Consumado os atos de votação no Senado, a lei seguirá para sanção do Presidente da República. Interessa-nos discutir “o dia depois”, com os novos controladores assumindo a gestão da grande Eletrobras.
Que atitudes tomarão?
Que atos serão tomados prioritariamente?
Acreditamos que, os que me leem, merecem alguns parágrafos sobre a grande Eletrobras e o sistema elétrico brasileiro. Primeiro, toda a expansão do setor elétrico brasileiro já está privatizada desde os primórdios do governo de FHC, que Lula nem Dilma alteraram. Novos investimentos só pela iniciativa privada, ou com participação majoritária desta.
Segundo, Dilma alterou os fundamentos da cobrança dos investimentos já amortizados, isto é, uma usina como Paulo Afonso, que foi construída a mais de 60 anos atrás já se pagou e o consumidor não deveria continuar pagando por ela, como se estivesse em construção. Terceiro, Eletronorte, Furnas e Chesf têm contratos diretos com consumidores industriais, que com muita força política têm imposto suas condições de preços para a compra da eletricidade que precisam.
Ora, mas se as coisas já estão assim arranjadas, qual o objetivo em privatizar essas empresas históricas?
Vejamos algumas explicações. Comprar as ações da grande Eletrobras é comprar um ativo que já está produzindo e dando retorno, sem precisar investir de 5 a 6 anos em novos projetos, com muitos riscos associados. Portanto, a constatação que se chega é que, a privatização, é antes de tudo, uma “fuga organizada” dos investimentos de alto calibre e alto risco exigidos pelo setor elétrico. É também uma forma legal de desfazer a lei sancionada por Dilma, que obrigava as empresas geradoras a baixarem seus preços de venda as distribuidoras estaduais, após a amortização dos investimentos.
Os representantes dos grupos econômicos, que têm investimentos no setor elétrico, nunca aceitaram essa “intervenção do Estado” nos seus arroubos espoliativos da economia popular. Agora vão conseguir desmontar todo o arcabouço legal deixado por Dilma, que minimizava essa expropriação indevida. Todavia, como descrito, alguns contratos estão “amarrados” e os novos controladores terão que lidar com eles.
Por via das dúvidas, é melhor que alguns desses contratos já sigam com “solução de continuidade” na própria lei de privatização. Para compreender melhor algumas dessas questões imaginemos “o dia depois da privatização” consumada. Vamos começar imaginando a primeira reunião dos novos controladores da grande Eletrobras.
Prometo fazer um passeio recheado de algumas compreensões, nessas primeiras conversas dos novos controladores.
1. Decerto será levantada a questão de redução dos custos operacionais. Três vertentes se seguirão aqui: redução de custos de pessoal; redução dos custos da alta administração; e, redução dos custos de manutenção e operação do sistema elétrico. Para a redução de custos de pessoal, apesar de todos os planos de enxugamento que já foram feitos, ainda há espaço para cortes no quantitativo de pessoal, uma vez que a mudança na legislação trabalhista, feita pelo Governo Temer e complementada pelo Governo Bolsonaro, permite que seja feito um amplo programa de terceirização, cujo efeito mais imediato será cortar as despesas com o plano de assistência médica que é oferecido aos empregados da ativa.
Também será possível fazer a tão sonhada “centralização” dos serviços administrativos, de engenharia de projetos, de suprimento. Na operação do sistema elétrico, propriamente dito, será possível a “operação desassistida”, de novo com redução de corte de pessoal. Tanto a operação desassistida como a centralização de serviços já eram objetivos que vinham sendo perseguidos pela tecnocracia, mas agora esses processos ganham condições para uma maior aceleração em sua implantação. Uma redução de custos na alta administração das empresas será sim possível, com extinção e fusões de diretorias e provavelmente com a extinção dos Conselhos de Administração das Empresas Regionais.
Corte de custos em programas de manutenção e em operação necessitarão de estudos e auditorias de processos, mas de partida pode-se partir com um congelamento dos orçamentos definidos para tais fins. Fechada essa primeira conta de “busca de melhoria nos resultados”, se verá que não se conseguiu grande coisa. Corte em pesquisa e desenvolvimento, a lei de privatização já deixou tudo amarrado: a grande Eletrobras só precisará contribuir com o Cepel – Centro de Pesquisas do Setor Elétrico por 6 anos, depois disso ele seguirá por conta própria, ou fechará.
2. Não se compra uma corporação já operando para se trocar dinheiro, muito menos para perder, portanto, a discussão seguinte será como aumentar a rentabilidade do negócio, enquanto algumas medidas de redução de custos possam ser postas em prática. Elevar o preço para os consumidores finais é o caminho mais curto. Os consumidores da grande Eletrobras são basicamente de dois tipos: industriais num bloco e residências e comerciais em outro bloco.
As indústrias têm seus contratos de fornecimento bem amarrados legalmente, mas nada que impeça um aumento de preço da eletricidade, desde que esse possa ser repassado para os preços dos seus produtos. Por outro lado, alguns consumidores industriais eletrointensivos, como a indústria de transformação do alumínio no Maranhão, preventivamente já amarraram na lei que os preços e condições de aumento de seus contratos devem ser respeitados.
A nova lei já deixou isso garantido para os contratos da Eletronorte e Furnas. As indústrias menores estarão submetidas a um novo jogo de preço, e para essas não há nenhum lastro ou proteção. Avancemos na conversa dos novos administradores da grande Eletrobras. A eletricidade que chega as residências e as casas comerciais o fazem através das distribuidoras estaduais. Desde que a Aneel repasse os novos preços para as tarifas pagas por esses consumidores, não haverá nenhum problema para as distribuidoras.
3. Diante dos novos administradores da grande Eletrobras se abrirão novas avenidas. Primeiro convencer os consumidores industriais menores de que o mercado deve ser livre. Portanto, o que vale para os seus produtos, também vale para a eletricidade. Quando o controle estatal existia sobre a grande Eletrobras, o poder do setor industrial era exercido sobre o governo federal, para impedir que aumentos no preço da eletricidade prejudicasse a sua competividade, pelo aumento de preços de seus produtos. Com o controle privado da grande Eletrobras, o setor industrial menor perderá força nessa disputa de preços.
O seguimento industrial de maior peso nessas disputas é o produtor de commodities para exportação. Esse já se preveniu como vimos. Os seguimentos industriais possuem diversificados graus de flexibilidade na produção. Se o preço da eletricidade cresce muito em um país, a produção pode ser deslocada para outros países, para uns poucos. Outros seguimentos industriais verão seus custos de produção crescerem e perderão competividade. Alguns se ajustarão, e outros fecharão. Assim, a eletricidade passa da condição de um insumo garantido para a condição de um insumo de risco para a indústria brasileira.
4. Os novos administradores da grande Eletrobras também terão que tratar da questão dos consumidores residenciais junto à Aneel. Não daquela forma trabalhosa de apresentar justificativas em audiências públicas, reuniões com equipes técnicas e Ministério Público. A primeira tarefa é “capturar” a Aneel. A bibliografia americana é cheia de exemplos de como funciona essa “captura” por lá. É só adaptar o ambiente brasileiro ao americano, ou vice-versa.
É razoável supor que quem comprou o controle da grande Eletrobras queira parametrizar o seu patrimônio pelo dólar americano. Então, também não será surpresa ver a discussão dos preços da eletricidade serem aderentes as variações cambiais, quando forem para cima. Para baixo é outra questão.
5. Mas ainda existirá um governo no Brasil e esse fará planos para fazer crescer a economia e este crescimento exigirá novos investimentos em usinas e linhas de transmissão. Novos investimentos exigirão novos aumentos de preços para os consumidores finais. A escalada de aumentos de preços da eletricidade será uma possibilidade real.
6. A estrutura da Empresa de Pesquisa Energética – EPE, hoje já fragilizada, tenderá a morte. Para que manter uma estrutura especializada em planejamento se as decisões dos agentes
econômicos não guardam relação com os estudos de planejamento? Um fato notório, conhecido daqueles que fazem planejamento energético foi a situação de um Estado americano em que os geradores reduziram os investimentos necessários de forma que a eletricidade, com menor oferta, subisse de preço. Diante de uma situação como essa a opinião pública é levada a fazer a condenação dos responsáveis pelo planejamento, pedindo a sua extinção. Perspectivas ruins para a EPE.
7. A estrutura do ONS, hoje responsável pela operação de todo o sistema interligado também sofrerá impactos. Não precisará ser “capturada”, pois já é parte dos interesses privados, mas será levado cada vez mais a impor situações espúrias para as populações de mais baixa renda. E quando envolver conflitos de interesses com a questão hídrica tomará o partido dos acionistas da Eletrobras.
8. O ambiente institucional pós privatização será muito incômodo e desfavorável para os interesses coletivos da população. Mas talvez isso seja só uma visão pessimista.
Jose Ailton Lima é engenheiro eletricista e ex-Diretor da Chesf
Fonte: UOL | Blog de Jamildo / Por Jose Ailton Lima, em artigo enviado ao blog
Foto: reprodução Chesf