu, eles precisam “ampliar a rede de atendimento às vítimas de violência, que deve contar com pessoal capacitado para oferecer um atendimento multidisciplinar, humanizado e de qualidade”.

A Deam, por sua vez, é bastante conhecida, 97% dos entrevistados declararam saber de sua existência, no entanto apresenta problemas. Além de não atingir muitos lugares do país, existem relatos de atendimento inadequado. A ativista do grupo Articulação de Mulheres Brasileiras, Rogéria Peixinho, sofreu, após a Marcha das Vadias deste ano, ameaças de morte e estupro. Ao chegar à DEAM para fazer a denúncia, recebeu “forma de tratamento não adequada”, disse ela, e ressaltou que não havia ninguém no atendimento. “Detetive jogando palavras-cruzadas, enquanto mais três mulheres estavam na fila”, relatou. O registro das ameaças demorou quatro horas. Ela contou que nesse mesmo dia conheceu uma mulher recém-agredida pelo ex-companheiro. Mesmo com machucados aparentes e de posse de quatro Medidas Protetivas teve atendimento negado, pois ela deveria fazer o exame de corpo-delito antes de registrar o boletim de ocorrência. O que não é o procedimento correto. Para esse tipo de situação, Peixinho aconselha as mulheres a procurarem as comissões de direitos humanos do Ministério Público Estadual e a das Assembleias Legislativas.

Enquanto 92% dos pesquisados concordam que a frequência das agressões podem terminar em assassinato, 85% acham a denúncias como fator de influência de homicídio. Em ambos os casos, a impressão que fica é a eminência da morte.