Diante da escalada dos preços dos combustíveis, o governo ensaia uma saída “eleitoreira”, por meio de Propostas de Emenda à Constituição (PECs) para o problema. Essa é a opinião da pesquisadora Carla Ferreira, do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep), sobre as duas propostas atualmente em discussão no Congresso. Em comum, elas pretendem a redução, ou até a anulação, dos tributos que incidem sobre os combustíveis. Além de “paliativas”, são “insustentáveis”, segundo ela, devido às perdas bilionárias que provocarão na arrecadação. Além disso, não atacam a questão principal, que é a política de preços adotada pela Petrobras desde 2016.
Não apenas os impostos federais, explica Carla Ferreira, mas também estaduais e municipais poderiam ser reduzidos ou zerados. No entanto, esse dispositivo valeria apenas para este ano e o próximo, o que denuncia o caráter eleitoral dessas propostas. O agravante é que as propostas dispensam os entes federativos de compensarem os impactos no orçamento.
Para a pesquisadora do Ineep, ao autorizar, mas não especificar quais tributos seriam zerados ou reduzidos, o governo Bolsonaro pretende continuar terceirizando a culpa pela alta dos combustíveis. Num cenário hipotético, a esfera federal zeraria seus impostos, pressionando governadores e prefeitos a fazerem o mesmo.
“Parece que não é uma forma de querer resolver o problema, mas de continuar nesse processo de responsabilização de terceiros”, disse a especialista nesta quarta-feira (9), durante webnário promovido pelo próprio Ineep. “Além disso, a redução no curto prazo do ICMS, por exemplo, é inexequível”. Nesse sentido, medidas desse tipo demandariam um longo período de transição.
Efeito “kamikaze”
Uma das PECs foi apresentada pelo deputado Christino Áureo (PP-RJ), mas teria sido elaborada pelo próprio Executivo. Por ela, os impactos na arrecadação poderiam chegar a R$ 54 bilhões ao ano, segundo cálculos do próprio Ministério da Economia. A pasta comandada por Paulo Guedes é contra a PEC, o que revela também um certo “racha” dentro do governo.
Já a proposta do senador Carlos Fávaro (PSD-MT) vai ainda mais longe. Além da possibilidade de isenção sem compensação, também prevê um “auxílio-diesel” de até R$ 1.200 para caminhoneiros autônomos. Já um “auxílio-gás” para famílias carentes poderia chegar a 100% do valor do botijão. Esses benefícios seriam pagos por meio de um “fundo social”.
Este, por sua vez, seria alimentado com dividendos da Petrobras pagos à União, além de recursos recebidos com os leilões das outorgas onerosas do pré-sal. Os impactos fiscais poderiam chegar à casa dos R$ 100 bilhões anuais. Por conta disso, integrantes da equipe econômica do próprio governo apelidaram-na como “PEC kamikaze”.
PPI
Carla contesta o foco na tributação para tentar controlar a alta dos preços dos combustíveis. “O que tem influenciado de forma significativa nesse movimento é a política de preços implementada pela Petrobras. É o chamado Preço de Paridade Internacional (PPI), que considera os preços do mercado internacional para definir os preços internos”, destacou.
Somente em janeiro, o barril de petróleo tipo Brent, principal referência internacional, registrou alta de 15,4%, cotado a US$ 89,26. Analistas internacional apontam que o preço do barril pode chegar a US$ ao longo do ano. Com o PPI, a Petrobras acaba repassando essas flutuações ao mercado interno. Contribui ainda a flutuação do câmbio. Se o real se desvaloriza, a conversão desses preços dolarizados fica ainda mais salgada.
Nesse sentido, ela lembrou que eventuais reduções de tributos podem acabar superadas pela volatilidade do mercado externo. Foi o que aconteceu, por exemplo, entre abril e maio, quando o governo federal zerou a cobrança de PIS/Cofins sobre o diesel. A isenção reduziu em 33 centavos o preço do combustível. Mas, ao final desse período, essa redução já havia sido igualada por novos aumentos.
De acordo com a especialista, também caiu o argumento de que a privatização das refinarias aumentaria a competitividade, fazendo cair os preços dos combustíveis. Carla citou o caso da refinaria Mataripe – antiga Refinaria Landulpho Alves (Rlam) – na Bahia. Privatizada para um fundo árabe, a unidade reajustou a gasolina em 7,40%, desde dezembro. Enquanto que, no mesmo período, os reajustes praticados pela Petrobras ficaram em 1,85%.
Fonte: Tiago Pereira/Rede Brasil Atual
Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil