Dias após o anunciar a liberação do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), nesta quarta-feira (24) Jair Bolsonaro (PSL) assinou uma Medida Provisória (MP) para permitir saques de contas ativas e inativas do fundo.
O anúncio foi feito durante a manhã por Onyx Lorenzoni (DEM), ministro da Casa Civil, que informou que o limite de saques será de, no máximo, R$ 500 por conta. Os saques poderão ser realizados a partir de agosto deste ano até março de 2020.
Na opinião de Rita Serrano, eleita pelos trabalhadores para o Conselho Administrativo da Caixa Econômica Federal, a MP remete a uma política paliativa e não impactará a economia da forma anunciada pelo governo.
Ela argumenta que, com a liberação, haverá um esvaziamento do Fundo de Garantia que poderá prejudicar a população – e encara a medida como uma nuvem de fumaça para desviar as atenções da tramitação da reforma da Previdência.
“Todo o saneamento básico, a habitação, a infraestrutura e a mobilidade tem investimento do FGTS. Ele é um fundo híbrido que cumpre diversas funções, é fundamental para contribuir para o desenvolvimento do país. O governo está dilapidando recursos dos trabalhadores com essa medida populista, para esconder quais são as verdadeiras intenções, que querem acabar com o direito dos próprios trabalhadores”, afirma Serrano.
A conselheira relembra que o Brasil chegou ao sexto mês de governo Bolsonaro com 13 milhões de desempregados e 63,4% das famílias endividadas. Neste cenário, o consumo ficará em segundo lugar. “O trabalhador vai pegar esse recurso, usar para pagar suas dívidas e na realidade a situação não vai mudar. Não há crescimento de renda, geração de emprego. Não há nada”, explica.
Confira entrevista de Rita Serrano na íntegra.
Brasil de Fato – Como você avalia a medida de liberação do FGTS anunciada por Jair Bolsonaro?
Rita Serrano – Essa ação do governo, em primeiro lugar, é um mel na boca dos trabalhadores, uma forma de colocar uma nuvem de fumaça no fato dos trabalhadores estarem perdendo direito à aposentadoria com a reforma da Previdência, já aprovada em primeiro turno no Congresso.
Estamos em um país com 13 milhões de desempregados e, se contar os informais, chegamos a 20 milhões de pessoas. A economia está praticamente parada e a desindustrialização nunca foi tão forte, várias indústrias de ponta estão fechando unidade.
Nesse cenário de caos, o governo vem e ao invés de mostrar para o país que tem um projeto de desenvolvimento, de crescimento sustentável da economia, a ação é dizer que vai liberar as contas do FGTS, o que foi feito em 2017 no governo Temer. Liberaram R$ 44 bilhões das contas inativas do Fundo, e o impacto da época no PIB foi muito pequeno.
É importante as pessoas saberem que o Fundo de Garantia não foi reivindicação dos trabalhadores. Foi instituído em 1967 no governo militar para substituir a estabilidade do emprego que os trabalhadores tinham.
Embora não tenha sido reivindicação, ele se tornou um dos maiores fundos privados que faz o investimento público. Eu diria que Fundo de Garantia é um fundo híbrido. Ao mesmo tempo em que serve como seguro para o trabalhador em caso de desemprego, na aposentadoria, em caso de doença, ele volta para o trabalhador como moradia, saneamento básico, investimento em infra-estrutura e mobilidade; como forma de seguro e também como investimento.
E esses investimentos em mobilidade, habitação e infra-estrutura é que seriam capazes de gerar emprego e crescimento na economia. Essa medida de liberação não vai resolver o problema dos trabalhadores, vai piorar a situação.
Nos últimos cinco anos, a área de construção civil demitiu 1,2 milhões de trabalhadores. E, na realidade, o maior investimento de habitação do país é feito justamente com recursos do FGTS.
A tendência é criar mais um esvaziamento do Fundo, esses investimentos não serão feitos. O trabalhador vai receber R$500, isso vai avaliar pouco a situação dele. E sempre lembrando: quem vai receber é o trabalhador que está empregado. O trabalhador desempregado continuará desempregado.
É uma medida de baixo impacto na economia e mostra como o governo, como já disse, quer colocar mel na boca dos trabalhadores na hora em que está retirando direitos. Os trabalhistas já foram retirados, já se precarizou as condições de trabalho, e agora a reforma previdenciária tira o direito à aposentadoria.
O governo alega que a liberação do Fundo dará uma “injeção na economia” e o ministro Onyx Lorezoni anunciou que não será uma medida única, que todo ano o FGTS será liberado. Como analisa essa política?
Nós temos 13 milhões de desempregados e, aliado a isso, temos 64% das famílias brasileiras endividadas. 1% das contas do FGTS concentra 40% do saldo do Fundo e 85% das contas tem menos de um salário mínimo. Não é à toa que vão liberar R$500 porque na realidade 85% dos trabalhadores que têm direito, não têm nem R$1.000 na conta.
O trabalhador vai pegar esse recurso, pagar suas dívidas e a situação não vai mudar. Não há crescimento de renda, geração de emprego. Não há nada. E como vão fazer isso nos próximos anos? É outra falácia. A reforma trabalhista precarizou as condições de trabalho de tal forma que hoje dificilmente as empresas criam trabalhos registrados.
A informalidade é muito grande e só tem FGTS quem tem carteira assinada. Como não está havendo crescimento de emprego, isso significa que, nos próximos anos, o saldo do Fundo vai ser menor e menos pessoas vão ter direito ao Fundo de Garantia. É uma falácia que isso vai ser garantido para os próximos anos. A questão é para quem será garantido.
Quais as áreas mais impactadas? As políticas de moradia correm riscos?
O governo não apresenta nenhuma política habitacional. O “Minha Casa, Minha Vida” está parado. Só nos últimos 10 anos, o FGTS emprestou para o programa R$ 235 bilhões e construiu 2,8 milhões de moradias. Além disso concedeu R$ 62 bilhões em subsídios. Este, sim, é um programa de infraestrutura, que gera emprego, moradia, renda e melhora a qualidade de vida das pessoas. A liberação do Fundo de Garantia por si só não vai resolver o problema da economia e muito menos dos trabalhadores.
Outra questão é que o governo pretende tirar o FGTS da Caixa. O FGTS ainda tem um saldo de mais de R$ 500 bilhões e vai retirá-lo da Caixa, com certeza, para favorecer bancos privados que não fazem investimento em habitação, saneamento, infraestrutura e mobilidade. Só pensam no lucro.
E o próprio presidente da República já disse que é absurdo ter multa no FGTS, portanto, quer acabar com mais um direito dos trabalhadores. Eu diria que todo esse esforço em fazer essa liberação, nada mais é que uma nuvem de fumaça para esconder várias intenções de piorar mais ainda as condições de trabalho e de vida das pessoas, em favorecimento do setor privado e do sistema financeiro privado.
Esse dinheiro é do trabalhador e volta para ele de várias formas, volta como serviços. Precisamos frisar isso porque a maioria das pessoas não entendem, não sabem que na rua onde moram tem saneamento feito com investimento do FGTS, não têm consciência de que quando vai financiar uma casa, a maioria usa recurso do Fundo.
Qual a situação do FGTS nos últimos anos?
Em 2017, o FGTS teve uma correção de 5.5% e a inflação foi de 2.59%. Em 2018, o Fundo cresceu 5% e a inflação foi de 3.75%. Ficava abaixo da inflação mas em 2017, até por conta de uma pressão grande das centrais sindicais para que se mudasse a forma de correção, o FGTS começou a ter correção acima da inflação. Imagino que esse ano ainda será.
Mas, as pessoas precisam saber, que o fato de ter uma correção menor do que as outras operações é que o torna viável para fazer investimento em infraestrutura, por ter uma taxa de juros menor. Quem mais ganha com essas políticas de infraestrutura são os trabalhadores do país que têm uma remuneração baixa. Eles ganham porque o recurso está no fundo e ganham com os investimentos na melhoria de sua qualidade de vida.
Todo o saneamento básico, a habitação, a infraestrutura e a mobilidade têm investimento do FGTS. Ele é um fundo híbrido que cumpre diversas funções. É fundamental para contribuir para o desenvolvimento do país e o governo está dilapidando recurso dos trabalhadores com essa medida populista, para esconder quais são as verdadeiras intenções que é acabar com esse direito dos trabalhadores.
E também, de privatizar os recursos que são dos trabalhadores e deveriam ter gestão pública, com o aumento da fiscalização por parte dos trabalhadores.
Fonte: Lu Sudré – Brasil de Fato
Edição: Rodrigo Chagas
Foto: Divulgação