Para professor da Coppe, omissão explica o caos nas chuvas

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Jardim Botânico, RJ – Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

“Uma infraestrutura não adequada, prefeito inoperante, chuva forte” – na opinião do professor de Recursos Hídricos da Coppe/UFRJ Paulo Canedo, essa combinação explica o caos instalado na cidade do Rio de Janeiro durante o temporal da noite da última segunda-feira (8), que deixou dez mortos. Segundo ele, faltou, principalmente, iniciativa do poder público para reagir a tempo, quando já se sabia que a chuva viria.

A Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (DPRJ) também questionou a omissão — na Justiça. Obteve, na quarta-feira (10), uma liminar que fixou prazo de 72 horas para a Prefeitura do Rio apresentar as medidas que teria adotado para prevenir e reduzir os danos para a população. A decisão judicial deu  ainda 15 dias para a entrega de outras informações, como os mapas de riscos geológicos/geotécnicos e as ações previstas para cada área de risco, e os motivos pelos quais o município não decretou logo o estado de calamidade (o que o prefeito Marcelo Crivella só fez nesta quinta, dia 11), permitindo acesso às verbas federais do sistema nacional de proteção e defesa civil. No mesmo prazo, a prefeitura terá que esclarecer por que não usou os recursos liberados pela Caixa Econômica, em decorrência do estado de calamidade das chuvas de 2010 e 2015, para obras de contenção de encostas e redução de danos em casos de enchentes. Dos mais de R$ 422 milhões disponibilizados pelo banco, menos de 25% foram aplicados.

Na ocorrência de chuvas muito fortes, Canedo, da Coppe/UFRJ, destaca dois instrumentos estratégicos de planejamento de que a Prefeitura deveria dispor: um plano de contingência, com protocolos definidos e população treinada para saber o que fazer para se proteger; e um programa de investimentos na modernização da infraestrutura que fosse contínuo, de longo prazo, atravessando diferentes gestões municipais.

Na avaliação do especialista, com 12 horas de antecedência já é possível para o prefeito saber que uma chuva forte vai ocorrer. E à medida que o tempo avance, ir estimando o volume de precipitação (quantos milímetros de água por metro quadrado) e sua duração. “Pode haver dúvida se a chuva vai entrar por Ipanema ou pelo Leblon, mas não se vai entrar pelo Meier. Neste momento, como deve estar a Prefeitura? Já com todo o seu sistema de defesa preparado. A previsão existe, só tem que saber lê-la. No caso aqui, o prefeito não sabe, ou sabe e não agiu.”

Canedo observa que os 30 pontos da cidade mais vulneráveis às chuvas são de amplo conhecimento tanto das instituições, quanto da própria população – entre eles, áreas como o Catete, o Parque dos Patins, a Praia de Botafogo, Rio das Pedras… As equipes de socorro já deveriam estar nestes lugares ou prontas para se dirigirem para lá antes que os problemas tomassem grandes proporções. Por exemplo, para limpar os bueiros que se sabia que estão entupidos; ou verificar se as bombas do “mergulhão” da Barra, que virou uma piscina durante as chuvas, estão funcionando; ou orientar as populações de comunidades, como na Rocinha, ajudando no seu deslocamento para locais seguros.

“Cada caso requer um tipo de ação”, observa o professor da Coppe. “O mergulhão, por exemplo, foi projetado para se evaziar apenas por meio de bombeamento. Um prefeito precavido deveria vistoriar regularmente as bombas – é preciso ter uma funcionando e outra reserva. Com o alerta de chuva, mandaria imediatamente conferir a operação das bombas.” Isso não significa que imprevistos não aconteçam, e para eles o professor diz que deve haver uma outra equipe pronta para entrar em ação – “a chamada equipe para o que der e vier”.

Essa organização faria com que a população sofresse muito menos do ponto de vista físico, destaca Canedo, mas não só. “No aspecto psicológico, a diferença também é imensa entre você estar sozinho vendo sua casa inundar e ninguém fazendo nada, ou assistindo ali ao poder público tentando resolver ou ajudar.” Para ele, a situação caótica da segunda-feira demonstrou, mais uma vez, que a cidade não está preparada. “Também tivemos a certeza de que este [Marcelo Crivella] é um prefeito que não é vigilante, nem precavido.”

O plano de contingência para ser disparado previamente à chegada das chuvas deve considerar os diferentes contextos – por exemplo, se houve chuvas anteriores e a terra está molhada, teremos maior perigo de escorregamento de encosta e a ação de defesa precisa ser mais incisiva para evitar mortes, ou, como na segunda-feira (8), se deve se concentrar na desobstrução dos meios de drenagem. “Uma coisa é comandar uma equipe de garis para limpar calçadas; outra, um grupo de enfermeiros e bombeiros para a vida de pessoas”, explica. Essas ações devem estar no plano de contingência, e serem acionadas por ordem da Prefeitura. Na noite de 8 de abril,  diz Canedo, não se acionou protocolo algum. “Foram pegos de supresa.”

Infraestrutura velha

Ainda que funcionem perfeitamente, todas essas providências enfrentam, ainda, o fato de a cidade ter uma infraestrutura velha de ralos, bueiros e dutos. “A infraestrutura instalada de drenagem tem prazo de validade, como tudo, e não é revisitada há muitas décadas”, diz Canedo. “Temos canos do início da República; é claro que a situação está ruim.”

O professor compara com regulação recente que passou a obrigar a autovistoria predial nos edifícios da cidade a cada cinco anos – “a mesma coisa deveria ser feita na rua, um programa de acompanhamento”. Pela idade avançada, seria preciso planejar a substituição gradual da infraestrutura, não só pelo desgaste dos materiais mas também devido à mudança na ocupação do território, onde bairros que concentravam mil pessoas agora tem dez vezes mais gente usando água, esgoto e produzindo lixo.
Um plano de prioridades nessa área, na opinião do especialista, deveria ser desenvolvido por todos os prefeitos, de forma permanente, automática, como o pagamento de folha de pessoal.

Some-se a isso o descarte desordenado de lixo. Segundo Canedo, a Comlurb varre cinco vezes a avenida Rio Branco, diariamente, mas ela continua suja. “Não é razoável. O ente gerador é a população mas precisa haver um comando das autoridades públicas, com campanhas que estabeleçam um protocolo cultural.” No Japão, ele diz que as pessoas, mesmo na ausência de latas de lixo, guardam os resíduos na bolsa, em sacos, mas não os jogam na rua. Em Barcelona, na Espanha, optou-se por um sistema de latas que funcionam com sucção, levando o lixo direto para o aterro. De qualquer forma, é preciso escolher uma saída e não deixar os lixos em sacos pelas ruas. Se o dinheiro para os investimentos é escasso, o professor da Coppe diz que é necessário haver “governança para definir prioridades e trabalhar com o que se tem”.

Inércia e recursos ociosos

Laranjeiras, RJ – Foto: ACG

Mesmo recursos disponíveis não foram utilizados na prevenção dos acidentes na cidade, de acordo com questionamento da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro. No plantão judiciário noturno da terça-feira (9), o órgão entrou com pedido de liminar para obrigar a Prefeitura do Rio a instituir um gabinete de crise, cobrando também o plano de contingência e um programa de investimentos, explicando por que não usou os recursos liberados pela Caixa. E, ainda, por que não foi decretado estado de calamidade para que a Prefeitura tivesse acesso às verbas federais do sistema nacional de proteção e defesa civil.

Para a DPRJ, a Prefeitura deve apresentar documentos que comprovem a execução do plano de contingência em casos de temporais, incluindo a descrição das comunidades que contam com sistema de alerta, assim como de pontos de apoio e abrigamento para os moradores. Da mesma forma, requer informações sobre obras de drenagem, esgotamento sanitário e contenção de encostas realizadas desde de 2011 até hoje, assim como a apresentação de mapas de riscos geológicos/geoténicos e detalhes dos programas de urbanização e regularização fundiárias nas favelas.

As chuvas alagaram ruas de vários pontos da cidade e provocaram novos deslizamentos nas comunidades da Rocinha, Leme, Botafogo, Niemeyer e Jardim Botânico. Também inundaram bairros como Jardim Maravilha, em Campo Grande; Brejo, na Cidade de Deus; e parte da Muzema, no Itanhangá, onde nesta sexta-feira (12) uma edificação irregular desabou. Em todas essas regiões, diversas pessoas estão desabrigadas e perderam seus bens.

O pedido de liminar, assinado pelo Núcleo de Terras e Habitações (Nuth), Núcleo de Fazenda Pública (Nufaz) e pela Coordenação de Saúde e Tutela Coletiva da Defensoria Pública do Rio, destaca que “a administração pública deve atuar em prol do interesse público” e que a inércia da Prefeitura do Rio na implementação de uma política de prevenção e redução de danos por causa de fortes chuvas, configura omissão – ou seja, um “comportamento ilícito”.

Segundo dados do Rio Transparente coletados pelo jornal O Globo, a prefeitura do Rio não gastou nada este ano na manutenção da drenagem urbana da cidade e na contenção de encostas. Entre janeiro e abril, nenhuma nova despesa foi autorizada pela antiga Secretaria de Conservação e Meio Ambiente. Um total de R$ 8,3 bilhões foi pago às empreiteiras apenas para quitar serviços prestados principalmente em 2018.

Em coletiva de imprensa, o prefeito Marcelo Crivella afirmou que falta dinheiro para investir, por exemplo, na realocação de pessoas que moram em áreas de risco. Mas Canedo, da Coppe, lembra que nem treinamento foi dado às comunidades para que se saiba o que fazer no caso de soarem as sirenes.

Em sintese, diz o especialista, embora as chuvas de segunda-feira tenham sido acima da média – no Jardim Botânico caíram189 mm em quatro horas, um volume esperado a cada 285 anos –, uma ação pública mais eficiente teria reduzido de forma significativa os danos impostos à população. “Foi uma chuva extraordinariamente forte, que excede os tradicionais sistemas de proteção. É razoável que, com uma chuva desse padrão, a cidade tenha estragos. Mas não precisa ser um estrago da dimensão que houve. A cidade não estava preparada direito. Sofreu mais do que deveria.”

 

Fonte: SOS Brasil Soberano