A decisão do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de suprimir vários campos do próximo Censo Agropecuário provocou críticas de entidades da área de segurança alimentar. Em carta ao IBGE, a Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (RBPSSAN) adverte que a falta de dados no novo formulário da pesquisa, relacionados especialmente ao uso de agrotóxicos, ao perfil da força de trabalho no campo e à agricultura familiar de modo geral, além de interromper a série histórica das informações já coletadas nos censos anteriores, vai prejudicar a formulação de políticas públicas para o setor. Tornará invisível, por exemplo, a distinção do trabalho da mulher e do jovem no campo, e também de aspectos étnicos-raciais.
“Ao desconsiderar tais questões, esta importante e respeitada instituição negligencia a diversidade do meio rural brasileiro, bem como o papel da agricultura familiar na geração de trabalho e renda, saúde, soberania e segurança alimentar e nutricional”, diz a carta. “Assume, portanto, uma posição que reforça a manutenção das iniquidades no campo, contribuindo, assim, para a violação dos direitos, sobretudo das populações rurais. Isso porque os dados estatísticos, bem como a série de indicadores criados e recriados ao longo da existência do IBGE, subsidiam, expressivamente, a formulação e a implementação de políticas públicas.”
A mudança, de acordo com o presidente da Comissão da RBPSSAN, professor Renato Jamil Maluf, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), resultaria em uma amostragem mais restrita, que tende a obscurecer a diferenciação da agricultura familiar. “Em vez de ressaltá-la, para aprimorá-la, estamos retrocedendo.” Ele também lamenta que o Censo Agropecuário, inicialmente planejado para acontecer a cada cinco anos, tenha ganho um intervalo de uma década, e, ainda assim, esteja atrasado. “Estamos trabalhando com dados de 2006, de 11 anos atrás.”
A carta, endereçada no último dia 13 de abril ao presidente do IBGE, Paulo Rabello de Castro, e assinada por Jamil Maluf e outros integrantes da RBPSSAN, pede a abertura de um “diálogo com organizações e movimentos da agricultura familiar e com pesquisadores da área, no intuito de contribuir com a proposição de soluções que eliminem os prejuízos previstos.”
Entre os prejuízos que derivam da falta de acesso a informações relevantes, como aquelas sobre os modelos produtivos, a carta destaca que, por exemplo, “sobre a utilização de agrotóxicos (para além do adubo químico), foram negligenciadas questões que versam sobre a condição de trabalho temporário e questões que dizem respeito à auto-identificação étnico-racial. Ainda, não será contemplado o levantamento de informações sobre todas as pessoas que integram a família e que trabalham na unidade de produção, demonstrando, neste item específico, que se manterá invisível o trabalho de mulheres e jovens no campo.”
Os pesquisadores da Rede Brasileira de Pesquisa em Segurança Alimentar e Nutricional manifestam “profunda indignação” com a decisão do IBGE, e, sobretudo, sua “preocupação com as repercussões disso, a curto, médio e longo prazos, na definição de políticas públicas de Segurança Alimentar e Nutricional que prezam por ações que viabilizem a produção e o consumo de alimentos (saudáveis e adequados), seguindo os princípios da sustentabilidade. Importante demarcar que tais princípios não aportam exploração da força de trabalho, violência contra a mulher, expropriação de povos e comunidades tradicionais e povos originários e desrespeito à natureza.”
O papel estratégico da agricultura familiar para alimentação da população brasileira foi apontado pelos dados do Censo Agropecuário de 2006. Desde então, os pesquisadores observam que um conjunto de ações públicas foi desenvolvido para fortalecer e ampliar este modo de produção. “Como, certamente, é de vosso conhecimento, não se protege e promove aquilo que não se conhece; a visibilidade é requisito fundamental para a compreensão e o planejamento”, escrevem.
Fonte: Verônica Couto / SOS Brasil Soberano