A pandemia de Covid-19 revelou falhas graves nos serviços de telecomunicações privatizados, afirmou o engenheiro de telecomunicações Marcio Patusco, integrante da Câmara de Universalização e Inclusão Digital do Comitê Gestor da Internet (CGI.br), que participou de transmissão ao vivo no canal do Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio de Janeiro (Senge RJ), no YouTube, no último dia10. As falhas envolvem tanto o desempenho da rede no contexto de maior demanda, quanto o atendimento aos consumidores, historicamente ruim, avaliou. “É exatamente o que a gente gostaria de enfatizar: que o setor foi negligenciado a partir da privatização, e que não temos resultados satisfatórios.”
No mundo inteiro, destacou Patusco, ficou evidente a importância de ter as comunicações como auxiliar do trabalho, do divertimento, das formas de reduzir o estresse, para o trabalho e o ensino a distância. Mas, no Brasil, esse aumento da virtualização das atividades não estariam sendo suportado adequadamente pela infraestrutura de dados oferecida pelas operadoras. “As velocidades [de acesso à internet] caíram abissalmente. Aqui em casa, tenho 240 Megabits contratados, mas só chegam 20 Mbps, praticamente um décimo.”
O integrante do CGI.br, também conselheiro do Clube de Engenharia e do CREA-RJ, apontou, ainda, a falta de sensibilidade das empresas para o contexto de crise. “Algumas operadoras anunciaram ações para não penalizar as pessoas nas franquias, por exemplo, mas só fizeram isso depois de a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) pressioná-las para que não cobrassem os inadimplentes”, lembrou. “Muitos não puderam ir ao banco, ou não puderam ganhar dinheiro, foram demitidos, são informais e não têm como fazer seus trabalhos, não estão recebendo. Então a Anatel colocou a necessidade de não penalizar as franquias nem cortar [o serviço] dos inadimplentes.”
Patusco cita o exemplo da Vivo, que teria sinalizado não estar disposta a alterar o caráter competitivo dos serviços. “Isso, numa hora dessa”, indignou-se o integrante do CGI.br. “Estamos em uma excepcionalidade, a competição deve ser colocada de lado, em função do bem-estar social do cidadão. Não importa que venha afetar a competição.”
Ao contrário, o engenheiro esperava iniciativas que colaborassem para facilitar a vida das pessoas durante a crise sanitária. “Poderia ser uma grande oportunidade para o wi-fi gratuito, especialmente em grandes aglomerações sociais, como as comunidades de favelas. Mas, que a gente saiba, só tem wi-fi gratuito na praia de Copacabana, e [com o sinal] virado para dentro da praia, que nem é necessário, porque agora não tem ninguém lá. Isso só demonstra que as empresas não têm muita preocupação de atendimento.”
Não por acaso, observou Patusco, as operadoras costumam estar entre as dez mais em número de reclamações de consumidores. Têm sites não amigáveis, afirmou, e, às vezes, mesmo as cobranças não correspondem à realidade. Além disso, a solução dos problemas costuma demorar, exigindo do usuário que contrate advogados. As críticas do engenheiro não se resumem às empresas, mas se estendem à pasta ministerial responsável pelo setor — agora vinculado ao recriado Ministério das Comunicações — e à Anatel, instâncias que rejeitaram sugestões destinadas a melhorar os serviços, enviadas por representantes da sociedade civil. “Recusaram as propostas por serem complexas. Mas a complexidade continuou e os problemas também.”
Desindustrialização
Às falhas de atendimento do setor, Patusco acrescenta o impacto econômico. “O que vimos após a privatização foi uma desindustrialização. Atualmente, menos de 3% da demanda do mercado de telecomunicações é atendida por empresas locais brasileiras, em comparação a 70%, em 1988”, compara. “A indústria nacional foi destruída pela privatização. não houve nenhum compromisso em preservar as empresas, nem de fazer desenvolvimento.”
Em trabalhos feitos pela União Internacional das Telecomunicações (UIT), informa o engenheiro, a situação do Brasil é assim sintetizada: serviços caros, qualidade ruim, atendimento aquém do desejado. “O Brasil era o quarto mercado mundial de telecom (atrás dos EUA, Japão e China). Em 2010, com o dólar a pouco mais de R$ 2,00, a receita das operadoras beirava os US$ 100 bilhões. Hoje, em reais, as operadoras, em conjunto, faturam R$ 232 bilhões. É uma cifra fantástica. Mas o que vem de retorno, em termos de investimento, para novos serviços, antenas para evitar problemas de acesso no celular e banda larga, em relação à receita bruta, é muito aquém do necessário. Só tivemos investimento bom em telecom, acima de R$ 20 bilhões por ano, antes da Copa do Mundo (2014). Em todos os serviços, temos gaps preocupantes.”
Renovação contratual
As telecomunicações no país são operadas basicamente por quatro grandes grupos, que dominam 80% do mercado: TIM, Claro, Vivo, Oi. Os 20% restantes são divididos entre 14 mil pequenos provedores estabelecidos no país, com alguns até sem autorização. Do ponto de vista da cobertura, o engenheiro destacou a ‘discrepância regional bastante grande entre as regiões Sul e Sudeste, melhor atendidas, em comparação ao Norte e Nordeste.
Os contratos de concessão vencem em 2025, quando as empresas precisariam devolver à União os chamados bens reversíveis — toda a infraestrutura física do serviço, composta por postes, dutos, prédios, centrais, orçados pelo TCU em R$ 123 bilhões. Como resultado da aprovação do PL 79, no ano passado, as concessões serão transformadas em “autorizações”, ou seja, os serviços passam a ser prestados com muito menos obrigações, sem compromissos que assegurem claramente a expansão da comunicação de dados em banda larga, o que tende a agravar a desigualdade de oferta de acesso à internet e às comunicações em geral. Também os bens reversíveis passam às empresas.
A lei — objeto da consulta pública nº 5 –, lamentou Patusco, não dá nenhuma diretriz sobre a aplicação dos recursos referentes aos bens reversíveis que a União vai entregar às empresas. “A Anatel fez um trabalho, o Plano Estrutural de Redes de Telecomunicações, e identificou os problemas de atendimento de banda larga. Mas fica a critério das operadoras atenderem a esses problemas, que estão nas regiões mais pobres, nas zonas rurais, nas áreas das classes D e E. Obviamente, as empresas vão optar pelas regiões que ofereçam maior rentabilidade.”
No plano de metas dos contratos atualmente em vigor, ficou determinado que as empresas garantissem acesso banda larga à internet a 60 mil escolas urbanas e a 60 mil rurais.. “Ninguém acompanhou esse atendimento”, diz Patusco. “As operadoras dizem que cumpriram, mas o que se verifica, na prática, é que a velocidade não estava adequada, ou os professores não sabiam usar os recursos.” Na área rural, O Satélite Geoestacionário Brasileiro (SGDC), compartilhado com as Forças Armadas, deveria levar, via Telebras, o acesso às áreas consideradas não rentáveis. Mas o governo negociou a exploração do satélite com empresa norte-americana e não se sabe ao certo para o que ele vem servindo.
A conversa com o engenheiro Marcio Patusco foi conduzida pelo diretor de Comunicação do Senge RJ, Miguel Sampaio. E está disponível no link: https://www.youtube.com/watch?v=VtX9DeYSHYI
> O Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio de Janeiro (Senge RJ) realiza todas as quartas-feiras, em seu canal no YouTube, debates ao vivo sobre temas relevantes para o profissional de Engenharia. Participe!
Fonte: Veronica Couto/senge-RJ