Novo desvio de riqueza da Petrobrás

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A novidade

por Paulo Metri

Deparo-me com a notícia do jornal Folha de S. Paulo, de 26/5/2015, pertencente à mídia do capital: a Petrobras vai se desfazer de cinco áreas do Pré-Sal e uma do Pós-Sal. Sendo verdadeira a notícia, a Petrobras está claramente trabalhando com conceitos ultrapassados e, o que é pior, prejudiciais à nossa sociedade. A parcela da sociedade que conseguiu se desvencilhar dos canais tortos de informação, nossa mídia tradicional, sabe que o neoliberalismo leva à concentração de riqueza a quem já é rico, diminui a qualidade de vida da população e permite nossa exploração por forças externas, nos colocando como supridores de grãos e minérios para o mundo opulento.

Temos que reconhecer que estes grupos econômicos estrangeiros do petróleo nunca desistem. Levaram Getúlio ao suicídio, tentaram, junto a JK, financiar a construção de Brasília em troca do término do monopólio, conseguiram uma vitória parcial com os contratos de risco do Geisel, foram à vitória completa com FHC, sofreram um baque com os contratos de partilha de Lula e, agora, atuam na dubiedade do governo Dilma para, pelo menos, minimizarem o baque.

Certamente, gestores do nível intermediário da Petrobras, lá colocados por FHC e, até hoje, incrustados na administração da empresa, devem ter ajudado na elaboração da proposta kamikaze. Também, a presidente foi pegar um homem, dito como sendo do mercado, para ocupar a Petrobrás. A presidente deveria ouvir menos o mercado e, mais, o desenvolvimento. Senhora presidente, chame o Luiz Gonzaga Belluzzo ou o José Luís Fiori para conversar. Não dê ouvidos aos políticos que estiveram na oposição à candidata.

Ainda tenho dúvida sobre o presidente Bendine. Em benefício da dúvida, sugiro a este presidente que se conscientize que não há pressa para a exploração e o desenvolvimento dos campos do Pré-Sal. O país está abastecido por, no mínimo, 50 anos –, aliás, graças à Petrobrás. De passagem, saiba que, nos contratos da Agência Nacional do Petróleo (ANP), não há nenhum compromisso da empresa estrangeira para o abastecimento do Brasil, excetuando em caso de grave crise, declarada pela Presidência da República e, mesmo assim, só para elas contribuírem na proporção das suas produções com o abastecimento dos próximos 30 dias. Enfim, elas só querem levar o petróleo extraído do território nacional rapidamente para o exterior e têm esta permissão.

O fluxo de caixa futuro da Petrobrás, que lhe apresentam, reflete os compromissos por ela assumidos nos contratos com a ANP, reflexo do arremate de inúmeras áreas leiloadas, em atividade louvável da empresa, pois não permitiu as evasões de petróleo e lucro do país, além de ter, eventualmente, tolhido a formação de cartéis para o arremate de áreas das rodadas de leilões. Lembrar que cartéis podem ser formados e bem sucedidos, e só os membros deles é que ficarão sabendo das suas existências. A Petrobrás, à medida que não participa deles, se bem administrada, é um antídoto, à disposição do Estado, contra a formação deles.

Na notícia do jornal, é dito que a coordenação da venda será do Bank of America Merrill Lynch, que deve ser para trazer moralidade à venda. Esta informação, além de mostrar o “complexo de vira-lata”, não traz segurança. A Merrill Lynch foi uma distribuidora de títulos podres nos Estados Unidos e ajudou o doleiro Youssef a trazer dinheiro para o Brasil em 2008, de suas transações corruptas.

A ANP, para alguns prazos exigidos, está seguindo a lei 9.478 e, para outros, exige prazos criados por ela, que não estão na lei. Para estes últimos, basta o governo Dilma dar a ordem, em benefício da sociedade brasileira, de serem postergados. Não sei se estou sendo claro, senhor presidente da Petrobrás: não havendo tanta pressa, alguns prazos podendo ser postergados (deixar aqueles que representam receitas iminentes), o fluxo de caixa da empresa fica mais “achatado” (sem picos e em um nível menor), e ela não precisa fazer nenhum desinvestimento ou, pelo menos, aqueles que representam grandes perdas. Para os prazos que estão na lei 9.478, seria necessária a aprovação de outra lei, que os modificasse, o que é problemático, mas não impossível.

Alguém realmente acredita que seis áreas de petróleo com reservas já constatadas, com alguns campos gigantes, valem só quatro bilhões de dólares? Quanto vale a possibilidade de se garantir o abastecimento de derivados a vários países do Mercosul, a preços de mercado (não se trata de doação dos derivados), e, com isso, tê-los como aliados nas votações da OEA, da Unasul, do Mercosul, da ONU e das demais entidades internacionais?

Obviamente, sou contra os desinvestimentos de áreas com campos já descobertos. Com relação aos demais desinvestimentos citados, precisaria ter mais informações para formar opinião. Mas, no terreno das hipóteses, suponhamos que eles tenham de existir. Usar o expediente de carta convite e decisão intramuros, pouco transparente, é um escárnio com os brasileiros. Onde está a diretoria criada para garantir uma menor probabilidade de roubos na empresa?

Sei que não fere nenhuma lei usar o sistema de carta convite. Mas não se trata da busca da legalidade e, sim, da moralidade. Este sistema é imoral, porque cria a possibilidade de o cartel estar sendo formado até dentro da Petrobrás, criando a desconfiança na população de que se trata da velha fórmula de formação de caixa dois para os partidos políticos que estão no governo e de entrega de uns trocados para os agentes do governo responsáveis pela formação do conluio. Nunca pensei que fosse dizer isto, mas, comparativamente: “Viva os leilões da ANP!”. Pelo menos, lá não se usam cartas convite.

Histórico

O governo FHC, com visão neoliberal e subalterna aos interesses externos, extinguiu o monopólio estatal do petróleo e criou o sistema de concessões para a exploração e a produção de petróleo. Havia muito interesse do capital internacional neste petróleo. Este governo pregava que, sob o ponto de vista da nossa sociedade, a atuação das petrolíferas estrangeiras era idêntica à atuação da Petrobrás e o petróleo era só uma commodity como qualquer outra, sem valor estratégico, o que não é certo.

Este governo sabia de tudo, mas não queria conscientizar a sociedade sobre as suas perdas. De passagem, existe a possibilidade de as votações das mudanças legislativas do setor terem ocorrido com votos comprados. Existe a suspeição, nunca investigada, sobre a compra de votos para a reeleição, que é de época próxima. Por que não iriam comprar votos também em tema de vital importância como o do petróleo? O modelo das concessões é bom para as empresas e países estrangeiros, e péssimo para a sociedade brasileira.

Seguindo as regras da concessão, o concessionário, que descobre petróleo, fica com a totalidade dele e a quase totalidade do lucro que ele proporciona, pois só uma parcela pequena do lucro é entregue ao país espoliado sob as rubricas de royalty e participação especial. Quando a Petrobras arrematava uma área, os brasileiros conscientes suspiravam aliviados, apesar de o Estado brasileiro continuar recebendo pouco, mas, pelo menos, o lucro extraordinário não iria se esvair para o exterior.

O capital internacional e governos estrangeiros precisavam ter segurança de que as regras iriam ser sempre aplicadas em seus benefícios e, para resolver isto, foi criada a ANP, cujos mandatários, através de acordo verbal, teriam de ser aprovados pelas forças estrangeiras. O “marido traído”, que nunca sabe de nada, nesta história, é o povo brasileiro. Porém, com a mídia existente, parte integrante do capital, não é difícil enganar o povo. Esta Agência, respaldada na lei das concessões, promoveu rodadas de leilões em profusão. O objetivo era esgotar a capacidade financeira da Petrobras, incluindo a sua capacidade de tomar empréstimos.

A lei nefasta também exigia de quem arrematasse áreas uma pressa na exploração e desenvolvimento de eventuais campos descobertos, que satisfazia unicamente as petrolíferas estrangeiras. Estas querem realizar o butim, rapidamente. Querem descobrir o petróleo, o que é facilitado na área do Pré-Sal, produzi-lo e levá-lo para seus países de origem, onde estão suas refinarias, deixando aqui duas miçangas: o royalty e a participação especial.

No período FHC, buscou-se preparar a empresa para a privatização. Os ideólogos da privatização contavam que, com a apologia ao mercado nos veículos de comunicação e a recriminação diuturna de tudo que é do Estado, ela seria aceita facilmente. Entretanto, bastou quererem mudar o nome da empresa, como parte do preparo para a privatização, e a sociedade se rebelou.

Contudo, estes ideólogos deixaram sequelas até hoje. Eles aumentaram muito o salário dos gestores de nível intermediário, podendo-se dizer que era a compra da cumplicidade, à medida que passaram a exigir deles o cumprimento de determinações prejudiciais à sociedade. Além disso, foram nomeados para estes cargos intermediários “técnicos com visão do mercado”, significando neoliberais. O mais interessante é que muitos deles, nomeados nesta época, ainda se encontram nos mesmos cargos.

Big Brother

Não tenho provas de que aconteceu da forma como descrevo, mas, além de não existirem provas em contrário, a versão imaginada explica muito do inexplicável. Os órgãos de inteligência dos Estados Unidos fazem levantamentos minuciosos em muitos países, principalmente naqueles com possibilidade de se tornarem, em curto espaço de tempo, em novos hegemones. Assim, eles souberam, há anos, sobre a corrupção que crescia na Petrobras. Quando ela começou, logo souberam e nada fizeram, porque não teriam nenhum ganho se entregassem a informação.

Souberam também com antecedência, antes da sociedade brasileira, sobre a potencialidade da área do Pré-Sal. No entanto, ninguém tinha a comprovação da existência do petróleo, o que só chegou em 2006, graças à Petrobras. Existia no Brasil, na época, um governo não hostil, mas também não capacho. O governo Lula, logo após a descoberta, declarou que iria fazer um novo marco regulatório para esta área, que prometia ser muito promissora, como, hoje, está comprovado.

Os Estados Unidos, no interesse de suas empresas e das demais de regiões do capitalismo vitorioso, fez pressão diplomática a favor da continuação do sistema de concessão na área do Pré-Sal. Entenda-se que a pressão diplomática deste país vem com o respaldo do maior poderio bélico do mundo. As petrolíferas estrangeiras, que seriam grandes beneficiárias da permanência das concessões no Pré-Sal, fizeram lobby pesado no Congresso Nacional.

Mesmo assim, em momento de grande afeição à nossa sociedade, o governo Lula forçou a aprovação do sistema de partilha no Pré-Sal, para desespero do governo dos Estados Unidos e das petrolíferas estrangeiras. Bem aplicado, este sistema significa mais petróleo e mais lucro para o Estado brasileiro e a Petrobras. Nele, existe um Fundo Social, cujos usos só poderão Ter objetivos sociais.

Aliás, na lei 2.004 de 1953, faltou a criação deste Fundo, resultando em que, desde este ano até a criação do royalty, o lucro da atividade petrolífera ficava, praticamente todo, com a empresa petrolífera, nada indo diretamente para a sociedade. É claro que não foi dinheiro jogado fora, pois a grandiosidade e a importância da Petrobrás demonstram como foram bem aplicados aqueles recursos. Também, em 1953, não passava na maioria das cabeças do Brasil que nosso país, um dia, teria grandes reservas de petróleo.

Tomou posse a presidente Dilma e cresceu a esperança das forças estrangeiras para que fosse revisto o modelo do Pré-Sal – afinal de contas, 200 bilhões de barris não poderiam ficar amarrados ao modelo de partilha. A rentabilidade das empresas e a garantia de suprimento dos países são menores com a adoção deste modelo. Cooptaram até o ministro das Minas e Energia, que, após ter sido desmentido pela presidente, faria mais bonito se tivesse pedido para sair. Os prepostos do capital internacional no Congresso se atropelaram, apresentando projetos de lei pedindo o retorno das concessões para o Pré-Sal ou a mitigação dos efeitos negativos para as empresas (mas positivos para a sociedade) do contrato de partilha.

O serviço de inteligência externo concluiu que a melhor hora para entregar as informações sobre corrupção na Petrobras para algum grupo confiável que vai dar prosseguimento às apurações era a que ocorreu recentemente. O raciocínio foi o seguinte: as informações irão fragilizar a Petrobrás, expulsar empresas de engenharia nacionais das obras do Estado e acusar os governos Lula e Dilma. A Petrobras pode perder a condição de operadora única do Pré-Sal e deixar de participar de todos os consórcios desta área. As empresas de engenharia estrangeiras poderão finalmente entrar no Brasil. Diminui a chance de Lula voltar à presidência em 2018 e a presidente Dilma fará um governo espremido no canto do rinque.

*Paulo Metri é conselheiro do Clube de Engenharia do Rio de Janeiro e colunista do Correio da Cidadania.

Fonte: Correio Cidadania