A indústria da desinformação, o avanço de ideologias neoliberais e intervenções cada vez mais profundas do mercado financeiro nos rumos da política no mundo colocam a democracia sob risco. O fascismo, resultante direta do neoliberalismo em sua fase tardia, se organiza internacionalmente. No Brasil, o terceiro mandato do presidente Lula poderia fazer do país um exemplo de crescimento sustentável, com distribuição de renda e conquistas de direitos para o povo trabalhador.
Mas, o sinal está fechado para nós: mergulhado em políticas neoliberais e ortodoxas, o Banco Central segue submetendo o país a uma das taxas de juros mais altas do mundo, sem nenhum motivo concreto para isso. Elementos da política neoliberal são satisfeitos com o hipercrescimento do mercado financeiro, ao mesmo tempo que produzem uma desigualdade brutal. A sangria do setor produtivo para o setor financeiro e suas devastadoras resultantes sociais se aprofundam.
“O governo Lula reorganizou a economia e as políticas sociais foram retomadas. O Minha Casa Minha Vida e o Bolsa Família foram recompostos, bem como as bolsas da Capes e CNPQ e os demais benefícios previdenciários e sociais. A inflação está sob controle, crescemos acima do previsto pelo mercado e a renda das famílias melhorou. Estão dadas as condições para um novo processo de crescimento econômico. Mas, para crescer, o Estado tem que sair na frente, oferecendo recursos pelo BNDES, pela Finep e outros mecanismos. Precisa oferecer subsídios diretos ao setor industrial, ao setor de projetos. O cenário favorável está em reconstrução, mas as restrições fiscais e a política de juros são problemas gravíssimos que nos impedem de avançar”, destacou Bittar durante o evento que reuniu parceiros históricos do Senge RJ.
A avaliação de cenário é do ex-deputado federal Jorge Bittar, parte de sua análise de conjuntura apresentada no dia 25/07, na reabertura do auditório do Senge RJ, após reformas. O ex-presidente do sindicato destacou a urgência da ação de engenheiros, engenheiras e entidades da engenharia na pactuação, com a sociedade civil, de um novo caminho para o desenvolvimento.
“Nós, engenheiros, temos um papel fundamental neste processo. Precisamos apoiar a retomada do desenvolvimento econômico social para um novo Brasil. Temos que ajudar a ampliar esse debate na sociedade, convencê-la sobre um modelo de desenvolvimento que, até a década de 1980, era absolutamente natural, quando a indústria brasileira estava à frente das da Coréia e China”, defendeu Bittar.
O que perdemos no caminho
Não é preciso reinventar a roda. Para exemplificar esse outro modelo de desenvolvimento, soberano, com o Estado como indutor do crescimento, sem amarras do mercado financeiro, Bittar lembra um Brasil que já teve uma indústria pujante. Cita os governos de Juscelino Kubitschek, Getúlio Vargas e o próprio regime militar como momentos em que o país investia em sua força produtiva para crescer gerando emprego e renda.
“Até mesmo os militares, durante a ditadura sangrenta que tivemos que enfrentar e derrubar, mantiveram o processo de industrialização nacional iniciado nos anos 1930 e 1940 com Getúlio Vargas. Juscelino, depois dele, impulsionou muito esse processo. Resolvemos até mesmo a questão nuclear, com o desenvolvimento de tecnologia própria de enriquecimento de urânio, um caso emblemático da capacidade tecnológica dos brasileiros quando o Estado cumpre o seu papel”, apontou. De lá para cá – apontou Bittar – “passou a viger na sociedade brasileira um entendimento de que o Estado não é importante”.
O caminho até o Brasil de hoje, desindustrializado, em busca de perspectivas para o crescimento em meio a forças poderosas que dominam a política econômica e o parlamento, foi traçado por Bittar a partir da eleição de Collor. “Essa visão neoliberal teve como marca a eleição de Collor em 1989. Com o patrocínio da Rede Globo, em manipulação já assumida pela emissora, entramos em um processo de desindustrialização e de redução de investimentos em ciência e tecnologia no país”, lembrou Bittar.
“O governo seguinte, de Fernando Henrique Cardoso, um presidente oriundo da chamada Social Democracia, levou adiante este processo. O setor de telecomunicações foi devastado. A Telemar, que mais tarde se tornou a Oi e dominou todo o país, foi formada apenas por investidores. Não havia um único operador de telecomunicações. Ela foi formada pelo grupo financeiro de Carlos Jereissati e pela Andrade Gutierrez, uma empresa de engenharia. Eram investidores que se preocuparam o tempo todo em ampliar sua rentabilidade e seus dividendos sobre resultados”, destacou Bittar. Sem investimentos para o atendimento das demandas da sociedade, a Oi definhou com o tempo, mas não seus investidores. “Levaram muitos dividendos, financiados, inclusive, pelo BNDES”, lembrou.
Pela análise de Bittar também passaram crimes mais recentes, como a privatização de empresas de setores estratégicos para o país, como a Eletrobras e o desmonte da Petrobras nos governos neoliberal de Temer e fascista de Bolsonaro: “Nós entregamos uma empresa com uma base hidrelétrica elogiada no mundo tudo, com um setor de engenharia fantástico, a investidores, aves de rapina preocupadas com resultados a curtíssimo prazo. Colocamos o setor elétrico nacional em risco, na medida em que investimentos em manutenção e expansão do transporte de energia não sejam realizados em consonância com as demandas do setor produtivo e da sociedade como um todo. Na Petrobras, retiraram da empresa atividades que têm sinergia com o mercado do petróleo, focando apenas na exploração e venda para aumentar os dividendos de investidores. Quase podemos a Embraer, com sua planta industrial e inteligência em engenharia reconhecidos no mundo inteiro, para a Boing”.
Missão para o futuro
Ainda que muito tenha sido perdido, esperançar o futuro é organizar o trabalho. Ao apontar a missão de engenheiros e engenheiras neste momento de reconstrução, Bittar também destacou que as bases para o crescimento, vencidos os entraves, estão alicerçadas. Como exemplo, citou a produção acadêmica do Rio de Janeiro.
“O estado do Rio vive um grande esvaziamento. Toda a base industrial do estado foi perdida, exceto no Sul, onde ainda há indústria automobilística e, eventualmente, no Porto do Açu, no norte do estado. Não fosse a indústria petrolífera, o Rio fechava as portas. Ainda assim, temos uma enorme base de produção científica, comparável apenas com a de São Paulo. Esse conhecimento não se transforma em produtos e serviços porque não há um agente organizador deste processo. Esse é o papel do Estado em relação com o mercado”, defendeu.
O potencial da Petrobras como agente da transição energética no Brasil e as oportunidades que os desafios impostos pelas mudanças climáticas oferecem também foram citados por Bittar. Resgatar o papel do Estado nesse processo tem sido o caminho óbvio em todo mundo, desde os bilhões de dólares colocados pelos EUA em sua indústria de semicondutores, até as parcerias estatais, com fortes subsídios para o desenvolvimento científico, tecnológico e industrial na Europa.
“Nosso papel é fazer o apoio dessa retomada do desenvolvimento econômico social para um novo Brasil. A nova indústria é diferente daquela que tivemos no passado. O ambiente com o qual temos que lidar, também. Mas a organização desse processo, assegurando a transição do conhecimento produzido nas universidades para o setor produtivo e de serviços, precisa ser feito pelo Estado. Nosso papel é construir essa nova doutrina, que garanta essa nova relação entre Estado e mercado, necessária para que o Brasil possa trilhar um caminho seguro, socialmente justo e ambientalmente sustentável para o desenvolvimento de todos e todas”, finalizou.
Texto: Rodrigo Mariano/Senge RJ
Fonte: Senge RJ
Fotos: Claudionor Santana