Faleceu, no dia 21/1, a engenheira Elsa Parreira, no Rio de Janeiro. Elsa lutou, bravamente, pela democratização no Brasil na época da ditadura militar, integrou o Comitê Brasileiro pela Anistia (CBA) e atuou pelo fortalecimento do movimento sindical nos anos 80 até os dias atuais. Durante todos esses, Elsa sempre resistiu, esteve ao lado da classe trabalhadora, contribuiu para a construção de nossa democracia e também atuou em defesa dos direitos das mulheres. Em 2009, ela integrou o Coletivo de Mulheres da Fisenge. Elsa Parreira é nossa companheira corajosa, amiga generosa e lutadora resistente sempre disposta. Elsa deixa uma marca em nossos corações e mentes e nos ensina que a vida é obra de resistência, afeto e coragem. Nos solidarizamos com colegas e familiares e deixamos a nossa homenagem a nossa companheira, que ficará sempre em nossa memória e em nossos passos pela construção de um mundo solidário, igualitário e fraterno. Elsa Parreira, presente!
Federação Interestadual de Sindicatos de Engenheiros
Rio de Janeiro, 23 de janeiro de 2017
Homenagem a Elsa Parreira: lembrar para resistir!
Confira abaixo a matéria publicada na revista da Fisenge, em 2014:
Engenheiras e engenheiros resistem à ditadura militar
Por Camila Marins
“Acreditar na força transformadora dos trabalhadores e da sociedade civil”. Foi desta forma que a engenheira Elsa Parreira seguiu resistindo e lutando contra a ditadura militar instaurada no Brasil. De norte a sul do país, engenheiros e engenheiras tiveram papel fundamental na luta contra o golpe de Estado dado pelos militares. Elsa começou a militar no movimento estudantil aos 19 anos, quando estudava engenharia civil, no Instituto Mauá de Tecnologia, em São Paulo. “Vivíamos o auge da repressão. Nós tínhamos preocupação com o ensino voltado para melhores condições ao povo brasileiro e a engenharia teria papel essencial nas áreas de habitação, saneamento, infraestrutura. O Brasil iniciou um marketing político de combate ao comunismo e a todas as propostas com viés social apoiadas na movimentação popular”, contou Elsa, que era apostileira. Ou seja, ela, ao lado de outros companheiros, anotavam toda a aula de uma determinada matéria e depois rodavam no mimeógrafo. Esta era uma forma de estabelecer um vínculo com os demais alunos.
Em paralelo, também promoviam atividades culturais, como a peça de teatro “Os fuzis da senhora Carrar”. Isso tudo visando à união dos estudantes, à discussão sobre ensino, ao combate à interferência dos Estados Unidos no modelo estudantil brasileiro e às funções da engenharia em um projeto para o povo.
Já, na Bahia, o engenheiro civil José Fidelis, então estudante da Escola Politécnica da Bahia, iniciava no movimento estudantil. “Os anos 1962 e 1963 eram de imensa efervescência política. Comecei a participar do movimento de educação de base e sindicalismo rural, viajando pelas cidades do recôncavo”, afirmou Fidelis, que participou da Greve por um Terço em 1964.
O diretório acadêmico da Escola Politécnica foi invadido. Em maio de 1965, Fidelis encabeçou a chapa para o diretório acadêmico com as forças da esquerda. Venceram. Em junho, começou a articular o 1º Congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE). “Também fui para São Paulo preparar o Congresso com chapa com Antonio Xavier na presidência e fui eleito primeiro vice-presidente. Veio uma repressão muito forte e o movimento teve que ser clandestino. A sede da UNE no Flamengo foi queimada e, em novembro, veio o AI-2 com forte repressão e muitas lideranças presas”, recordou Fidelis. No final do ano, Antonio Xavier não continuou e Fidelis assumiu a presidência da UNE. Nesse momento, trancou sua matrícula na Politécnica e seguiu na articulação nacional do movimento estudantil.
Em março de 1966, Fidelis, participava de uma reunião da UNE, na Bahia. “Havia protesto sobre o restaurante universitário e fui para lá junto com Renato Rabelo. A rua estava ocupada, veio o carro de Juracy Magalhães, então ministro de Relações Exteriores. O pessoal não deixou passar o carro dele, todo mundo chutando e jogando pedra. Eu tive ferimento no supercílio e recebi nesse momento voz de prisão preventiva. Entrei oficialmente na clandestinidade”, detalhou. Em junho do mesmo ano, aconteceu o Congresso da UNE, em Belo Horizonte. Nessa época, quem não tinha carteira de trabalho não entrava na cidade, justamente para impedir a entrada de estudantes. O Congresso se desdobrou com a eleição de Jorge Luís Guedes. “Eu estava no Congresso Latino-Americano de Estudantes, em Cuba. Para chegar lá tive que dar a volta ao mundo: Uruguai, Argentina, Paris, Praga e, finalmente, Havana. Saímos de lá com o objetivo de organizar o movimento operário camponês”, disse Fidelis.
Repressão
Elsa Parreira, já formada e ao lado do companheiro Sidney Lianza, muda-se para o Rio de Janeiro para fazer mestrado na COPPE/UFRJ. “Havia um grupo de pós-graduandos resistentes à ditadura, com destaque para o Teatro de Resistência dos Alunos da COPPE (TRAC). Enquanto estudantes de pós-graduação, iniciamos a militância dentro do Senge-RJ com o engenheiro Jorge Bittar, sendo ponta de lança do processo de retomada do sindicato, que estava nas mãos de pelegos e era controlado pela ditadura”, contou Elsa, que era integrante do Movimento pela Emancipação do Proletariado (MEP).
Em 14 de abril de 1972, Fidelis, já em Porto Alegre, foi levado pelos militares. “Ficharam mais de mil militantes estudantis e pediam para a gente identificar. Em Porto Alegre, foi uma enorme tortura psicológica. Em São Paulo, fui torturado pelo ‘Doutor’, ‘especialista’ em militantes da Ação Popular. Fiquei dois dias no pau de arara, levando choque, fogo, e dias sem comer. Eu negava tudo. Tínhamos uma regra que deveríamos resistir até determinado dia e depois admitir”, rememorou Fidelis. Foram dois dias de tortura. Fidelis foi preso no dia do aniversário do filho e solto quatro meses depois, na primeira semana de agosto.
Em 20 de julho de 1977, Elsa foi presa dentro de sua casa, na presença do pai, da mãe e de sua madrinha. “Fui levada encapuzada para o centro de torturas no DOI-CODI, na rua Barão de Mesquita, Rio de Janeiro. No DOI-CODI, me foram mostradas várias fotos. Verifiquei que vários companheiros que se reuniam no sindicato dos engenheiros também haviam sido presos, dentre eles Marilita Gnecco, Ricardo Paniago, Sidney Lianza, Artur Obino, entre outros”, relembrou. Elsa foi torturada na frente do companheiro Sidney Lianza e conta: “Nesse tempo de torturas, ouvi vários gritos de outros companheiros torturados, além de mim. Do DOI-CODI, fomos levados para o DOPS, na rua da Relação, com ameaças constantes de volta ao DOI-CODI”.
O MEP mobilizou a primeira greve nacional de fome dos presos políticos, que sensibilizou entidades internacionais de direitos humanos. “Alguns foram liberados e os demais foram para o presídio, no meu caso presídio Talavera Bruce, em Bangu. Fomos para julgamento na 1ª Auditoria da Aeronáutica , no dia 10 de novembro, com bombas, num momento em que eles diziam que não havia tortura”, recordou.
A luta pela anistia
Após a prisão, Elsa retomou a vida acadêmica e concluiu o mestrado na COPPE/URFJ em engenharia de produção. Foi mãe no ano de 1979 e passou a militar no Comitê Brasileiro pela Anistia (CBA), que teve papel fundamental na ampliação pelo território nacional da luta pela Anistia Ampla, Geral e Irrestrita. “Tínhamos como referência a companheira Iramaya, mãe dos militantes exilados Cid e Cesar Benjamim, cobrando do Estado a responsabilidade por todas as prisões, as torturas, os sequestros e o direito de todas as famílias brasileiras saberem o paradeiro dos presos e de enterrá-los quando mortos. Começou, então, um processo lento de abertura, com pressão de entidades internacionais, com destaque para Anistia Internacional. As denúncias começavam a circular e o CBA editava panfletos e distribuía no metrô, nas ruas e em todos os eventos possíveis”, afirmou Elsa, que, naquele momento, voltou a militar no Sindicato dos Engenheiros do Estado do Rio de Janeiro. “O Senge-RJ funcionou como vanguarda de um processo de participação e ampliação de outros movimentos de base”, pontuou.
Fidelis, depois de solto, terminou a faculdade de engenharia e iniciou sua militância no movimento sindical. “Os sindicatos sofriam com intervenção e, em 1981, retomamos o sindicato dos engenheiros da Bahia pelas forças de esquerda. Em 1986/87, fui eleito presidente. Fora o movimento sindical, me integrei ao Partido dos Trabalhadores (PT) e fui membro da executiva do partido e da CUT”, detalhou Fidelis.
Quando questionados sobre o motivo pelo qual tiveram tanta força e coragem, Elsa e Fidelis são enfáticos. “A ideologia é fundamental para a nossa luta. Por acreditar num Brasil melhor; saber que o Brasil tinha possibilidades; ser contra a ditadura em todas as suas formas, desde a tortura, passando pela corrupção, pela censura, pelo sequestro de direitos básicos de cidadania”, disse Elsa. Fidelis afirmou: “Lutar e resistir sempre. A essência da vida humana é transformação”.