O que está em jogo na votação do Senado que define o futuro do setor elétrico no Brasil?

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Aprovada pela Câmara, MP que prevê privatização da Eletrobras entra em pauta nesta quarta-feira (16) no Senado

O Senado Federal pode decidir nesta quarta-feira (16) o futuro da produção e distribuição de energia elétrica no Brasil. Na pauta do plenário está a votação da Medida Provisória que propõe a capitalização da Eletrobras (MP 1031/21). A MP tem até o dia 22 para ser votada, ou perderá a validade por extrapolar o prazo de 120 dias de tramitação no Congresso. Caso isso aconteça, o Governo Federal será obrigado a paralisar o processo de desestatização da empresa.

Embora a medida tenha sido aprovada pela maioria dos parlamentares na Câmara dos Deputados (313 votos contra 166), a previsão é de que no Senado a disputa seja acirrada pois, até o momento, não existe consenso em relação à proposta. Além da polêmica em torno dos riscos da privatização de mais um setor estratégico para o país, outro motivo do impasse tem sido as alterações feitas pela Câmara no texto original da MP enviada ao Congresso, o que os parlamentares tem apelidado de “jabutis”.

Dentre as medidas incluídas pela Câmara estão a contratação compulsória pelo governo de seis mil megawatts (MW) em termelétricas a gás nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste e o favorecimento de Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) nas próximas licitações para novos projetos de geração de energia. A versão atual do texto prevê ainda a prorrogação automática de contratos das usinas integrantes do Programa de Incentivo às Fontes Alternativas (Proinfa) para os próximos 20 anos.

No início do mês, um grupo de investidores, representantes da indústira e demais organizações ligadas ao setor elétrico divulgou o manifesto “União pela Energia”, no qual afirma que a aprovação da MP pode gerar aos consumidores um aumento de custo tarifário de até R$ 41 bilhões. Na mesma linha, a Consultoria Legislativa do Senado afirmou esta semana – segundo informações do jornal Estado de S. Paulo – que tanto a privatização da Eletrobras quanto a prorrogação das concessões de geração são inconstitucionais pois, de acordo com o órgão, a Constituição Federal exige licitação tanto de estatais quanto de usinas.

Aumento da tarifa e risco ao desenvolvimento

Para Mailson da Silva Neto, engenheiro eletricista e coordenador da Câmara Especializada de Engenharia Elétrica do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de Pernambuco (Crea-PE), uma possível privatização da Eletrobras impactaria profunda e negativamente a vida da sociedade brasileira.

Em primeiro lugar, ele destaca a questão da descotização das usinas, ou seja, a cobrança tarifária por construções de empreendimentos cujos custos já estariam amortizados. Mailson explica que na construção de hidrelétricas, por exemplo, o maior gasto se dá na fase de represamento, isto é, na obra civil. Investimento que, segundo ele, é pago pela sociedade ao longo de anos através da tarifa de energia. Assim, ao adquirir uma usina em atividade, uma empresa privada teria apenas o custo de manutenção das máquinas. O que, segundo o engenheiro, não chega a 10% do custo total da construção de uma usina.

“Por isso há um grande interesse das empresas privadas de pegar essas usinas. Porque o investimento inicial já foi praticamente todo amortizado. Ela não precisa fazer quase nenhum investimento e vai colocar na tarifa a questão de descotizar as usinas. É como se o consumidor tivesse que pagar duas vezes pelo mesmo investimento. E outras inúmeras vezes se essa concessão for renovada a cada ciclo. Essa é uma questão crucial porque impacta diretamente na conta de luz” esclarece o diretor de relações sindicais do Sindicato de Engenheiros de Pernambuco

Ainda em relação ao aumento das tarifas, Mailson ressalta que a proposta que tramita no Congresso pode aprofundar ainda mais as desigualdades regionais do país ao estabelecer a operação de termelétricas a gás nas regiões Norte e Nordeste. Primeiro pelo fato de que a energia gerada pelas usinas térmicas é mais cara. Em segundo lugar, porque a exigência de que as térmicas operem na base, ou seja, gerando energia o tempo todo, implica que deixem de ser acionadas outras fontes mais baratas como usinas hidrelétricas, eólicas e solares fotovoltaicas. E, por fim, porque tais regiões não possuem gasodutos. Logo, o custo da construção dessas estruturas seria repassado para a conta dos moradores dessas regiões que já tem a menor renda per capta do país.

O engenheiro também comenta que, muito além da questão tarifária, o próprio desenvolvimento social e econômico brasileiro está ameaçado com o risco de privatização da Eletrobras. Como servidor público da Companhia Hidrelétrica do São Francisco (Chesf), uma das subsidiárias da empresa pública, Mailson faz questão de frisar que, “ao contrário do que o mercado tenta passar para a sociedade, energia não é commodity, é insumo básico e imprescindível ao desenvolvimento. Para instalar um hospital, uma escola, uma indústria ou um shopping que seja, a energia precisa chegar primeiro. Até para bombear água potável até um município é preciso energia”.

Nesse sentido, o engenheiro afirma que ao privatizar a Eletrobras o Brasil estaria abrindo mão da pesquisa e do desenvolvimento industrial e tecnológico na área de energia. Pois, segundo ele, a história demonstra que empresas transnacionais não estão interessadas em desenvolver tecnologia em países subalternos, mas sim em vender equipamentos para estes países. A privatização do setor elétrico, assim como foi a privatização do setor ferroviário, seria um processo para “matar o setor”.

“É uma discussão que notoriamente é para que alguém tire proveito da situação. Não é uma discussão séria. O debate brasileiro deveria ser outro. Deveria ser como a sociedade brasileira vai se apropriar das riquezas dessas usinas. A sociedade brasileira, não o estrangeiro, não a empresa transnacional que for comprar esses empreendimentos” comentou à Pulsar.

Apagão

A crise no setor elétrico que atingiu o estado do Amapá por 22 dias em novembro do ano passado deixou cerca de 765 mil pessoas  isoladas, sem acesso à internet e à telefonia. Foram mais de três semanas de novos blecautes e um rodízio de energia em 13 cidades, comprometendo o funcionamento de hospitais em meio a pandemia e a adesão da população às medidas de prevenção ao coronavírus.

Morador do município de Amapá, no interior do estado de mesmo nome, no Norte do país, o jornalista e historiador João Ataíde Santana viveu o drama do apagão. A crise foi provocada por um incêndio em uma subestação de energia elétrica da empresa Linhas de Macapá Transmissora de Energia (LMTE). Até 2019 a concessionária era de propriedade da empresa espanhola Isolux, que entrou em recuperação judicial e transferiu, em 2020, a concessão para a Gemini Energy.

Segundo João, embora as autoridades ainda não tenham chegado a uma conclusão sobre a causa do incêndio, sabe-se que a subestação não teve condições de religar imediatamente após o colapso pois não havia sistema reserva. Ou melhor, o sistema que seria de reserva já estava em operação. De acordo com o jornalista, o suporte para o reestabelecimento da energia foi dado pela Eletronorte, subsidiária da Eletrobras na região.

Sobre os mais de vinte dias de apagão, João recorda dos alimentos perdidos por falta de refrigeração, das filas e aglomerações nos hospitais, mercados e postos de gasolina, da falta de água e, inclusive, das mudanças de hábitos das famílias.

“Com a falta de ventilador e ar condicionado, a gente passou a colocar as redes nas varandas e a acampar nas áreas das casas. Depois de um tempo as famílias também começaram a vigiar seu patrimônio por conta de saques e roubos”, comenta o assessor de comunicação da Prefeitura de Amapá.

João também repara que os dois únicos municípios que não foram afetados pelo apagão foram Oiapoque, no extremo norte do estado, e Laranjal do Jari, no extremo sul. O motivo, segundo ele, foi porque ambos até hoje são abastecidos por pequenas usinas de óleo diesel. Ele lembra, inclusive, que até os anos 2000 praticamente todo o estado era abastecido com energia a óleo e ressalta que, apesar das obras de integração com a usina de Tucuruí, no Pará, e do estado contar com mais de uma hidrelétrica em seu território, no interior do estado ainda é comum que cidades passem até uma semana com falta de luz.

 

Fonte: Agência Pulsar Brasil / Por Filipe Cabral

Foto: Marcello Casal Jr / Agência Brasil