A advogada Christine Rondon atendeu o telefonema da reportagem com uma voz sonolenta, mas tranquila. Mãe dos gêmeos Theo e Heitor, com pouco mais de um mês de vida, ela passou a noite em claro cuidando dos bebês.
A vida de Christine poderia ser muito mais cansativa se o companheiro dela, o funcionário público Leônidas Cavalcante, não estivesse acompanhando a rotina da família. Em decisão inédita, ele conseguiu, na Justiça, o direito a uma licença-paternidade de seis meses.
A liminar foi expedida pelo juiz Roberto Coutinho Borba, do Juizado Especial da Fazenda Pública da cidade de Alvorada, no Rio Grande do Sul. Mesmo internada antes do parto e diagnosticada com pré-eclâmpsia, que é o aumento da pressão arterial durante a gestação, Christine foi a própria advogada da causa.
Ela comenta que a decisão cria jurisprudência para outros casos de pais de gêmeos que entrarem na Justiça pedindo a equiparação das licenças paternidade e maternidade.
“O que eu acho que deve acontecer, e espero que aconteça, é que as pessoas, a partir da divulgação dessa ação, comecem a ajuizar suas ações, que o Poder Judiciário comece a consolidar esse entendimento e que isso forme um movimento que pressione o Legislativo a criar uma matéria. A gente já está caminhando em tantos pontos para a igualdade entre homens e mulheres, acho que esse é um dos pontos mais relevantes”, opinou.
Em abril deste ano, a senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM) apresentou a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 16/2017, que prevê o compartilhamento da licença-maternidade entre pai e mãe, com a divisão dos dias de afastamento.
A PEC está sendo analisada pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado. Atualmente, no Brasil, as mulheres têm direito a 120 dias de licença-maternidade e os pais, a cinco dias.
Lucia Midori Kajino, advogada trabalhista e integrante da Rede Feminista de Juristas, concorda que o caso de Christine e Leônidas é um passo importante para uma mudança na legislação brasileira.
“Quando você tem uma licença paternidade de alguns dias e a maternidade de meses, você praticamente reconhece o machismo, dizendo que cabe à mulher o trabalho e [que ela] não precisa de ajuda. Então, esse tipo de decisão é favorável para os movimentos feministas, não só porque o pai também é responsável pelos filhos, mas por uma questão de igualdade de oportunidade. Porque nossa legislação dá a sensação que o pai vai ter que trabalhar e prover para a casa, e que a mulher só complementa a renda”, destacou.
Segundo Christine, a ideia de ajuizar a ação surgiu diante do desespero de se encontrar em uma gravidez de risco, com a possibilidade de seus filhos receberem alta hospitalar antes de ela própria ser liberada. Somado a isso, ainda havia a certeza de que seu companheiro teria apenas 15 dias de licença.
A advogada conta que começou a pesquisar sobre o assunto e encontrou um precedente de abril deste ano, quando pais de gêmeos conquistaram a extensão da licença-paternidade em Santa Catarina. Christine ressalta que a decisão mudou a qualidade de vida de sua família:
“Tem muitas mulheres guerreiras que ‘estão se virando nos 30’. Mas sem a decisão, com certeza não daria para criarmos os bebês com a mesma qualidade e proporcionando o desenvolvimento psicológico emocional que estamos proporcionando. Isso para mim também”, afirmou.
Leônidas, o pai dos gêmeos, conta que estava bastante preocupado antes do resultado da ação: “Agora, além de estar aliviado de não ter que me ausentar, poder dividir isso com ela, estou muito feliz por poder acompanhar essa fase tão importante e cheia de mudanças. É claro que, no momento, essa jurisprudência se aplica mais para gêmeos, mas é um primeiro passo para, no futuro, se prestar a atenção nisso, se demandar o direito de ter essa oportunidade de estar presente sempre na criação dos filhos, tanto quanto a mãe”, disse.
Atualmente, segundo dados da Organização para a Cooperação de Desenvolvimento Econômico (OCDE), 70 países oferecem a licença-paternidade remunerada, que dura, em média, oito semanas. Os afastamentos mais longos são concedidos no Japão, onde os pais têm direito a 50 semanas de licença, ganhando 58% do salário, a Coreia do Sul (52 semanas com 32% do salário), e Noruega (10 semanas com salário integral).
Edição: Vanessa Martina Silva
Reportagem: Júlia DolceBrasil de Fato
Foto: Reprodução